Versão Inglês

Ano:  1999  Vol. 65   Ed. 2  - Março - Abril - ()

Seção: Artigos Originais

Páginas: 131 a 139

 

Variação Técnica (Microcirúrgica) para Cisto Fistulizado de Prega Vocal

Technical Variatiojn (Microsurgery) for Fistuleted Vocal Fold Cyst.

Autor(es): Jeferson Sampaio D'Avila*,
Ronaldo C. Santos Júnior**,
Ariadne B. Nave***.

Palavras-chave: fistulectomia, flap, microcirúrgica

Keywords: fistulectomy, flap, microsurgical

Resumo:
Apresentamos neste estudo uma opção técnica (variação) de microcirurgia de laringe, para correção de "cisto fistulizado" de corda vocal. Nesta variação, utilizamos dois princípios da cirurgia geral: a fistulectomia (via extra-cordal) e o flap (bipediculado) no nível das cordas vocais. O estudo é fundamentado em análise microvascular cia laringe, o que justifica os bons resultados obtidos. Analisamos 67 casos, nos quais conseguimos, devido a preservação das funções vibratórias, uma melhor qualidade vocal, assim como, devido a utilização de fundamentos cirúrgicos clássicos, o controle da lesão.

Abstract:
In this study the authors present a variation of the traditional microsurgical technique for lhe correction of fistulous vocal cord cysts, where they combine two principies of general surgery: fistulectomy (Extra-vocal fold) and flap (Bipediculated) of the larynx. This study is based on larynx micro vascular analysis, what justifies the good results. The authors analyzed 67 cases and achieved better vocal quality due to the preservation of-the vibratory functions, and better lesion control due to the utilization of classical surgical principies.

INTRODUÇÃO

A classificação geral dos cistos inclui os blastomas benignos, que são contidos por uma estrutura capsular. Ou seja, estas lesões, limitadas a determinado plano histológico, variam com
a sua origem, extensão e localização¹. Dentre os vários cistos que acometem o organismo, destacam-se dois tipos específicos, que ocorrem no nível de corda vocal humana2,3,4..

São estes: A) Cistos sebáceos ou glandulares, que se originam de afecções de glândulas, produzindo secreção relativamente fluida, contida por cápsula-envoltório. B) Cistos epidermóides ou epidérmicos, originam-se de restos embrionários epidérmicos e acumulam secreção relativamente densa, contendo porções de queratina 1,4,5..

Ambos, em um determinado momento, podem ser despertados por razões na maioria das vezes traumáticas. Traumas estes decorrentes de abuso vocal, etilismo, tabagismo, aspiração de poluentes, entre outros; que acontecem de maneira isolada ou associada 2,3,5.

Os cistos da corda vocal geralmente localizam-se no nível de terço médio da mesma, e apresentam característica de simetria de localização e assimetria de volume em relação à lesão contra-lateral, que pode ser um nódulo reacional, ou outro cisto em diferente fase de evolução 2,3,4,5..

Existe um período da evolução dos cistos em que pode ocorrer uma drenagem. Normalmente, esta se dá através de trajeto fistuloso (fístula), para o meio exterior, que neste particular é a via aérea superior (luz laríngea) 1,2.

Portanto, este "cisto fistulizado" é decorrente de evolução voluntária (fonoterapia), traumática (abuso vocal) ou, até mesmo, espontânea. Os mesmos podem ser assépticos ou infectados; e, neste último caso, podem ser precedidos de monocordites inespecíficas 2,6.

A sintomatologia clássica dos cistos e especificamente do "cisto fistulizado" é a seguinte: rouquidão variável a depender da fase evolutiva do mesmo e da quantidade de secreção (volume), tosse seca irritativa, pigarro e algumas vezes sensação de corpo estranho. Associado, é comum encontrar quadro compensatório de musculatura extrínseca da laringe, com cansaço vocal, dores no pescoço, break voice etc. 2,4,6.

O diagnóstico dos cistos em geral se dá através dos exames vídeo-endoscõpicos da laringe, com a importância evidente da estroboscopia, onde encontramos a clássica zona silente vibratória e alterações de amplitude de vibração e periodicidade de movimentos 5,7.

O tratamento dos cistos da corda vocal é essencialmente cirúrgico e deve ser criteriosamente decidido em relação ao seu momento. Pode ser realizado no adulto ou na criança, e a fonoterapia associada no pré e pós-operatório assegura a boa evolução2,3,5,6.

MATERIAL E MÉTODO

Apresentamos um estudo do tratamento cirúrgico do "cisto fistulizado" da corda vocal humana. Neste, foi idealizada uma variação técnica proveniente das clássicas técnicas de microcirurgia de laringe de Kleinsasser e da reconhecida cirurgia de Mark Bouchayer. Utilizando, sem modificação, a microcirurgia de Kleinsasser, realizamos especificamente a variação da técnica de Bouchayer. Esta última utiliza princípios de dissecção intra-cordal para exérese de cistos de cordas vocas 6,7,8,9.

A nossa proposta de variação está apoiada em dois fundamentos da cirurgia geral. O primeiro é a utilização do principio da °fistulectomia". Porém, especificamente a efetuamos por "via extra-cordal", caracterizando uma nova abordagem para a cirurgia. O segundo fundamento reside também no apoio notório dos enxertos cutâneos e, mais especificamente, dos mucosos. Realiza-se como passo seguinte à "fistulectomia extra-cordal". É a criação de um "flap bipediculado", no sentido longitudinal ao maior eixo da corda vocal 1,9.

Partindo, pois, do entendimento destas duas variações preliminares, de maneira metodológica, descrevemos todos os passos cirúrgicos desta variação.
1ºPasso: Identificação per-operatória do orifício da fistula, que normalmente acontece na face inferior da corda vocal. Esta é realizada através da própria microscopia laríngea, com o feedback tátil, além da confirmação através da endoscopia rígida (REMS) e endoscopia de contato (CEMS) idealizadas por Mário Andréa e óscar Dias (Lisboa, 1994)9,10,11,12 (Figuras l, 2, 3, 4, 5, 6e7).

2ºPasso: Incisão longitudinal paramediàna na face vestibular da corda vocal (Figura 8).

3ºPasso: Inspeção intra-cordal, com identificação da lesão cística e posterior dissecção com marsupialização (Figuras 9 e 10).

4ºPasso: 1 á variação - "fistulectomia via extra-cordal" (diferenciação básica 1) (Figuras 11 e 12).

5ºPasso: 22 variação - realização do "flap bipediculado" (diferenciação básica II) (Figura 13).

6ºPasso: Acomodação dos tecidos e aspiração final (Figura 14).

7ºPasso: Reavaliação do quadro através de inspeção com a endoscopia rígida (REMS) de Andréa e Dias (resultado final). (Figuras 15 e 16).

Atualmente, em três anos de evolução, contamos com 46 pacientes operados por esta técnica, sendo que em 21 casos (47,8%) a intervenção foi realizada bilateralmente, pela existência de cistos fistulizados em ambas, as cordas vocais, perfazendo-se um total de 67 cirurgias.

Destes 46 pacientes, 30 (65,2%) foram do sexo feminino; e 16 (34,8%), do sexo masculino. A faixa etária variou de 10 anos a 54 anos, sendo a maioria formada por adultos jovens (média de idade de 32 anos).



Figura 1. Diagnóstico per-operatório (microscopia / endoscopia rígida / endoscopia de contato).



Figura 2. Diagnóstico per-operatório (microscopia / endoscopia rígida / endoscopia de contato).



Figura 3. Diagnóstico per-operatório (microscopia / endoscopia rígida / endoscopia de contato).



Figura 4. Diagnóstico per-operatório (microscopia / endoscopia rígida / endoscopia de contato).



Ressaltamos a grande importância da fonoterapia pré e pós-operatória, como parte integrante e fundamental para o resultado final.

Apresentamos, até o momento, cura em 100% dos pacientes, sem nenhum caso de recidiva das lesões císticas fistulizadas.

Encontramos, em 20 casos (13,4%), presença de fenda vocal fusiforme mediana, leve para moderada, causando discreta soprosidade à fonação. Porém, isto, quando aconteceu, foi compensado tanto visualmente (vídeo-estroboscopia) quanto através da avaliação perceptiva auditiva da voz, após, no máximo, três meses de fonoterapia.

Apresentamos, pois, a evolução fotográfica de três pacientes portadores de "cisto fistulizado" e operados por esta variação técnica. Os dois primeiros casos são demonstrativos da evolução de um mês pós cirurgia e fonoterapia:_ caso 1 (Figuras 17, 18 e 19) e caso 11 (Figuras 20 e 21). Neste último há associação com granuloma de íntubação. O caso 111 apresenta demonstrativo de um ano de evolução (Figuras 22, 23 e 24).

Nota-se, portanto, no pós-operatório a ausência das lesões císticas fistulizadas, assim como de lesões cicatriciais no nível da região operada.

É importante citar, por ser bastante notória, a excelente evolução dos pacientes do sexo masculino operados na fase da pré-muda vocal; assim como no sexo feminino, na mesma faixa etária. Atribuímos este fato ao poder de regeneração tecidual da corda vocal sem a presença de lesão blastornatosa, que foi retirada cirurgicamente.



Figura 5. Diagnóstico per-operatório (microscopia / endoscopia rígida / endoscopia de contato).



Figura 6. Identificação (inspeção táctil - eversão CV).



Figura 7. Identificação (inspeção táctil - eversão CV).



Figura 8. Incisão longitudinal (face vestibular).



DISCUSSÃO

Acreditamos que o sucesso da variação técnica proposta é devido ao fato de a mesma estar fundamentada em princípios cirúrgicos clássicos e básicos; à identificação correta do orifício das fístulas; à preservação e respeito a estruturas anatômicas, principalmente as de vibração da corda vocal, e finalmente, à fonoterapia específica e simultânea.

Aplicamos com segurança os fundamentos da fistulectomia e da criação do flap, na laringe, com o objetivo de tratar de maneira conservadora os cistos fistulizados, gerando o restabelecimento da fisiologia, ou seja, oferecendo uma qualidade vocal que satisfaça de uma maneira geral os pacientes e toda equipe de profissionais envolvida no tratamento.

A região subglótica da laringe apresenta irrigação sangüínea através de pequenas terminações oriundas da artéria laríngea ântero-inferior. Esta apresenta conformação anátomo-vascular ascendente, no sentido vertical, para a região da face inferior da corda vocal. Esta configuração é que justifica plenamente a reconstituição anátomo-funcional que ocorre com a realização da fistulectomia extra-cordal13 (Figuras 25 e 26).



Figura 9. Marsupialização (intra-cardal).



Figura-10. Inspeção intra-cardal.



Figura 11. Fistulectomia (primeira diferenciação básica / via extracordal).



Figura 12. Fistulectomia (primeira diferenciação básica / via extracordal).



A conformação vascular da corda vocal oriunda da arcada longitudinal anterior laríngea é que origina a irrigação da face superior da corda vocal, com seus vasos longitudinais ao longo do eixo e com tendência ao paralelismo. Isto demonstra que o flap bipediculado não agride a anatomia vascular; ao contrário, beneficia-se substancialmente da mesma para reconstituição dos tecidos. Desta forma, a recupera
ção da função vibrátil da corda vocal torna-se efetivada 13 (Figuras 27 e 28).

Portanto, apresentamos de forma objetiva a relação anátomo-vascular e funcional, que justifica o êxito da implementação destes dois passos cirúrgicos variantes à clássica técnica microcirúrgica de Mark Bouchayer.

Estamos apoiados em estudos anatômicos clássicos; e, neste aspecto específico, exatamente na microvascularização da laringe. Esta encontra-se com uma disposição anatômica que favorece o completo restabelecimento da neo-anatomia pós-cirúrgica; e, conseqüentemente, da preservação e recuperação da fonação normal.



Figura 13. Flap bipediculado (segunda diferenciação básica).



Figura 14. Acomodação dos tecidos.



Figura 15. Resultado final (pós-operatório imediato).



Figura 16. Resultado final (pós-operatório imediato).



CONCLUSÕES

1 - A variação técnica proposta é de fácil execução e pode ser realizada com instrumental cirúrgico de rotina.
2 - Respeita a fisiologia da laringe, pois é conservadora das estruturas anatômicas.
3 - Está lastreada em dois princípios cirúrgicos básicos e clássicos, que é a fistulectomia e o flap.
4 - Não apresentou recidivas até o momento, em controle (follow-up) de três anos.
5 - Não apresentou qualquer tipo de complicação especial em relação às clássicas conhecidas da microcirurgia de laringe.
6 - A fonoterapia pré e pós-operatória foi fundamental para a boa evolução dos casos.
7 - Estabeleceu-se elevado índice de satisfação visual (vídeoestroboscopia) e auditiva (perceptiva), ela saúde da laringe e da saúde vocal.
8 - A endoscopia de contato e a endoscopia rígida (Andrea e Dias) foram extremamente importantes para a confirmação diagnóstica do cisto (vascularização) e ela fístula (localização).
9 - O estudo orientado sobre a micro-vascularização da corda vocal humana justificou em sua plenitude os excelentes resultados alcançados.
10 - Tanto a fistulectomia extra-cordal quanto o flap bipediculado estão apoiados na anátolno-fisiologia vascular da corda vocal.
11 - A variação técnica (microcirúrgica) para cisto fistulizado da corda vocal humana oferece segurança, respeito anãtomofuncional e excelentes resultados, o que justifica a sua aplicação.



Figura 17. Pré-operatório 1 (Cistos bilaterais - evolução de um mês).



Figura 18. Pós-operatório 1 (cistos bilaterais).



Figura 19. Pós-operatório 1 (cistos bilaterais).



Figura 20. Pré-operatório 11 (cistos bilaterais + granuloma - evolução de um mês).



Figura 21. Pós-operatório 11 (cistos bilaterais + granuloma).



Figura 22. Pré-operatório 111 (cistos bilaterais - evolução de um ano).



Figura 23. Pós-operatório 111 (cistos bilaterais - evolução de um ano).



Figura 24. Pós-operatório 111 (cistos bilaterais - evolução de um ano).



Figura 25. Microvascularização da face inferior da corda vocal (Prof. Mário Andrea).



Figura 26. Microvascularização sub-glótica (Prof. Mário Andrea).



Figura 27. Arcada longitudinal anterior (ALA) (Prof. Mário Andrea).



Figura 28. Radiografia contrastada (ALA) (Prof. Mário Andrea).


AGRADECIMENTOS

1. Ao Professor Doutor Mário Andrea (Chefe dó Serviço de ORL do Hospital Santa Maria-Universidade de Lisboa-Portugal): pela orientação e apoio científico.
2. A Geraldo António de Oliveira: pela produção e arte gráfica.

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*Professor da Disciplina ORL da UFS (Chefe); Diretor do CEAOF/Sergipe; Mestre em ORL (PLIC-RI); Doutorando em ORL **Professor da Disciplina ORL da UFS; Doutorando em ORL (USP).
***Diretora do CEAOF/Sergipe; Fonoaudióloga.

Endereço para correspondência: Jeferson Sampaio D'Avila - Rua Sílvio César Brito, 301/901 - 49020-060 Aracaju /SE - Brasil. Telefones: (079) 231-6315 (Residência) - 224-3282 (Consultório) - 988-1231 (Celular) - Fax: (079) 211-0978. Artigo recebido em 29 de setembro de 1998. Artigo aceito em 7 de janeiro de 1999.

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