INTRODUÇÃOEstesioneuroblastoma é um tumor neuroectodérmico raro, derivado embriologicamente das células da crista neural 1,2,3. Sua origem se estabelece na camada basal do epitélio da lâmina cribiforme4. Foi primeiro descrito por Breger e colaboradores5 em 1923, e, desde então, aproximadamente 270 casos têm sido relatados na literatura6,7,8. Controvérsias ainda existem com relação à histopatologia, o estadiamento clínico e o tratamento desta neoplasia.
Clinicamente, os pacientes desenvolvem quadro clínico vago e mal definido, levando muitas vezes ao diagnóstico tardio. Sintomas, quando presentes, incluem obstrução nasal, epistaxe, anosmia, proptose e diplopia.
O propósito deste trabalho é apresentar seis casos encontrados nos últimos oito anos, levando em conta a associação entre estadiamento, tratamento e evolução.
MATERIAL E MÉTODOUm estudo retrospectivo de seis casos com diagnóstico de estesioneuroblastoma acompanhados no Departamento de Otorrinolaringologia da Universidade de São Paulo é apresentado. A idade ao diagnóstico, sexo dos pacientes, quadro clínico, estadiamento, tratamento, complicações e evolução são analisados.
RESULTADOSEm nossa série, três pacientes estavam entre 11 e 19 anos de idade; e outros três, entre 54 e 63 anos. Não houve preponderância sexual e um paciente era melanodérmico. Todos os pacientes referiam obstrução nasal unilateral e cinco relatavam anosmia. Outros sintomas foram epistaxe, diplopia e proptose.
O exame físico mostrava uma tumoração na fossa nasal. Um paciente apresentava também invasão da cavidade oral através do palato. O exame do pescoço revelou metástases em dois pacientes. Os exames adicionais revelaram metástases sistêmicas em três pacientes, incluindo pulmões, osso, medula espinal e fígado.
Três pacientes foram tratados com abordagem cirúrgica e radioterapia põs-operatória; dois foram tratados com estes dois métodos e também quimioterapia; e utn paciente recebeu somente quimioterapia e radioterapia devido à extensão de sua doença. Este último paciente faleceu um ano após o início do tratamento (Tabela 1). A radioterapia foi administrada com técnicas tradicionais com dosagem variando de 5.500 a 6.500 cGY.
DISCUSSÃOEstesioneuroblastoma é um tumor extremamente raro, ocorrendo em aproximadamente 3% dos tumores nasais9. Na literatura existem controvérsias a respeito de sua histologia, estadiamento e tratamento; e mesmo sua origem no epitêlio olfatõrio é questionada 10.
Parece haver maior incidência durante a segunda e sexta décadas de vida10, o que está em acordo com nossa casuística. Não há prevalência maior entre homens e mulheres, embora alguns autores relatem discreta predominância no sexo masculino.
Histologicamente, as células tumorais do estesioneuroblastoma têm características de células neurais (neurônios ou neuroblastos), neurofibrilas e formação de pseudo-rosetas (Figura 1). Somente pequena porcentagem apresenta rosetas verdadeiras. Vários autores têm estabelecido uma relação entre variações na estrutura histolõgica e o prognóstico, mas de modo geral esta relação não existe 1,11.
O diagnóstico do estesioneuroblastoma não é fácil, devido aos sintomas vagos e tardios. Epistaxe, obstrução nasal, anosmia, proptose e diplopia constituem o principal quadro clínico. Diagnóstico diferencial com carcinoma indiferenciado, linfoma, melanoma e sarcoma deve ser realizado e muitas vezes só é bem sucedido através do uso de técnicas de imunohistoquímica.
TABELA 1 Distribuição de pacientes separados por idade, sexo, estadiamento, tratamento e seguimento.
Legenda: M - Masculino; F - Feminino; E - Esquerdo; D - Direito; CIR - Cirurgias; RAD - Radioterapia; QT - Quimioterapia.
Figura 1. Foto mostrando o aspecto do tumor estesioneuroblastoma em microscopia óptica com coloração Hematoxilina Eosina. Notase que as células tumorais têm características de células neurais com aparecimento de neurofibrilas e formação de pseudorosetas.
Figura 2. Foto mostrando tomografia computadorizada em corte coronal, onde se nota invasão tumoral das fossas nasais, seios -maxilares e etmóide bilateralmente. Há invasão da cavidade orbitária esquerda. Esta imagem corresponde à avaliação préoperatória de paciente submetido a tratamento cirúrgico, radioterápico e quimioterápico.
Figura 3. Foto pós-operatória do paciente da Figura 2, após o tratamento. Nota-se o amplo defeito após a cirurgia radical sem evidências de recidiva tumoral.
Kadish e colaboradores12, numa revisão de 17 pacientes, propôs um sistema de classificação para estadiamento (Tabela 2). Em nossa série, quatro pacientes foram classificados como em estádio C e dois como grupo B. Dois dos pacientes incluídos no grupo C foram diagnosticados tardiamente, com várias metástases. Um paciente faleceu um ano após o diagnóstico e outro paciente está vivo, mas com metãstases no pulmão e pescoço. Outro caso faleceu após apresentar melanoma extenso, mas não houve sinais de recidiva do estesioneuroblastoma.
Os outros três casos (dois no grupo C e um no grupo B) têm acompanhamento de cinco anos, pelo menos, sem sinais de recidiva (Tabela 1). Dois destes pacientes foram tratados com cirurgia, radioterapia e quimioterapia (Figuras 1 e 2). O uso de novos protocolos e novos quimioterápicos têm sido promissores na abordagem terapêutica destes pacientes 10.
Concluindo, o estesioneuroblastoma é um tumor maligno que não tem protocolo terapêutico bem estabelecido. O quadro clínico é vago e o diagnóstico é muitas vezes tardio. A alta taxa de mortalidade sugere que uma abordagem agressiva deve ser tomada. Novos protocolos de quimioterapia têm emergido e podem ter papel relevante no tratamento destes pacientes.
TABELA 2 - Estadiamento de Kadish.
GRUPO A - Tumor confinado a fossa nasal
GRUPO B - Tumor estendendo aos seios paranasais
GRUPO C - Tumor com extensão além do nariz e seios paranasais
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* Médico Assistente e Pós-Graduando do Departamento de Otorrinolaringologia do HC-FMUSP.
** Pós-Graduando do Departamento de Otorrinolaringologia do HC-FMUSP.
*** Professor e Médico Assistente do Departamento de Otorrinolaringologia do HC-FMUSP.
Trabalho realizado pelo Departamento de Otorrinolaringologia do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. Trabalho apresentado (pôster) no XVI Congresso Mundial de Otorrinolaringologia e Cirurgia de Cabeça e Pescoço, em março de 1997, em Sidney - Austrália. Endereço para correspondência: Dr. Richard Voegels - Rua Dr. Enéas de Carvalho Aguiar, 255 - 64 andar - sala 6002 - 05403-000 São Paulo /SP - Telefax: (011)280-0299. Artigo recebido em 26 de junho de 1998. Artigo aceito em 13 de outubro de 1998.