Versão Inglês

Ano:  1999  Vol. 65   Ed. 3  - Maio - Junho - (12º)

Seção: Relato de Casos

Páginas: 271 a 274

 

OTITE EXTERNA MALIGNA: UM CASO COM EVOLUÇÃO INCOMUM.

Malignant Otitis Externa: A Case With a Uncommon Evolution.

Autor(es): Julio Rodrigues*,
Myrian Marajó Dal Secchi**,
Rosemary Malatesta Delegido***,
Cristina Maris Jorge Mazí Finamore***,
Lara Bento Coelho***.

Palavras-chave: otite externa maligna, paralisia facial, diabetes, imunodeficiência

Keywords: malignant otitis externa, facial palsy, diabetes, immunodeficiency

Resumo:
A otite externa maligna (OEM) é uma doença rara encontrada, usualmente, em idosos e diabéticos. Apresentamos um caso de uma paciente adulta,diabética, tratada, primeiramente, com diagnóstico de abscesso de tragus, sendo que na evolução do tratamento, foi feito o diagnóstico definitivo de OEM. A paciente evoluiu com extensas áreas de necrose do pavilhão auricular e conduto auditivo externo. Esta complicação é encontrada, mais comumente, em pacientes pediátricos e não em adultos.

Abstract:
Malignant otitis externa (MOE) is a rare disease usually found in elderly diabetics patients. We present a case of adult patient, diabetic, with a first diagnosis of abscess of the tragus and in the evolution of the treatment a definitive diagnosis of MOE was done. The patient developed extensive arcas of-necrosis of the auricular pavilion and extemal ear canal. This complication occurs mainly in the pediatric patient, but not in adult diabetic like this one described.

INTRODUÇÃO

Otite externa maligna ou necrotizante (OEM) é infecção agressiva do canal auditivo externo, potencialmente letal, que pode evoluir com osteíte da base do crânio14. Foi primeiramente descrita por Meltzer e Keleman, em 1959, e nomeada por Chandler, em 1968².

O agente etiolõgico da enfermidade é o Pseudomonas aeruginosa'4'o Há ainda descrição de Staphylococcus epiderinidescomo agente causador da OEM2.

Os fatores predisponentes estão relacionados com a idade, sendo que no idoso o diabetes é um fator importante; e nos pacientes pediátricos a OEM tem como fatores predisponentes: anemia, más condições gerais, doença crônica e imunossupressão, sem maiores relações com o diabetes". A lavagem de ouvido com água pode ser um fator predisponente, principalmente em idosos e diabéticos`, e ainda alguns medicamentos usados no tratamento da AIDS, como a claritromicina e sulfametoxazol-trimetropin, com atividade não pseudomonal, podendo serem selecionadas outras espécies de Pseudomonas que levam à essa infecção invasiva".

Acredita-se que a patogênese esteja relacionada a microangiopatia, levando à má perfusão e isquemia tecidual. Ocorre, também, imunodeficiência pela diminuição da função fagocitária dos poliformonucleares"'.

O quadro clínico da OEM caracteriza-se, principalmente, por otalgia lancinante, pulsátil, fronto-têmporo-parietal e noturna, associada à otorréia purulenta e fétida, podendo evoluir para paralisia facial periférica3.

A OEM pode ser classificada em OEM central, pré-OEM e OEM limitada, usando-se como recurso diagnóstico tecnécio 99. A OEM central apresenta um tecnécio 99 positivo, com evidência de disseminação central da doença para a ATM, base de crânio, espaço parafaríngeo, fossa intra-temporal e paralisia de pares cranianos. Aqueles com tecnécio 99 negativo são classificados como pré-OEM. Já a OEM limitada tem o tecnécio 99 limitado ao osso temporal'.

Na criança, a OEM cursa com necrose da membrana timpânica (55,5%) e paralisia facial (53%), enquanto que no adulto esta necrose não é observada e a paralisia facial, quando presente (34%), é sinal de mau prognóstico. A recorrência é comum no adulto e rara na criança. Uma outra diferença é que no adulto a doença tem mortalidade alta, enquanto que na criança é totalmente curável'.

O diagnóstico baseia-se na anamnese e exame físico, sendo realizados os seguintes exames: cultura de secreção com antibiograma, biópsia, tomografia computadorizada e cintilografia com tecnécio 99 metaestável (Tc 99 m) e gálio 67 (Ga 67). O tecnécio 99 é útil para o diagnóstico da osteíte, enquanto que o gálio 67 é um bom indicador da resposta terapêutica'3. Alguns casos apresentados como OEM e cultura com Pseudomonas aeruginosa podem ser devidos a não somente infecção, mas a alterações neoplásicas, principalmente nos pacientes que não respondem ao tratamento, vindos a falecer. Deve se realizar biópsia nos casos com evolução desfavorável, para não se deixar de fazer um diagnóstico de neoplasia em um suposto caso de OEM¹. Deve ser lembrada, também, a radionécrose como diagnóstico diferencial15.

Quanto ao tratamento clinico, este é feito com o uso de agentes antiinfecciosos e controle dos níveis glicêmicos. Um dos primeiros agentes antiinfecciosos usados foi a carbenicilina, em 15 a 30 gramas, três vezes ao dia, associada a um aminoglicosídeo, por um período longo de 4 a 8 semanas e com o auxílio de oxigenoterapia hiperbãrica, para melhorar as defesas locais. O tratamento cirúrgico, com excisão dos tecidos necrosados e infectados, é uma conduta adotada até os dias de hoje. A cirurgia radical estava indicada em caso de exacerbação dos sintomas loco-regionais3.

Atualmente, têm-se duas melhores opções para o tratamento. A primeira seria o uso de ciprofloxacina na dosagem de 1,5 gramas ao dia, por um período médio de 10 semanas. Nos casos de OEM central, faz-se a internação, associando-se uma penicilina semi-sintética por 10 a 14 dias, promovendo assim uma atividade sinérgica5. A segunda consiste no uso de cefalosporina anti-pseudomonas (cefoperazona e ceftazidima), por via endovenosa, e ciprofloxacina, por via oral". Há ainda autores que citam o uso de ofloxacin por via oral, com obtenção de bons resultados6.

APRESENTAÇÃO DE CASO CLINICO

M.H.S, com 36 anos de idade, do sexo feminino, casada, residente em São Vicente /SP, deu entrada no ambulatório com quadro de dor intensa orelha direita e drenagem de secreção purulenta em região de tragus (possível abscesso de tragus). A paciente negava outras doenças sistêmicas, especificamente diabetes. Foram introduzidos antibiótico oral (cefixima) e corticõide intramuscular.

Após três dias, foi internada com piora do quadro: aumento de dor e edema, necrose de pavilhão auricular e de áreas adjacentes. Os exames laboratoriais apresentavam uma glicemia de jejum de 488 mg% (normal: 70 a 110 mg%); hemograma com leucocitose de 39.700/ mm3 (normal: 4.500 a 11.000/ mm3); hematócrito de 39 ml/ dl (normal: 37 a 47 ml/ dl), hemoglobina de 13 mg/dl (normal: 12 a 16 g/ dl). Realizouse cultura de secreção da orelha com antibiograma, sendo isolado Pseudomona ssp.

Evoluiu, no terceiro dia de internação, com aumento da área necrótica, secreção purulenta e paralisia facial periférica (Fotos 1, 2 e 3). Iniciou-se oxigenoterapia hiperbãrica como coadjuvante. Nesta ocasião diagnosticou-se OEM.

Optou-se pelo uso de ceftriaxona, oxacilina e ciproflo xacina durante 25, 16 e 68 dias, respectivamente.



Foto 1. Lesão necrótica em conduto auditivo externo, pavilhão auricular e áreas adjacentes à direita.



Foto 2. Lesão necrótica em pavilhão auricular e áreas adjacentes à direita.



Foto 3. Otite externa maligna acompanhada de paralisia facial à direita.



Foto 4. Debridamento cirúrgico das áreas necróticas e formação de tecido de granulação.



A paciente foi, então, submetida a debridamento cirúrgico das áreas necróticas, com ressecção de mais de dois terços do pavilhão auricular (Foto 4). Foram realizados curativos no local.

Após melhora do quadro de secreção e controle de níveis glicêmicos, recebeu alta hospitalar para acompanhamento ambulatorial.

COMENTÁRIOS FINAIS

Neste caso, nossa primeira impressão diagnostica foi de um abscesso de tragus, sendo o tratamento inicial dificultado pelo desconhecimento, por parte da paciente, quanto ao diabetes.

Com a evolução dramática do quadro: aparecimento de necrose do tecido, paralisia facial e a cultura positiva para Pseudomonas, fizemos o diagnóstico de OEM baseados, também, na literatura.

A otite externa maligna no adulto é caracterizada por tecido de granulação no conduto auditivo externo, que evolui para paralisia de pares cranianos devido à ostefte de base do crânio. Na criança, a OEM tem uma evolução igual à do caso relatado, com aparecimento de extensas áreas de necrose.

O caso é clinicamente interessante por tratar-se de uma OEM em adulto, comevolução observada, usualmente, no paciente pediátrico.

O tratamento medicamentoso proposto foi o uso de antibióticos, como a quinolona (ciprofloxacina), com boa atividade anti-pseudomonal, além da cobertura com oxacilina, devido à grande área infectada. Em geral, os casos de otite externa aguda evoluem bem, sendo tratados ambulatorialmente. No caso de OEM, porém, as seqüelas são, geralmente, lesões gravíssimas.

A gravidade do caso deve ser esclarecida aos familiares, por tratar-se de uma doença que pode ter uma evolução desfavorável, levando ao óbito.

Neste caso, apesar da eficácia do tratamento com cura clínica, a paciente permaneceu com seqüela.

Entendemos que o tratamento atual da OEM evoluiu, diminuindo a taxa de mortalidade; porém, novos medicamentos devem ser pesquisados, na tentativa de evitar lesões mutilantes como no caso exposto.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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*Chefe do Serviço de ORL da Santa Casa de Misericórdia de Santos (SCMS). Mestre em ORL pelo HC do FMRP, da USP.
**Médica Assistente do Serviço de ORL da SCMS.
***Médica Estagiária do Serviço de ORL da SCMS.

Endereço para correspondência: Julio Rodrigues - Rua Carvalho de Mendonça, 366 - 11070-101 Santos /SP - Telefone: (013) 235-3082 - Fax : (013) 232-2528. Artigo recebido em 22 de agosto de 1998. Artigo aceito em 6 de abril de 1999.

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