Trabalho Clínico
Petrosectomia subtotal no tratamento de fístulas otoliquóricas
Subtotal petrosectomy for fistula otoliquorrhea
Autores:
André Luiz de Ataíde (Médico Otorrinolaringologista da Santa Casa da Misericórdia de Curitiba ) Médico Otorrinolaringologista da Santa Casa da Misericórdia de Curitiba
Ugo Fisch (Honorary Doctor of the University of Liège (Belgium), Honorary Fellow of the American College; of Surgeons, Royal College of Surgeons of England and the Royal Society of Medicine in London) Honorary Doctor of the University of Liège (Belgium), Honorary Fellow of the American College; of Surgeons, Royal College of Surgeons of England and the Royal Society of Medicine in London
Danielle Salvati Campos (Médica Otorrinolaringologista) Médica Otorrinolaringologista
Scheila Maria Gambeta Sass (Médica residente do serviço de Otorrinolaringologia da Santa Casa de Misericórdia de Curitiba) Médica residente do serviço de Otorrinolaringologia da Santa Casa de Misericórdia de Curitiba
Priscila Ferraz de Mello (Médica residente do serviço de Otorrinolaringologia da Santa Casa de Misericórdia de Curitiba ) Médica residente do serviço de Otorrinolaringologia da Santa Casa de Misericórdia de Curitiba
Yasser Jebahi (MédicoOtorrinolaringologista ) Médico Otorrinolaringologista
Palavras-Chave
petrosectomia subtotal, displasia de Mondini, fístula otoliquórica
Resumo
Subtotal petrosectomia como tratamento para fístulo otoliquórica é apresentado. Exclusão total da orelha média e tratos celulares da mastóide, esqueletização do segio sigmóide, bulbo da jugular e nervo facial, brocagem dos canais semicirculares, vestíbulo e cóclea e esqueletização do canal auditivo interno, seguido de obliteração são os passos principais dete acesso cirúrgico.
Keywords
subtotal petrosectomy, Mondini malformation, fistula otoliquorrhea
Abstract
Subtotal petrosectomy as a treatment for persistent cerebrospinal fluid (CSF) otorhinorrhoea is presented. Total exenteration of middle ear and mastoid cell tracts, skeletonization of sigmoid sinus, jugular bulb and facial nerve, drilling out of semicircular canals, vestibule, and cochlea, and skeletonization of the internal auditory canal, followed by obliteration, are the main steps of this approach.
Instituição: Serviço de Otorrinolaringologia e Cirurgia Cérvico-Facial da Santa Casa de Misericórdia de Curitiba Otology and Skull Base Surgery at the ORL-Center of the Klinik Hirslanden, Zurich Fisch International Microsurgery Foundation
Suporte Financeiro:
Introdução
A fístula de líquido cefalorraquidiano (LCR) é uma comunicação anormal entre o espaço subaracnóide e o trato respiratório superior ou a pele estando quase sempre associado a meningites se não tratado cirurgicamente. (2, 6, 8, 11)
A otoliquorréia pode ocorrer através de defeitos do osso temporal como resultado de um trauma cirúrgico, neoplasia, colesteatoma extenso ou mastoidite crônica e raramente malformações congênitas. O diagnóstico é feito clinicamente em um paciente que apresenta otorréia límpido ou rinorréia paradoxal com história de meningites recorrentes. Na rinorréia paradoxal, a tuba auditiva promove a via de saída do LCR da orelha média para a cavidade nasal. (
Os sítios mais comuns de fístula do osso temporal são o segmen tympani e mastoideo. (9)
Fístula de LCR espontâneos são raramente vistas na prática clínica. 2 grupos diferentes de pacientes podem apresentar otoliquorréia espontânea. Crianças com malformações do osso temporal e adultos que apresentam efusão de orelha média. (11)
Otoliquorréia congênita é rara e frequentemente subdiagnosticada. O primeiro sinal é geralmente a presença de meningites de repetição em uma criança com perda auditiva neurossensorial profunda preexistente. A criança geralmente apresenta defeito no osso temporal como a displasia de Mondini. (
O objetivo do tratamento das fístulas é minimizar o risco de infecção intracraniana. A petrosectomia subtotal tem sido advogada para manejo das fístulas de LCR originadas do osso temporal. A técnica, originalmente desenvolvido por Fish em 1970, foi primeiramente descrita como tratamento para otoliquorréia em 1986 por Cocker. (11, 12, 13)
Objetivo
Discutir a aplicação da técnica cirúrgica da petrosectomia subtotal como tratamento das fístulas otoliquóricas.
Método
Petrosectomia subtotal
A petrosectomia subtotal foi desenvolvida como a porta segura e eficaz para acesso à base do crânio e fossa craniana através do osso temporal.
Corresponde à exclusão e obliteração de todos os espaços pneumatizados acessíveis do osso temporal com preservação da cápsula ótica, do nervo facial e de uma fina camada de osso sobre a artéria carótida, fossa craniana média e posterior.
Os dados completos da técnica estão descritos em outra fonte (4). Os princípios da técnica e detalhes relevantes são os que seguem.
Inicialmente realiza-se uma incisão retroauricular em forma de "S" desde a região temporal até a ponta da mastóide. Em seguida é confeccionado um retalho de periósteo da mastóide pediculado anteriormente, o qual é dissecado até a união ósseo-cartilaginosa do conduto auditivo externo (CAE), seccionando neste nível. Após isso, o CAE é fechado em "fundo cego". É realizado exenteração do ouvido médio e dos tratos celulares da mastóide, com remoção de toda a mucosa e brocagem da mastóide. É deixado uma fina camada de osso sobre a artéria carótida e a dura-máter da fossa média e posterior. Segue-se à esqueletização do seio sigmóide, bulbo da jugular e nervo facial (desde o forame estilomastóide até sua entrada no conduto auditivo interno). O canal semicircular, vestíbulo e cóclea são completamente brocados e o CAI é esqueletizado. A bigorna e a cabeça do martelo são retirados bem como o arco do estribo para evitar luxação inadvertida da platina do estribo.
Segue-se, então, à obliteração da trompa de Eustáquio com cera óssea e fechamento do orifício com músculo e fáscia do músculo temporal fixados com cola de fibrina. Finalmente, procede-se à obliteração da cavidade cirúrgica com enxerto livre de gordura abdominal (proveniente da região do quadrante abdominal inferior esquerdo) e transposição de músculo temporal para sutura com o músculo esternocleidomastóide.
Resultados
Caso 1
Paciente masculino de 9 anos de idade, natural e procedente de Salvador, Bahia, com quadros de meningites de repetição, todos por pneumococo, associado a rinoliquorréia. O paciente havia sido avaliado em outro serviço com indicação de cirurgia endoscópica nasal para correção da fístula liquórica, tendo o procedimento abortado por verificar-se que o líquor era oriundo da tuba auditiva, ou seja, uma fístula liquórica do osso temporal direito por malformação do ouvido interno (pseudodisplasia de Mondini). Em seguida, foi encaminhado para outro serviço para correção do defeito, onde foi submetido a 3 cirurgias otológicas. A primeira uma timpanotomia exploradora após o qual passou a apresentar otoliquorréia. Em seguida, foram realizados 2 mastoidectomias com fechamento da tuba com cera óssea e fechamento da fístula com músculo temporal, cessando a drenagem de líquor, mas não as meningites.
Após esses procedimentos cirúrgicos, o paciente ainda apresentou mais quatro episódios de meningite, totalizando 20 episódios desde os 2 anos de idade.
Em junho de 2006, chegou ao nosso serviço de otorrinolaringologia com avaliação auditiva mostrando anacusia em ouvido direito e audição normal em ouvido esquerdo. Foi, então, indicado petrosectomia subtotal com sucesso no fechamento da fístula. Com quase um ano de follow-up, o paciente não apresentou mais nenhum episódio de meningite, além de ter sido liberado para banhos, mergulho, esportes e vôos de avião, sem queixas ou sintomas.
Caso 2
Paciente masculino de 27 anos de idade com história de otorréia contínua à esquerda de longa data, aproximadamente 7 anos, associada a hipoacusia.
Há 4 anos refere aparecimento de lesão em região retroauricular esquerda com saída de secreção amarelada e eventualmente com estrias de sangue, chegando a ser submetido a procedimento cirúrgico para exérese de um possível furúnculo, sem sucesso.
Há um ano e meio, iniciou com vertigem diárias por um período de 3 meses, seguido por um episódio de vertigem mensal com duração de um dia e meio, associado a tinitus eventual e cefaléia hemicraniana esquerda intensa intermitente e otalgia à esquerda.
O exame físico apresentava fístula em pele retroauricular, deformidade do pavilhão auricular esquerdo, com estreitamento do conduto auditivo externo ósseo e cartilaginoso, otorréia abundante com perfuração total da membrana timpânica e lamelas. Audiometria revelava anacusia à esquerda e a tomografia computadorizada da mastóide revelava erosão do tegmen tympani e dos ossículos da orelha média. O diagnóstico de colesteatoma com fístula otoliquórica foi firmado e o paciente foi submetido a petrosectomia subtotal. Durante o procedimento cirúrgico, foi encontrado erosão do tegmen tympani com procedência extensa da dura-máter da fossa média e fossa posterior, erosão do canal semicircular lateral e superior, trombose do seio sigmóide e deiscência do segmento timpânico e mastoideo do nervo facial. Os ossículos encontravam-se corroídos (martelo, bigorna e crura do estribo). A fístula foi fechada com enxerto de fáscia temporal, a tuba auditiva foi obliterada com cera óssea e a cavidade timpanomastoidea foi preenchida com tecido adiposo proveniente do abdômen e o canal auditivo externo foi fechado em fundo cego. O paciente foi liberado para casa no quinto dia pós-operatório e mantém-se bem, sem otoliquorréia ou outras queixas.
Discussão
Deformidades congênitas do osso temporal podem levar a uma comunicação fistulosa entre o espaço subaracnoide e a orelha média com drenagem de LCR levando à otorréia ou rinorréia (fístula paradoxal) de LCR e conseqüentemente meningites de repetição por microorganismos oriundos principalmente da via área superior (S. pneumoniae é o patógeno mais freqüente). A otoliquorréia por defeitos congênitos é rara e frequentemente subdiagnosticada pelo fato de ser sutil e intermitente. O paciente do caso 1 apresentava uma malformação congênita do ouvido interno chamada de displasia de Mondini. Esta malformação é a segunda causa mais freqüente de surdez congênita e foi descrita originalmente por Carlo Mondini em
O paciente do segundo caso apresentou uma fístula decorrente de um colesteatoma, mas sem nenhum episódio de meningite. O procedimento seguro mais efetivo nestes casos é a petrosectomia subtotal, que promove o fechamento do defeito do osso temporal e elimina o problema da cavidade mastóide aberta.
A petrosectomia subtotal é a exclusão completa de todos os tratos celulares pneumáticos do osso temporal. Ao final do procedimento, só restarão a cápsula ótica, uma fina camada de osso cortical que cobre a dura-máter e poucos remanescentes de células suprameatais e apicais mediais à cápsula ótica. Quando é necessário, pode-se excluir também a cápsula ótica, o canal auditivo interno e todos os tratos celulares preservando somente o osso ao redor do poro acústico.
A petrosectomia subtotal é indicada como procedimento isolado para tratamento de fístula de LCR pós-traumática, pós-operatória, por colesteatoma, tumores ou espontâneas ou como opção de fechamento permanente da cavidade mastóidea em infecções crônicas do ouvido médio quando não há possibilidade de restabelecer a audição.
A obliteração da cavidade permite ao paciente uma orelha que não comumentemente necessite de cuidados por longa data e a prática da natação é permitida.
O uso de material autólogo (gordura abdominal) e rotação de retalho de músculo fornece o melhor resultado cosmético e com maior resistência a infecções.
Conclusão
A petrosectomia subtotal é uma técnica cirúrgica segura e eficaz para a correção de fístulas otoliquóricas. O mais importante é a proteção das estruturas nobres alcançada pela obliteração da cavidade que protege contra injúrias iatrogênicas e fecha a porta de contaminação entre o meio ambiente e o osso temporal.
Referências Bibliográficas
Figura 1
Lesão expansiva com remodelamento ósseo na mastóide esquerda, com reabsorção da cadeia ossicular e canais semi-circulares, erosão do tegmen tympane com extensão intra-craniana