ABORLccfRevista Brasileira de Otorrinolaringologia

Trabalho Clínico

Linfonodo Sentinela em Câncer de Boca: Semelhanças Técnicas com o Melanoma de Cabeça e Pescoço
Sentinel Lymph Node in Oral Cancer: The Technical Likeness with head and neck melanoma

Autores:

Roberto Miquelino de Oliveira Beck (Médico-Residente) Médico-Residente do Departamento de Otorrinolaringologia da Irmandade de Misericórdia de Campinas - Hosp. Irmãos Penteado

José Higino Steck (Especialista em Cirurgia de Cabeça e Pescoço) Especialista em Cirurgia de Cabeça e Pescoço. Coordenador do Centro de Atenção integral em Oncolagia (CAIO) do Hospital Municipal Dr.Mário Gatti (HMMG)- Campinas, SP.

Rogério B. Ferramola (Especialista em Cirurgia de Cabeça e Pescoço) Cirurgião de Cabeça e Pescoço do Hospital Municipal Dr. Mário Gatti (HMMG) Hospital Municipal Dr. Mário Gatti (HMMG).

Lilian Fraianella (Especialista em Cirurgia de Cabeça e Pescoço) Cirurgião de Cabeça e Pescoço da Clínica de Oncolagia Cirurgica e Cabeça e Pescoço(ONCCAPE) Cirurgião de Cabeça e Pescoço do Hospital Municipal Dr. Mário Gatti (HMMG) Hospital Municipal Dr. Mário Gatti (HMMG).

Antonio Lemos Gomes Souza (Especialista em Cirurgia de Cabeça e Pescoço) Cirurgião de Cabeça e Pescoço da Clínica de Oncolagia Cirurgica e Cabeça e Pescoço(ONCCAPE)

Palavras-Chave
câncer de boca, linfonodo sentinela, esvaziamento cervical

Resumo
Introdução: A presença de metástases linfáticas em câncer (Ca) de boca é um dos principais fatores prognósticos da doença. O uso do linfonodo sentinela para estadiamento em Ca de boca é experimental. Objetivo: Aplicação do LNS em Ca de boca através de protocolo semelhante ao utilizado em melanoma cutâneo de cabeça e pescoço. Pacientes e Método: Análise - 63 casos de mapeamento de LNS em tumores primários de cabeça e pescoço. Pacientes com Ca de cavidade oral eram clinicamente N0 e foram submetidos à linfocintilografia pré-operatória, uso intra-operatório do azul patente e gamma probe. Após, todos foram submetidos a esvaziamento cervical seletivo. O LNS foi enviado para estudo anátomo-patológico e, quando negativos, submetidos a imunoistoquímíco. Resultados: O local mais freqüente do tumor primário foi a língua (50%), o estadiamento mais frequente foi T2 (40%). A eficácia em localizar o LNS foi de 95%. O LNS foi positivo para micrometástases em 4 pacientes (20%), sendo 1 deles positivo apenas no exame imunoistoquímico. Só o paciente com T4 apresentou metástase linfonodal no esvaziamento cervical com LNS negativo. Conclusão: A experiência do Serviço com LNS de melanoma de cabeça e pescoço contribuiu para abreviar a curva de aprendizado da pesquisa no Ca de boca, com eficácia de 95%. O uso do azul patente em conjunto com o gamma probe contribuiu para a eficácia. A possibilidade de falso negativo em pacientes com tumor primário T4 pode constituir contra-indicação para o método, necessitando mais estudos.

Keywords
oral cancer, seninel lymph node, neck dissection

Abstract
Introduction: The lymphatic metastases are one of the most valuable prognostic factors in the oral cancer. The sentinel lymph node mapping (SLNM). Its use in oral and oropharingeal cancer is experimental up to now. Aim: To study the SLNM application in oral cancer in a protocol similar to cutaneous melanoma's. Patients and Methods: From a data bank of 63 patients undergoing SLNM for head and neck primary tumours. All oral cancer patients were clinically stage as NO. They underwent preoperative lymphoscintigraphy, intraoperative employment of blue dye and gamma probe, and elective neck dissection after the SLNM. Histopathological study with serial sections and imunohistochemistry were performed in the SLN in case of negativity micrometastases. Results: The mean age was 60.2, with 17 men.The most frequent primary site was the tongue (50%). T2 tumors were 40%; The efficacy in localizing the SLN was 95%. The number of cervical levels involved varied from 1 to 3. The SLN was positive in 4 patients (20%), whereas it was positive only on the the imunohistochemical examination in 1 of them. Only the T4 patient was false negative, with nodal metastases in the Iymphadenectomy specimen and negative SLN. Conclusion: The experience with SLNM in head and neck cutaneous melanoma probably contributed to abbreviate the learning curve of the SLNM in oral cancer, with efficacy of 95% in localizing the SLN and the use of blue dye and gamma probe, too. The false negative in the T4 patient indicates that it is probably a contraindication to the method.

 

Instituição: Hospital Municipal Mario Gatti - Campinas Irmandade de Misericórdia de Campinas - Hospital Irmãos Penteado

Suporte Financeiro:

INTRODUÇÃO

 

      A presença de metástases linfáticas em câncer de boca é um dos principais fatores prognósticos da doença. O mapeamento do linfonodo sentinela (LNS) tem-se mostrado muito eficaz para o estadiamento patológico em pacientes com melanoma e câncer de mama, por permitir um exame mais acurado do linfonodo pelo patologista. Seu uso para

estadiamento em câncer de boca ainda é experimental. Esse trabalho tem por objetivo estudar a aplicação do LNS em câncer de boca em um protocolo semelhante ao utilizado em melanoma cutâneo de cabeça e pescoço.

 

PACIENTES E MÉTODO

 

      Foi realizada análise de um banco de dados de 63 casos de mapeamento de linfonodo sentinela em tumores primários de cabeça e pescoço. Desses, 42 eram melanoma, havia um tumor de Merkel e 20 casos de carcinoma espinocelular de cavidade oral, objetivo deste estudo. Todos os pacientes com carcinoma de cavidade oral eram clinicamente estadiados como NO e foram submetidos, segundo o protocolo, a linfocintilografia pré-operatória e uso intra-operatório de azul patente e gamma probe. Após a pesquisa do linfonodo sentinela, todos foram submetidos a esvaziamento cervical eletivo, sem mudanças no protocolo de tratamento de câncer de boca do Serviço. O linfonodo sentinela foi enviado, então, para estudo anátomo-patológico, com cortes seriados e, quando negativos, submetidos a estudo imunoistoquímico.

 

RESULTADOS

 

      A idade média dos pacientes foi de 60 anos (variando de 44 a 74), sendo que 17 (85%) eram do gênero masculino. O local mais freqüente do tumor primário foi a língua (50%). Os tumores foram estadiados clinicamente em T1 (sete pacientes - 35%), T2 (oito pacientes - 40%), T3 (quatro pacientes - 20%) e T4 (um paciente - 5%). Em relação à espessura do tumor primário, observou-se variação entre 0,2 e 3cm (média de O,9cm). Em apenas dois casos houve necessidade de ressecção do tumor primário antes da pesquisa do linfonodo sentinela. Em 19 pacientes, foi encontrado pelo menos um LNS, com variação de um a cinco (média de 2,4). O número de níveis do pescoço com LNS detectados variou de um a três (media de 1,6).

      A eficácia em localizar o LNS com azul patente isolado foi de 82%, do gamma probe, de 88% e dos dois juntos, de 95%. O LNS foi positivo para micrometástases em quatro pacientes (20%), sendo que em um deles, apenas ao exame imunoistoquímico. Apenas um paciente apresentou metástase linfonodal no esvaziamento cervical, mesmo tendo LNS negativo (falso-negativo) e este era o que apresentava tumor primário extenso (T4).

 

DISCUSSÃO

 

      O câncer primário da boca é um dos mais freqüentes em cabeça e pescoço. Representa cerca de 4% dos cânceres em homens e cerca de 2% nas mulheres, sendo, no Brasil, uma das maiores incidências do mundo, com 95% dos pacientes com mais de 40 anos. O carcinoma espinocelular de boca pode ter comportamento agressivo, com metástases ipsi e até contra-laterais em 30% dos casos, no momento do diagnóstico2.     Metástases linfonodais ocorrem em cerca de 30% dos casos, muitas vezes, não detectadas clinicamente. Estadiamento da lesão primária, espessura, invasão perineural e invasão óssea são estatisticamente significantes como preditores de metástase cervical. Localização e invasão vascular não são preditores3.

      A dúvida no tratamento ocorre na ausência de metástases clínicas no pescoço (NO), pelo risco de metástases cervicais microscópicas que podem desenvolver-se durante o seguimento. Classicamente, indica-se o esvaziamento eletivo para tumores com risco de metástases linfáticas maior de 20% e esse procedimento acarreta certa morbidade.

      Linfonodo sentinela é definido como o primeiro linfonodo da cadeia de drenagem correspondente que recebe linfa do local onde o tumor está localizado. O advento da biópsia do LNS proporcionou uma abordagem lógica no estadiamento e tratamento de pacientes com tumores sólidos4, além de representar uma técnica minimamente

invasiva para investigação linfonodal desses pacientes, removendo poucos linfonodos5.

      A técnica foi inicialmente usada para o carcinoma de parótida e, depois, de pênis5. Atualmente, é utilizado para avaliação das metástases linfáticas do câncer de mama e

Melanoma5 e vem sendo muito estudado para o carcinoma espinocelular da cavidade oral, no estadiamento do pescoço clinicamente N04. A técnica, inicialmente, era descrita para

auxiliar a ressecção eletiva e, recentemente, vem sendo estudada como ferramenta para estadiamento. Para o melanoma maligno e câncer de mama, a literatura demonstrou que o LNS livre de metátase deve significar cadeia linfonodal sem doença metástatica, com alta acurácia4.

      A técnica descrita deve ser iniciada com a realização de linfocintilografia para localização do linfonodo a ser procurado e para estudar possibilidade de drenagens anômalas. A presença de LNS na linfocintilografia pré-operatória é fator preditivo significativo para o achado intraoperatório do linfonodo radioativo. Após a injeção de corante vital, disseca-se o linfático aferente e o linfonodo corado de azul, com o auxílio de um probe manual de raios gamma. O LNS é, então, ressecado e enviado para estudo anátomopatológico, com cortes seriados para pesquisa de micrometástases. Caso seja negativo ao exame histopatológico com inclusão em parafina, indica-se o estudo com imunoistoquímica. O diagnóstico do LNS é baseado em três pilares: Medicina Nuclear, Cirurgia e Patologia6.

      Foram obtidos 100% de valor preditivo negativo para metástase cervical à avaliação de pacientes com estádio clínico T1 e T2 e pescoço clinicamente NO. Esse resultado permitiria a redução do número de esvaziamentos cervicais eletivos e, conseqüentemente, a morbidade do procedimento para os pacientes7. De acordo com The Second International Conference on Sentinel Node Biopsy in Mucosal Head and Neck Cancer, os requisitos mínimos para obter-se um bom resultado são o uso de radiofármaco, linfocintilografia e gamma probe para mapeamento. Também é mandatório o estadiamento com hematoxilina-eosina e imunoistoquímica nos linfonodos negativos. Os resultados da Conferência mostram valor preditivo negativo de 96% para os linfonodos restantes8. Estudo multicêntrico realizado em 2004 por Ross e cols. concluiu que o LNS pode ser aplicado com sucesso nos tumores de cavidade

oral/orofaringe nos estádio 1 e 29.A casuística estudada em nosso serviço também obteve 100% de eficácia na identificação do LNS com a utilização conjunta de azul patente e gamma probe. A técnica só apresentou um resultado falso-negativo ao esvaziamento cervical naquele paciente que apresentava tumor em estádio clínico T4. Esse resultado foi

semelhante à literatura pesquisada, que mostra excelentes resultados nos tumores em estádio 1 e 2.

      Em relação à faixa etária dos pacientes, a casuística estudada corresponde à literatura, com pacientes com idade média de 60 anos, sendo ainda mais freqüente nos homens em relação às mulheres. A localização de 50% do tumor primário na língua foi semelhante à literatura consultada, sendo T2 a forma mais encontrada2.

 

CONCLUSÃO

 

      A experiência do Serviço com LNS em melanoma de cabeça e pescoço contribuiu para abreviar a curva de aprendizado da pesquisa de LNS em câncer de cavidade oral, com 95% de eficácia para a localização. O uso do azul patente,em conjunto como gamma  probe, também contribuiu para esse resultado. A possibilidade de falso-negativo em pacientes com tumor primário T4 pode constituir contra-indicação para o método, que parece ser um bom método para pacientes com carcinoma de boca em estádiosT1 a T3.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

 

1. Dedivitis RA, França C, Mafra AC, Guimarães F, Guimarães A. Características clínico-epidemiológicas no carcinoma espinocelular de boca e orofaringe. Rev Bras. Otorrinolaringol. 2004; 70 (1):35-40.

2. Sennes LU, Angelico FV, Imamura R. Câncer de Boca. In: Tratado de Otorrinolaringologia. Vol. 4. São Paulo: Roca; 2002. p. 51-62.

3. American Joint Comitee on Cancer. Cancer Staging Manual. 5thed. Philadelphia: Lippincott-Raven; 1997.

4. Ross GL, Soutar DS, Shoaib T. Camilleri IG, MacDonald DG, Robertson AG, Bessent RG, Gray HW. The ability of Iymphoscintigraphy to direct sentinel node biopsy in the clinically NO neck for patients with head and neck squamous cell carcinoma. Br J Radiol.

2002;75(900):950-8.

5. Kell MR, Kerin MJ. Sentinel Iymph node biopsy. BMJ. 2004;328(7452):1330-1. Comment in: BMJ. 2004 Jul 17; 329(7458):170

6. Ross GL, Soutar DS, MacDonald DG, Shoaib T, Camilleri IG, Robertson AG. Improved staging of cervical metastases in clinically node-negative patients with head and neck squamous cell carcinoma. Ann Surg Oncol. 2004; 11(2):213-8.

7. Taylor RJ, Wahl RL, Sharma PK, Bradford CR, Terrell JE, Teknos TN, Heard EM, Wolf GT, Chepeha DB. Sentinel node localization in oral cavity and oropharynx squamous cell cancer. Arch Otolaryngol Head Neck Surg. 2001 ;127(8):970-4.

8. Stoeckli SJ, Pfaltz M, Ross GL, Steinert HC, MacDonald DG, Wittekind C, Soutar DS. The second international conference on sentinel node biopsy in mucosal head and neck cancer. Ann Surg Oncol. 2005; 12(11):919-24

9. Ross GL, Soutar DS, Gordon MacDonald D, Shoaib T, Camilleri I, Roberton AG, Sorensen JA, Thomsen J, Grupe P,Alvarez J, Barbier L, Santamaria J, Poli T, Massarelli O, Sesenna E, KovácsAF, Grünwald F, Barzan L, Sulfaro S, Alberti F. Sentinel node biopsy in head and neck cancer: preliminary results of a multicenter trial. Ann Surg Oncol. 2004; 11(7):690-6. Comment in: Ann Surg Oncol. 2004 Aug;11 (8):725-726.

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