Ano: 1999 Vol. 65 Ed. 2 - Março - Abril - (2º)
Seção: Artigos Originais
Páginas: 116 a 119
Estesioneuroblastoma: Diagnóstico e Abordagem.
Esthesioneuroblastomia: Diagnosis and Management.
Autor(es):
Richard Voegels*,
Mário Valentini Júnior**,
Rubens Vuono Brito**,
Rui Imamura** ,
Ossamu Butugan***.
Palavras-chave: estesioneuroblastoma, estadiamento de neoplasma, cirurgia, radioterapia, quimioterapia
Keywords: esthesioneuroblastoma, neoplasm staging, surgery, radiotherapy, chemotherapy
Resumo:
Apresentamos seis casos de estesioneuroblastoma acompanhados em nosso serviço durante os últimos oito anos. A idade dos pacientes variou entre 11 e 63 anos. Não houve predominância entre homens e mulheres (3:3). Os sintomas principais observados foram obstrução nasal e hiposmia. O diagnóstico conclusivo foi conseguido através do exame anatomopatológico com uso de técnica de imuno-histoquímica, para a correta diferenciação com linfoma, carcinoma indiferenciado, melanoma, sarcoma e tumores de glândulas salivares menores. O estadiamento foi realizado usando-se o sistema de Kadish. Em nossa casuística, quatro pacientes foram classificados no grupo C e dois pacientes no grupo B. Metástases foram observadas em linfonodos (2), pulmão (2), fígado (1) e osso (1). O tratamento consistiu de cirurgia e radioterapia pós-operatória em três pacientes; radioterapia e quimioterapia após a cirurgia em dois pacientes; e somente radioterapia mais quimioterapia em um paciente, devido ao estágio avançado do tumor. Três pacientes (em dois destes sendo administrada quimioterapia) têm pelo menos quatro anos de acompanhamento sem recorrência do tumor; e outro paciente esta vivo, mas com metãstases em linfonodos e/ou pulmão. Concluindo, o estesioneuroblastoma é um tumor maligno da linhagem epitelial que não tem protocolo de tratamento bem estabelecido. A alta taxa de mortalidade sugere que procedimentos agressivos devem ser usados na abordagem terapêutica. Protocolos de quimioterapia têm sido desenvolvidos e são promissores para o futuro tratamento destes casos.
Abstract:
We present six cases of esthesioneuroblastoma treated at our department during the past eigth years. All patients were aged between 11 and 64 years. There was no predominante of sex (3:3). The major simptoms were nasal obstruction and hiposmia. Diagnosis was made by biopsy and the use of immunohistochemical techniques to differenciate froco lymphoma, undifferenciated carcinoma, melanoma, sarcoma and minor salivary gland cancers. Staging was made based on Kadish's staging system. In our series, four patients were classified as stage C and two patients as stage B. Metastases were observed in three patients at the following locations: cervical lymphnodes (2), lung (2), liver (1) and bone (1). Treatment consisted on surgery and postoperative radiation in three patients; surgery plus radiation and chemotherapy in two patients and in one patient only radiation and chemotherapy due to the advanced stage of the disease. Three patients (two treated also with chemotherapy) have at least four years postoperative and don't have signs of recurrence. A four patient is alive, but has lung and cervical metastases. In conclusion, esthesioneuroblastoma are malignant epithelial tumors that still do not have a stablished treatment. The high mortality suggests that agressive procedures should be taken. Protocols of chemotherapy have emerged and may help in the treatment of these patients.
INTRODUÇÃO
Estesioneuroblastoma é um tumor neuroectodérmico raro, derivado embriologicamente das células da crista neural 1,2,3. Sua origem se estabelece na camada basal do epitélio da lâmina cribiforme4. Foi primeiro descrito por Breger e colaboradores5 em 1923, e, desde então, aproximadamente 270 casos têm sido relatados na literatura6,7,8. Controvérsias ainda existem com relação à histopatologia, o estadiamento clínico e o tratamento desta neoplasia.
Clinicamente, os pacientes desenvolvem quadro clínico vago e mal definido, levando muitas vezes ao diagnóstico tardio. Sintomas, quando presentes, incluem obstrução nasal, epistaxe, anosmia, proptose e diplopia.
O propósito deste trabalho é apresentar seis casos encontrados nos últimos oito anos, levando em conta a associação entre estadiamento, tratamento e evolução.
MATERIAL E MÉTODO
Um estudo retrospectivo de seis casos com diagnóstico de estesioneuroblastoma acompanhados no Departamento de Otorrinolaringologia da Universidade de São Paulo é apresentado. A idade ao diagnóstico, sexo dos pacientes, quadro clínico, estadiamento, tratamento, complicações e evolução são analisados.
RESULTADOS
Em nossa série, três pacientes estavam entre 11 e 19 anos de idade; e outros três, entre 54 e 63 anos. Não houve preponderância sexual e um paciente era melanodérmico. Todos os pacientes referiam obstrução nasal unilateral e cinco relatavam anosmia. Outros sintomas foram epistaxe, diplopia e proptose.
O exame físico mostrava uma tumoração na fossa nasal. Um paciente apresentava também invasão da cavidade oral através do palato. O exame do pescoço revelou metástases em dois pacientes. Os exames adicionais revelaram metástases sistêmicas em três pacientes, incluindo pulmões, osso, medula espinal e fígado.
Três pacientes foram tratados com abordagem cirúrgica e radioterapia põs-operatória; dois foram tratados com estes dois métodos e também quimioterapia; e utn paciente recebeu somente quimioterapia e radioterapia devido à extensão de sua doença. Este último paciente faleceu um ano após o início do tratamento (Tabela 1). A radioterapia foi administrada com técnicas tradicionais com dosagem variando de 5.500 a 6.500 cGY.
DISCUSSÃO
Estesioneuroblastoma é um tumor extremamente raro, ocorrendo em aproximadamente 3% dos tumores nasais9. Na literatura existem controvérsias a respeito de sua histologia, estadiamento e tratamento; e mesmo sua origem no epitêlio olfatõrio é questionada 10.
Parece haver maior incidência durante a segunda e sexta décadas de vida10, o que está em acordo com nossa casuística. Não há prevalência maior entre homens e mulheres, embora alguns autores relatem discreta predominância no sexo masculino.
Histologicamente, as células tumorais do estesioneuroblastoma têm características de células neurais (neurônios ou neuroblastos), neurofibrilas e formação de pseudo-rosetas (Figura 1). Somente pequena porcentagem apresenta rosetas verdadeiras. Vários autores têm estabelecido uma relação entre variações na estrutura histolõgica e o prognóstico, mas de modo geral esta relação não existe 1,11.
O diagnóstico do estesioneuroblastoma não é fácil, devido aos sintomas vagos e tardios. Epistaxe, obstrução nasal, anosmia, proptose e diplopia constituem o principal quadro clínico. Diagnóstico diferencial com carcinoma indiferenciado, linfoma, melanoma e sarcoma deve ser realizado e muitas vezes só é bem sucedido através do uso de técnicas de imunohistoquímica.TABELA 1 Distribuição de pacientes separados por idade, sexo, estadiamento, tratamento e seguimento.
Legenda: M - Masculino; F - Feminino; E - Esquerdo; D - Direito; CIR - Cirurgias; RAD - Radioterapia; QT - Quimioterapia.
Figura 1. Foto mostrando o aspecto do tumor estesioneuroblastoma em microscopia óptica com coloração Hematoxilina Eosina. Notase que as células tumorais têm características de células neurais com aparecimento de neurofibrilas e formação de pseudorosetas.
Figura 2. Foto mostrando tomografia computadorizada em corte coronal, onde se nota invasão tumoral das fossas nasais, seios -maxilares e etmóide bilateralmente. Há invasão da cavidade orbitária esquerda. Esta imagem corresponde à avaliação préoperatória de paciente submetido a tratamento cirúrgico, radioterápico e quimioterápico.
Figura 3. Foto pós-operatória do paciente da Figura 2, após o tratamento. Nota-se o amplo defeito após a cirurgia radical sem evidências de recidiva tumoral.
Kadish e colaboradores12, numa revisão de 17 pacientes, propôs um sistema de classificação para estadiamento (Tabela 2). Em nossa série, quatro pacientes foram classificados como em estádio C e dois como grupo B. Dois dos pacientes incluídos no grupo C foram diagnosticados tardiamente, com várias metástases. Um paciente faleceu um ano após o diagnóstico e outro paciente está vivo, mas com metãstases no pulmão e pescoço. Outro caso faleceu após apresentar melanoma extenso, mas não houve sinais de recidiva do estesioneuroblastoma.
Os outros três casos (dois no grupo C e um no grupo B) têm acompanhamento de cinco anos, pelo menos, sem sinais de recidiva (Tabela 1). Dois destes pacientes foram tratados com cirurgia, radioterapia e quimioterapia (Figuras 1 e 2). O uso de novos protocolos e novos quimioterápicos têm sido promissores na abordagem terapêutica destes pacientes 10.
Concluindo, o estesioneuroblastoma é um tumor maligno que não tem protocolo terapêutico bem estabelecido. O quadro clínico é vago e o diagnóstico é muitas vezes tardio. A alta taxa de mortalidade sugere que uma abordagem agressiva deve ser tomada. Novos protocolos de quimioterapia têm emergido e podem ter papel relevante no tratamento destes pacientes.TABELA 2 - Estadiamento de Kadish.
GRUPO A - Tumor confinado a fossa nasal
GRUPO B - Tumor estendendo aos seios paranasais
GRUPO C - Tumor com extensão além do nariz e seios paranasais
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* Médico Assistente e Pós-Graduando do Departamento de Otorrinolaringologia do HC-FMUSP.
** Pós-Graduando do Departamento de Otorrinolaringologia do HC-FMUSP.
*** Professor e Médico Assistente do Departamento de Otorrinolaringologia do HC-FMUSP.
Trabalho realizado pelo Departamento de Otorrinolaringologia do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. Trabalho apresentado (pôster) no XVI Congresso Mundial de Otorrinolaringologia e Cirurgia de Cabeça e Pescoço, em março de 1997, em Sidney - Austrália. Endereço para correspondência: Dr. Richard Voegels - Rua Dr. Enéas de Carvalho Aguiar, 255 - 64 andar - sala 6002 - 05403-000 São Paulo /SP - Telefax: (011)280-0299. Artigo recebido em 26 de junho de 1998. Artigo aceito em 13 de outubro de 1998.