Versão Inglês

Ano:  1999  Vol. 65   Ed. 4  - Julho - Agosto - (13º)

Seção: Relato de Casos

Páginas: 365 a 368

 

Carcinoma Adenóide Cístico de Conduto Auditivo Externo: Relato de Caso.

Adenoid Cystic Carcinoma of the External Auditory Canal: Report

Autor(es): Priscila B. Rapoport*;
Carlos H. G. Cruz**;
Jazon B. Lima**;
Marcio G. Carvalho***.

Palavras-chave: neoplasia, temporal bone, otorrhea

Keywords: neoplasia, temporal bone, otorrhea

Resumo:
Os autores apresentam um caso raro de tumor maligno de conduto auditivo externo. J.C.S., com 25 anos de idade, do sexo feminino, referia dor e otorréia há cerca de um ano. Recebeu vários tratamentos com antibióticos tópicos e sistêmicos, sem melhora do quadro clínico. Encontramos, ao exame físico, uma tumoração no conduto auditivo externo com aspecto em "cachos de uva" com aumento da vascularização na sua superfície. A biópsia revelou ser um carcinoma adenóide cístico. A tomografia computadorizada de ossos temporais mostrou uni tumor restrito à porção externa do conduto auditivo externo, sem erosão óssea. A paciente foi submetida a uma excisão em bloco da tumoração através de uma mastoidectomia radical modificada. Os autores concluem, apesar da idade da paciente, que os indivíduos com otite externa sem melhora clínica com o tratamento empregado, nos levam à consideração de que é importante pensarmos neste tipo de patologia.

Abstract:
The authors present a rare case of malignant tumor of the external auditory canal. J. C. S., 25 year-old woman, with ear pain and otorrhea for the past one year. She had recieved several treatments with otological drops and oral antibiotics without clinical improvement. We found a small tumor on the external auditory canal, grape-like, -with increase on the superficial vascularization. A biopsy was taken, and revealed a adenoid-cystic carcinoma. The CT scan showed-a tumor restrict to the external portion of the auditory canal without bone erosion. The patient was submitted a "en bloc" excision of the tumor by a modified radical mastoidectomy. The autors conclude that even though the patients age, the patients with external otitis without clinical improvement is important to think in this pathology.

INTRODUÇÃO

O carcinoma adenóide cístico é um tumor maligno comum nas glândulas salivares menores; no conduto auditivo externo é raro, tendo origem nas glândulas ceruminosas. Foi descrito pela primeira vez em 1859 por Billroth¹ com a denominação de cilindroma. Haug, em 1894, usou pela primeira vez o termo carcinoma adenóide cístico para identificar este tumor, sendo esta denominação reafirmada, em 1942, por Spies¹², Quattlebaum¹¹, Foote e Frazell5.

O conduto auditivo externo apresenta cerca de 2,5 cm a partir da concha até à membrana timpânica, sendo sua parede ântero-inferior de maior extensão devido à inclinação da membrana timpânica. O terço externo é cartilaginoso e coberto por uma fina camada epitelial de 0,5 a 1,0 mm de espessura, firmemente aderido ao pericôndrio. O tecido celular subcutâneo é escasso, possuindo glândulas sebáceas, ceruminosas e folículos pilosos; este é o local mais comum de origem deste tipo de tumor Os dois terços mediais têm composição óssea, a pele apresenta cerca de 0,2 mm de espessura, intimamente aderida ao periósteo. Nesta região não encontramos tecido celular subcutâneo e existem poucas glândulas ceruminosas. A irrigação sangüínea é proveniente da artéria auricular posterior, artérias auriculares profundas e artéria temporal superficial. A drenagem venosa é feita pela maxilar, jugular externa e o plexo venoso pterigóideo. A drenagem linfática segue para os linfonodos auriculares anterior, posterior e inferior, com este último drenando para o linfonodo subparotídeo e subdigástrico. A inervação é realizada pelo X par craniano na porção inferior e posterior do canal e pelo auriculotemporal, que é ramo do mandibular, originário do V par craniano, responsável pela inervação da porção anterior e superior do CAE. As relações anatómicas do CAE são: anteriormente com a articulação temporomandibular; posteriormente com a mastóide e inferiormente com a glândula parótida; estas estruturas podem sofrer invasão por contigüidade.

O carcinoma adenóide cístico de conduto auditivo externo (CAE) era freqüentemente diagnosticado e tratado erradamente no passado, devido ao seu comportamento e aparência enganosa. Muitos autores confundem esse tipo de neoplasia com tumores benignos e os tratam como tal, inconscientes de sua alta recorrência local e de sua disseminação sistêmica. Esses tumores geralmente aparecem em grupos de pacientes de meia idade acometendo o sexo masculino e feminino em condições de igualdade; e, como sintoma inicial, ocorrendo em 90% dos pacientes a otalgia. Outros sintomas secundários como otorréia, prurido e perda auditiva podem ocorrer. A tumoração pode se apresentar como um pólipo, ulceração, tecido de granulação ou simplesmente como uma discreta elevação subepitelial. Esta neoplasia apresenta uma marcante propensão à invasão perineural, linfática e bainha nervosa, sendo estes aspectos de maior valor diagnóstico em relação à diferenciação histológica com outros tumores que acometem o conduto auditivo externo. As metástases são mais freqüentes em nível regional, principalmente para o linfonodo subdigástrico, e incomuns à distância, sendo os pulmões a região mais acometida. Histologicamente, o carcinoma adenóide cístico pode ser incorretamente diagnosticado como carcinoma de células basais, carcinoma mucoepidermoide e adenoma pleomórfico. Em uma revisão, feita por Conley e Schüller, de 61 pacientes com tumores malignos do CAE, 19,6% eram carcinoma adenóide cístico².

APRESENTAÇÃO DE CASO CLÍNICO

J.C.S., do sexo feminino, com 25 anos de idade, compareceu ao Serviço de Otorrinolaringologia da Casa de Saúde Santa Marcelina, em janeiro de 1998, cora história de otalgia e otorréia há um ano. Tinha sido submetida a vários tratamentos, com gotas lógicas e antibióticos sistêmicos em outros Serviços, sem melhora do quadro clínico. O exame otoscópico, após aspiração, revelava pequena tumoração em parede posterior do conduto auditivo externo, semelhante à "cachos de uva", com aumento da vascularização em sua superfície (Figura 1). Em vista do quadro apresentado, forte otalgia, otorréia persistente e massa em conduto, realizou-se biópsia da lesão, cuja análise histológica revelou tratar-se de carcinoma adenóide cístico. A tomografia computadorizada de ossos temporais mostrou tumoração de aproximadamente 0,5 cm preenchendo parcialmente o conduto auditivo externo, sem sinais de erosão óssea. O ouvido médio, células mastóideas, e ouvido interno apresentavam-se normais (Figuras 2 e 3). A audiometria não apresentava alterações.



Figura 1. Otoscopia tumoração em CAE.



Figura 2. Tomografia computadorizada em corte axial, mostrando tumoração em CAE sem erosão óssea.



A paciente foi submetida a exerese do tumor em março de 1998. A técnica empregada foi a de ressecção em bloco do conduto auditivo externo, através de mastoidectomia radical modificada com retirada de conduto auditivo externo (parte óssea e epitelial), membrana timpânica, martelo e bigorna (Figura 4). Para diminuir em parte a perda auditiva resultante da cirurgia, foi realizada a colocação de fáscia de músculo temporal e cartilagem sobre o estribo. Para finalização, foi realizada meatoplastia ampla condizente com o tamanho da cavidade cirúrgica. A peça foi encaminhada para patologia apresentando margens cirúrgicas livres. No pós-operatório fizemos ainda biópsias para comprovação de cura. A paciente no momento está no 13° mês pós-operatório, apresentando cavidade cirúrgica epitelizada, com microcaixa aerada, com gap aéreo ósseo de 20 dB, sem evidência de recidiva.

DISCUSSÃO

A classificação dos tumores do conduto auditivo externo foi formulada por Wetli e colaboradores em 1972¹³. A classificação foi baseada nos aspectos encontrados na microscopia eletrônica, atividade biológica e resposta a diversas modalidades de tratamento instituído. Quatro tipos de padrões surgiram dessa pesquisa, que foram: a) adenoma ceruminoso; b) carcinoma adenóide cístico; c) adenocarcinoma ceruminoso; e d) adenoma pleomórfico.

Existem três padrões histológicos que se correlacionam bem com o prognóstico, segundo alguns autores4, 8, 10:



Figura 3. Tomografia computadorizada em corte coronal, mostrando tumoração em CAE sem comprometimento de ouvido médio ou interno.



- Padrão clássico: adenocarcinoma moderadamente bem diferenciado, não encapsulado, com marcante tendência a infiltração perineural, ao longo dos planos teciduais, invasão de gordura e espaços perivasculares, freqüentemente sem destruição óssea. Em sua análise histológica, observamos um aspecto cribiforme, cord-like, padrão glandular e basalóide, com a aparência clássica em "queijo-suiço" ou aparência cilindromatosa.

- Bom prognóstico: caracteriza-se por crescimento de aspecto cribiforme, um manto de células uniformes ao redor de um cório central de material hialinizado. Células anaplásicas não existem, e o tumor não apresenta margens invasivas e invasão nervosa.

- Mau prognóstico: áreas de crescimento celular sólido com aspecto basalóide e anaplásico, com focos de necrose de coagulação freqüentemente presentes.

Outros fatores que influenciam no prognóstico dos pacientes com esse tipo de tumor seriam: comprometimento das linhas da ressecção cirúrgica, a invasão perineural, recorrência local e o envolvimento ósseo.

O tratamento inicial para estes tumores depende do grau de acometimento do conduto auditivo externo. São sugeridas para os tumores localizados exclusivamente no conduto auditivo externo, sem destruição óssea, uma ressecção em bloco com retirada do conduto ósseo com as cartilagens, mastoidectomia radical modificada, do martelo e bigorna6 (Figura 4), parótida e todo contigente muscular, linfático e estruturas nervosas, com a preservação do facial6, 7, 3, seguidas de irradiação, segundo alguns autores6.



Figura 4. Esquenta de excisão cirúrgica.



Alguns autores, estudando os tumores restritos ao conduto auditivo externo, não encontraram evidências de acometimento parotídeo após a ressecção9. A maioria concorda que o tratamento radioterápico é somente paliativo. Nos tumores maiores, uma ressecção mais radical é necessária, como por exemplo, uma ressecção subtotal modificada do osso temporal com remoção de outras estruturas acometidas6, 7, 3. No nosso caso, optamos por resseção local do tumor sem abordagem cirúrgica da parótida ou região cervical superior, pois o tumor era muito pequeno sem nenhuma invasão óssea e restrito ao conduto.

COMENTÁRIOS

Nos pacientes jovens, a tendência de todo clínico é pensar em patologias benignas com boa evolução. Neste caso, a paciente vinha sendo acompanhada apenas com tratamentos para otite externa recidivante e, somente após aspiração cuidadosa de secreções, foi visualizada a verdadeira patologia. Portanto, quando existe história de otalgia e otorréia de longa data, devemos investigar profundamente o caso; e todo o paciente com tumoração de CAE deve ser submetido a biópsia local, mesmo sendo jovem. O carcinoma adenóide cístico é um tumor extremamente invasivo e, se diagnosticado no começo de sua evolução, apresenta um melhor prognóstico. Neste caso, sendo o tumor restrito ao CAE, não vimos a necessidade de cirurgia ampliada, preservando em parte a anatomia e função do ouvido.

REFERÊNCIAS BIBILIOGRÁFICAS

1. BILLROTH, J. - Beobachtungen über Geschwülste der Speicheldrüsen. VirchowArch. Pathol. Anat., 17 357-375,1859. APUD Hicks G. W.
2. CONLEY, J. and SCHULLER, D. E. - Malignancies of the Ear. Laryngoscope, 86:1147-1163, 1976.
3. CONLEY, J. J. and NOVACK, A. J. - The Surgical Treatment of Malignant Tumors of the Ear and Temporal Bone. Arch. Otolaryngol., 71: 635-652, 1960.
4. EBY, L.JOHNSON, D. W. and BAKER, H. W. -Adenoid-Cystic Carcinoma of the head and neck. Cancer, 29:1160-1168, 1972.
5. FOOT, F. W. Jr. and FRAZELL, E. L. - Tumors of the Major Salivary Glands. in: Atlas of tbe tumorpathology, sec. 4 PartII. Armed Forces Institute of Pathology, Washington, DC, 1954.
6. HICKS G. W. - Tumors Arising from the glandular Structures of the external Auditory Canal. Laryngoscope., 93:326-340,1983.
7. HILDING, D. H. AND SELKER, R. - Total Resseccion of the Temporal Bone for Carcinoma. Arcb. Otolaryngol., 89:636645, 1969.
8. MORAN, J. J., et al. - Adenoid-Cystic Carcinoma: A Clinico Pathological Study. Câncer. 14:1235-1250, 1961.
9. PERZIN, K. H., GULLANE, P., CONLEY, J. Adenoid-Cystic Carcinoma Involving the External Auditory Canal. A Clinicalpathologic Study of 16 cases. Câncer, 50: 2873-2883, 1982.
10. PULEC, J. L., PARKHILL, E. M. and DEVINE, K. D. -AdenoidCystic Carcinoma (Cylindroma) of the External Auditory Canal. Trans. Am. Acad. Ophthalmol. Otolaryngol., 67.673-694, 1963.
11. QUATTLEBAUM, F. et al. - Adenocarcinoma, Cylindron.tt7 Type, of the Parotid Gland. A clinical and Pathological Study of Twenty-One Cases. Surg. Gynecol. Obster, 82: 342-347, 1946. APUD Pulec, J. L., Parkhill, E. M. and Devine, K. D.
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13. WETH, C.V., et al. -Tumors of Ceruminous Glands. Câncer, 29: 1169-1178, 1972.




* Doutora em Otorrinolaringologia pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. Médica da Casa de Saúde Santa Marcelina e do Hospital das Clínicas da Universidade de São Paulo - USP.
** Residente da Casa de Saúde Santa Marcelina.
***Aluno da Universidade Federal de Pernambuco.

Trabalho Realizado na Casa de Saúde Santa Marcelina, São Paulo /SP. Trabalho Apresentado no Congresso Norte-Nordeste de Otorrinolaringologia, realizado em Salvador /BA, no ano de 1998.
Endereço para correspondência: Priscila Bogar Rapoport - Rua Arthur Corradi, 101, Cjt° 13 - 09725-240 São Bernardo do Campo /SP - Telefone /Fax: (Oxx11) 448-6151.

Artigo recebido em 14 de janeiro de 1999. Artigo aceito em 16 de abril de 1999.

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