ABORLccfRevista Brasileira de Otorrinolaringologia

Trabalho Clínico

Perfil clínico, metabólico e audiológico de pacientes com síndromes cocleovestibulares e avaliação de hiperinsulinismo através do Homeostatic Model Assessment (HOMA)
Clinical, metabolic and audiologic profile of patients with cochleovestibular disorders and hyperinsulinemia investigation with the Homeostatic Model Assessment (HOMA)

Autores:

Celso Dall’Igna (Professor do Departamento de Otorrinolaringologia e Oftalmologia da Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Rio Grande do Sul) Chefe do Serviço de Otorrinolaringologia do Hospital de Clínicas de Porto Alegre

Letícia Petersen Schmidt Rosito (Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Ciências Médicas: Cirurgia da Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Rio Grande do Sul) Fellow em Otologia do Serviço de Otorrinolaringologia do Hospital de Clínicas de Porto Alegre

Raphaella de Oliveira Migliavacca (Doutoranda (Estudante de Sexto Ano)) Doutoranda

Camila Degen Meotti (Acadêmicos de Medicina da Universidade Federal do Rio Grande do Sul) Acadêmicos

Rogério Friedman (Professor do Departamento de Medicina Interna da Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Rio Grande do Sul) Professor do Departamento de Medicina Interna da Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Rio Grande do Sul

Palavras-Chave
Kraft, HOMA IR, HOMA beta, orelha interna

Resumo
Introdução: A curva glicoinsulinêmica de 5 horas com 100 g de glicose desenvolvida por Kraf tem sido preconizada com padrão ouro no diagnóstico de hiperinsulinismo nas síndromes cocleovestibulares. É, no entanto, um teste muito trabalhoso e desconfortável para o paciente. Objetivo: Identificar o perfil clínico, metabólico e audiológico de pacientes com síndromes cocleovestiobulares em investigação para hiperinsulinismo e correlacionar o HOMA IR e HOMA beta com os critérios propostos por Kraft, determinando a sensibilidade e especificidade destes testes. Métodos: Foram revisados 131 prontuários de pacientes submetidos a curva glico-insulinêmica por desordens cocleovestibulares e suspeita de etiologia metabólica. Foram determinadas a correlação entre os testes pelo coeficiente de Spermann, a sensibilidade e especificidade pela curva ROC e a concordância entre os testes pelo teste Kappa, através do programa SPSS. Resultados: Houve uma correlação forte e positiva entre os testes HOMA IR e HOMA beta e a soma das insulinemias aos 120 e 180 minutos (r=0,68 e r=0,73, repectivamente) As sensibilidades e especificidades do HOMA IR e do HOMA beta foram 78% e 77% , 81% e 77% respectivamente. A concordância entre os testes foi moderada. Conclusão: O HOMA IR e o HOMA beta possuem boas sensibilidade e especificidade, além de serem muito mais fácies de realizar, podendo ser uma boa opção no diagnóstico de hiperinsulinemia.

Keywords
Kraft, HOMA IR, HOMA beta, inner ear

Abstract
Introduction: The 5 hours glucoinsulinemic curve with 100g of glucose developed by Kraft is been recognized as the gold standard in the hyperinsulinemia diagnosis in the cochleovestibular disorders. It is, actually, a very difficult e uncomfortable test for the patient. Objective: To correlate new measures of insulin resistance and hyperinsulinemia (HOMA IR and HOMA beta) with the criteria proposed by Kraft and to determine the sensibility and specificity of these tests. Methods: There were studied 140 patients submitted to a glucoinsulinemic curve because cocheovestibular disorders ant metabolic etiology suspect. There were determined the correlation between these tests by Spermann coefficient, the sensibility and specificity by ROC curve and the agreement between these tests by Kappa test. We utilized SPSS program. Results: There was a strong and positive correlation between HOMA IR and HOMA beta and the sum of 120 and 180 minutes insulinemias (r=0,68 e r=0,73, respectively). The sensibilities and specificities of HOMA IR and HOMA beta were 78% and 77% , 81% and 77% respectively. The agreement between the tests was moderate. Conclusion: The HOMA IR and the HOMA beta have good sensibilities and specifities, besides are very much easier to perform, and can be a good option in the hiperinsulinemia diagnosis.

 

Instituição: Hospital de Clínicas de Porto Alegre

Suporte Financeiro:

INTRODUÇÃO

 

As alterações no metabolismo da glicose há muito vêm sido implicadas em alguns quadros de vestibulopatia periférica e sintomas associados, tais como zumbido e hipoacusia (1,2). Kraft, em 1975,(3) em um estudo que abrangeu 3060 pacientes, conclui que a glicemia de jejum tinha pouco valor na detecção destes casos e propôs a curva glico-insulinêmica de 5 horas com carga de 100g de glicose. O uso desta curva no diagnóstico de alterações vestibulares atribuíveis a desordens no metabolismo dos carboidratos têm sido preconizado, desde então, pelos otorrinolaringologistas, como método de escolha na detecção destas alterações (3).

Kraft (2,3) definiu critérios, baseado na curva insulinêmica, para a detecção do que ele determinou "diabetes oculto" ou "diabetes in situ", valorizando, principalmente o hiperinsulinismo, podendo estar associado ou não à hipoglicemia.

Outros trabalhos foram publicados posteriormente demostrando resultados favoráveis na remissão total ou parcial de tonturas, zumbido e hipoacusia obtidos através do uso de dieta específica, apesar de terem algumas falhas metodológicas, como ausência de grupo controle (1,2).

Correndo paralelamente á otoneurologia, a endocrinologia tem avançado na busca de potenciais preditores da diabetes mellitus tipo 2 através de trabalhos bem delineados. Haffner e colaboradores (5), em 1997, validaram um método para ser utilizado em estudos populacionais para a determinação da resistência à insulina (HOMA IR) e funcionamento das células beta (HOMA beta) através da utilização da glicemia e insulinemia de jejum. O que permanece em discussão é se os critérios utilizados por Kraft se correlacionam com os métodos atuais para a detecção de resistência à insulina e hiperinsulinismo.

O objetivo do nosso trabalho é analisar o perfil clínico, metabólico e audiológico de pacientes com síndromes cocleovestiobulares em investigação para hiperinsulinismo e correlacionar o HOMA IR e HOMA beta com insulina aos 120 e 180 minutos da curva de 5 horas, bem como determinar o ponto de corte, sensibilidade e especificidade dos parâmetros em comparação ao "padrão-ouro".

 

METODO

Foram revisados 131 prontuários de pacientes atendidos no Serviço de Otorrinolaringologia do HCPA com alterações de orelha interna, vertigem, surdez e/ou zumbido, e suspeita de etiologia metabólica que foram submetidos a curvas glico-insulinêmicas de 5 horas com 100 g de glicose.

Foram calculados o  HOMA IR e a soma das insulinas aos 120 e 180 minutos.

O cálculo do HOMA IR foi feito através da seguinte fórmula (5):

Insulina de jejum (:U/ mL) X glicose de jejum (mmol/L)

22,5

 

O cálculo do HOMA beta será feito através da seguinte fórmula (5):

    20   X    insulina de jejum (:U/ mL)

glicemia de jejum (mmol/L) - 3,5    

 

 

Para possibilitar estes cálculos, o valor da glicemia de jejum, que em nosso laboratório é calculada em mg/dL foi convertida para o Sistema Internacional de Unidades, ou seja, para mmol/L através da divisão do valor inicial por 18.

Para verificar a correlação entre os resultados, como eles não tinham uma distribuição normal, foi utilizado teste de correlação de Spermann entre o resultado da soma da insulina aos 120 e 180 minutos da curva de 5 horas e os valores do HOMA IR  e HOMA beta.

Para determinar a melhor ponto de corte do HOMA IR e HOMA beta, com maior sensibilidade e especificidade foi realizada a curva ROC. Para verificar a concordância entre os dois testes foi realizado o teste Kappa.

 

RESULTADOS

Até junho de 2005, haviam sido realizadas 141 curvas glico-insulinêmicas de 5 horas com 100 g de glicose em 131 pacientes no Hospital de Clínicas de Porto Alegre (10 pacientes tiveram seu exame repetido uma vez). Foram incluídos no presente estudo, assim, os 131 pacientes que realizaram o exame.

A média de idade dos pacientes na realização da curva glico-insulinêmica foi de 51,48 ± 15 anos, sendo a idade mínima igual a onze anos e a máxima correspondente a 82 anos.

Quase 68% dos pacientes tinham queixa de hipoacusia. Destes, 27% apresentavam hipoacusia de caráter estável, 38,1% queixavam-se de hipoacusia progressiva e até 34,9% dos pacientes referiam perda de audição flutuante. Mais de 44% dos pacientes com queixa de perda de audição, referiam perda bilateral e simétrica, 34,2% referiam perda bilateral e assimétrica e 21,1% dos pacientes queixavam-se de surdez unilateral.

Dos pacientes que realizaram investigação de hiperinsulinismo, 74,2% referiam zumbidos. Destes, 47,6% referiam zumbido unilateral e 52,4%, bilateral.

 Mais de 80% dos pacientes analisados referiam tonturas, sendo 72,2% dos casos considerados vertigem, 7,2% sensação de flutuação, 3,1% sensação de síncope e os demais não foram especificados na consulta.

Analisando os sintomas cocleovestibulares (hipoacusia, zumbidos, tonturas) em conjunto, se verificou que 80,2% dos pacientes apresentavam dois ou mais sintomas relacionados com a orelha interna. Já 12,7% dos pacientes apresentavam tontura isolada, 2,4% zumbido isolado e 4,8% apenas referiam hipoacusia.

Até 4,6% dos pacientes estudados sabiam-se portadores de diabete mellitus quando questionados. Setenta e quatro pacientes foram questionados a respeito de história familiar de diabetes, sendo que 23% deles tinha história familiar positiva.

Trinta dos 131 pacientes estudados receberam ou já tinham diagnóstico de Doença ou Síndrome de Meniére. Os demais receberam outros diagnósticos, como presbiacusia ou vertigem posicional paroxística benigna, ou ainda não apresentaram diagnóstico definido.

Dentre os valores metabólicos obtidos, verificou-se uma média de glicemia de jejum de 99,65 ± 26,0 mg/dL (ou 5,53 ± 1,44 mmol/L) e de glicemia em 120 minutos após ingestão de glicose de 134,23 ± 76,5 mg/dL nos pacientes estudados.

Dos 131 pacientes estudados, 73,8%% tinham diagnóstico de hiperinsulinemia segundo os critérios de Kraft soma das insulinemais aos 120 e 180 minutos maior que 60).

Observou-se uma correlação forte e direta entre a soma da insulina aos 120 e 180 minutos e o HOMA IR através da correlação de Spermann, sendo r = 0,69 (p<0,001) (figura 1) e entre a soma das insulinas e HOMA beta, sendo r =0,74(p<0,001) figura 2).


Figura 1: Correlação linear entre HOMA IR e soma das insulinemias aos 120 e 180 minutos.

 

Figura 2: Correlação linear entre HOMA beta e soma das insulinemias aos 120 e 180 minutos.


 

O HOMA IR, utilizando-se um ponto de corte de 1,8, apresenta sensibilidade de ___ e especificidade de ____.  O teste Kappa demonstrou uma  concordância moderada de ____ entre os testes.

Já o HOMA beta, utilizando o ponto de corte de ____, apresenta sensibilidade de ____ e especificidade de ___. O teste Kappa também demonstrou concordância moderada porém maior, de ____.

Quando avaliamos os dois testes em conjunto e considerando apenas um dos HOMA alterados como resultado positivo, aumentamos para ____% a sensibilidade para hiperinsulinemia, sem alteração significativa na especificidade (____). A concordância entre a combinação do resultados dos dois testes com o resultado da soma das insulinemias de Kraft fica maior, em torno de ____%.

 

DISCUSSÃO

 

Amplamente utilizada em nosso meio, a curva glico-insulinêmica de 5 horas após sobrecarga de glicose é o método considerado "padrão-ouro" para o diagnóstico de hiperinsulinemia (1-3).

Um dos muitos inconvenientes deste exame é a necessidade de 5 horas para a sua realização, após 12 a 14 horas de jejum, com restrição da ingesta calórica durante a realização do teste (1,2). Isto torna o exame trabalhoso do ponto de vista metodológico e incômodo para os pacientes, que precisam dispor de tempo e paciência para a sua realização.

A endocrinologia, por outro lado, avança nos métodos diagnósticos para hiperinsulinismo e resistência a insulina, desenvolvendo novos testes para sua avaliação (5,6). O HOMA IR é um modelo criado recentemente para determinar hiperinsulinemia e resistência a insulina, utilizado pelos endocrinologistas em estudos populacionais. Apesar de não ter um ponto de corte determinado, o HOMA é de fácil realização, necessitando apenas da insulinemia e glicemia de jejum para o seu cálculo (5 ).

Nosso estudo demonstrou que há uma correlação forte entre o HOMA IR e o HOMA beta e a soma das insulinemias aos 120 e 160 preconizada por Kraft e defendida por vários pesquisadores brasileiros. Ambos HOMA apresentam boa sensibilidade para detecção de hiperinsulinemia em nossos pacientes, que torna-se ainda maior quando utilizados em conjunto. Também apresentam uma boa especificidade e uma concordância moderada com o método considerado "padrão-ouro".

 

Conclusão

Apesar de apresentarem concordância moderada com a soma das insulinemias de Kraft, o HOMA IR e o HOMA beta podem ser uma opção mais factível e menos trabalhosa para o diagnóstico de hiperinsulinemia em pacientes com síndromes cocleovestibulares e suspeita de hiperinsulinismo. Ambos apresentam boas sensibilidade e especificidade, com a grande vantagem.  requerem apenas uma coleta sangüínea após jejum de 12 horas.

 

BIBLIOGRAFIA

 

1.      Caovilla HH, Ganança MM, Munhoz MS et al. Síndromes cocleovestibulares  e hiperinsulinismo. RBM, 2:90-98, 1994.

2.      Albernaz PLM, Fukuda Y. Glucose, insulin and Inner Ear Pathology. Acta Otolaryngol (Stockh), 97: 496-501, 1984.

3.      Kraft, JR. Detection of diabetes mellitus in situ. Lab Med 6, 10-22, 1975.

4.      Robbins D, Andersen L, Bowsher R et al. Report of the American Diabetes Associatio's Task Force on Standardization of the Insulin Assay. Diabetes, 45(2): 242-256, 1996.

5.      Haffner S, Miettinen H, Stern M. The Homeostasis Model in the San Antonio Heart Study. Diabetes Care, 20 (7): 1087-1092, 1997.

6.      Weyer C, Hanson RL, Tataranni PA, Bogardus C, Pratley RE. A high fasting plasma insulin concntration predicts type 2 diabetes independent of insulin resistance: evidence for a pathogenic role of relative hyperinsulinemia. Diabetes 49: 2094-2101, 2000.

 

 

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