ABORLccfRevista Brasileira de Otorrinolaringologia

Trabalho Clínico

Lipomas em Cirurgia Cérvico-Facial
Lipomas in Head and Neck Surgery

Autores:

João Bosco Botelho (Professor Doutor Livre Docente) Professor da Disciplina Otorrinolaringologia e Cirurgia de Cabeça e Pescoço do Centro Universitário Nilton Lins

Gecildo Soriano dos Anjos (Professor mestre ) Professor da disciplina de Otorrinolaringologia e Cirurgia Cérvico-Facial do Centro Universitário Nilton Lins e orientador da residência em Otorrinolaringologia do Hospital Santa Júlia e Fundação Hospital Adriano Jorge

Álvaro Siqueira da Silva (Professor mestrando ) Professor da disciplina de Otorrinolaringologia e Cirurgia Cérvico-Facial do Centro Universitário Nilton Lins e orientador da residência em Otorrinolaringologia do Hospital Santa Júlia e Fundação Hospital Adriano Jorge.

Givanildo de Pádua Pires (Residente do 3º ano em Otorrinolaringologia do Hospital Santa Júlia) Médico residente

Daniele Memória Ribeiro Ferreira (Residente do 2º ano em Otorrinolaringologia do Hospital Santa Júlia) Médico residente

Fernando Bezerra de Melo e Souza (Residente do 1º ano em Otorrinolaringologia do Hospital Santa Júlia) Médico residente

Marina Motta de Morais (Residente do 1º ano em Otorrinolaringologia da Fundação Hospital Adriano Jorge) Médico residente

Palavras-Chave
Lipoma, Massa cervical, Adipócitos

Resumo
Introdução: O lipoma é o tumor mesenquimatoso benigno mais comum. É mais comum nos ombros, pescoço, tronco e braços, mas pode ocorrer em qualquer lugar do corpo onde há tecido gorduroso. Objetivo: Caracterizar quanto a idade e sexo os pacientes portadores de lipoma cervical atendidos e tratados no período de 1985 e 2005. Desenho científico: Estudo retrospectivo. Material e Métodos: Duzentos e vinte um portadores de lipoma cervical foram atendidos em serviço de Otorrinolaringologia e Cirurgia Cérvico-Facial na cidade de Manaus-AM, entre 1985 e 2005 e divididos conforme idade e sexo. Resultados: O sexo masculino foi discretamente prevalente sobre o feminino, contribuindo com 114 pacientes, o que representa 51,5% dos casos. Houve maior incidência nas faixas etárias 36-45 anos e 46-55 anos. Discussão: Os lipomas apresentam-se geralmente na quinta ou sexta década da vida, e são incomuns nas crianças. Conclusão: São tumores benignos, crescem muito lentamente, e não têm característica de transformação maligna.

Keywords
Lipoma, Neck mass, Adipocyte

Abstract
Introduction: The lipoma is the most common mesenquimatous benign tumor. It's more common in shoulder, neck, trunk and arms, but it can occur in any location of the body where there is fatty tissue. Aim: Characterize, as for age and sex, patients with cervical lipoma attended and treated between 1985 and 2005. Study design: Retrospective study. Material and methods: Two hundreds and twenty-one patients with cervical lipoma were attended at the service of otorhinolaryngology and head and neck surgery at Manaus city-AM, between 1985 and 2005, and divided according to age and sex. Results: The male sex was discreetly prevalent, contributing with 114 patients, what represents 51,5% of the cases. There was bigger incidence at the 36-45 age band and 46-55 age band. Discussion: The lipomas present generally at the fifth and sixth decade of life, and they are uncommon in children. Conclusion: They are benign tumor, grows up very slowly and don't have characteristics of malign transformation.

 

Instituição: Universidade Estadual do Amazonas, Hospital Santa Júlia e Centro Universitário Nilton Lins

Suporte Financeiro:

Introdução

 

O lipoma é um tumor benigno comum de tecido adiposo. Os lipomas são encontrados mais frequentemente no dorso, tórax, pescoço e ombros, mas podem ocorrer quase em qualquer lugar do corpo. Os lipomas podem ocorrer em toda idade, mas são detectados mais frequentemente na meia idade.

Dentre os lipomas encontramos variantes (angiolipoma infiltrante e não infiltrante, lipoblastomas benignos e lipoblastomatose), lipomas heterotrópicos (intramusculares e intermusculares, lipoma do tendão, lipoma da articulação arborecentes, fibrolipomas neurais), lipomatose (doença de Madelung ou síndrome de Launois-Bensaude), hibernoma e lipomas (fibrolipomas, mixolipomas, condrolipoma, osteolipoma, miolipoma).

 

Figura 1 - Lipoma cervical

Os lipomas são os tumores mesenquimatosos benignos mais comuns nos tecidos moles. São compostos por adipócitos. São vascularizados, mas os próprios adipócitos comprimem a rede vascular. Podem conter tecido mesenquimatoso como tecido conectivo fibroso (fibrolipomas), substâncias mucóides (mixolipomas), tecido cartilaginoso ou ósseo (condrolipoma ou osteolipoma) ou músculo liso (miolipomas).

Em relação às variantes de lipomas, o Angiolipoma pode ser infiltrante e não infiltrante. O tipo mais comum é o segundo, se apresenta como nódulo subcutâneo em adultos jovens. O Angiolipoma é um variante comum que tem uma proliferação de pequenos vasos dispersos por toda a gordura. Ao contrário dos lipomas comuns, estes tumores são geralmente dolorosos. Microscopicamente estão compostos por adipocitos separados por uma rede de pequenos vasos. Já o Lipoblastoma benigno e a Lipoblastomatose se apresentam na infância e geralmente afetam extremidades. O Lipoblastoma é uma lesão localizada e bem circunscrita, microscopicamente composta por pequenos lóbulos de lipoblastos em diferentes etapas de desenvolvimento, separados por tecido conectivo e áreas mesenquimais de matriz mucoide. Os Lipomas de células em fuso e pleomórfico se caracterizam pela substituição de células adiposas maduras por células em fuso formadoras de colágeno. Diferenciam-se porque os Lipomas pleomórficos têm células gigantes dispersas e abundante colágeno intersticial. Apresentam-se como massas subcutâneas bem circunscritas no pescoço e ombros em homens maiores de 45 anos. Os Lipomas Heterotrópicos são lipomas intramusculares e intermusculares, que revelam a substituição de tecido muscular por adipócitos. Lipomas do tendão são massas gordurosas sólidas localizadas principalmente no punho e na mão. Enquanto os Lipomas das articulações contêm vilosidades sinoviais hipertróficas distendidas por gordura. Costumam afetar a articulação do joelho e se denominam lipomas arborescentes. Fibrolipomas neurais (harmatoma lipofibromatoso do nervo) tem predileção pelo nervo mediano. Na RM se observam massas heterogêneas com sinal de intensidade mista. O tecido gorduroso se intercala com partes do nervo engrossadas.

A lipomatose se caracteriza pelo crescimento de tecido adiposo maduro com padrão infiltrativo. Quando os depósitos gordurosos são simétricos, principalmente na região do pescoço, é denominada doença de Mandelung ou síndrome de Launois-Bensaude.

O Hibernoma ocorre principalmente em adultos e é mais comum nas regiões periescapular e interescapular, cervical, axilar, intratorácica e retroperitoneal. A RM mostra massas bem ou mal definidas, com densidade intermédia entre o músculo esquelético e a gordura subcutânea, com realce após a administração do contraste.

   

Figura 2 - Lipoma cervical

A etiologia dos lipomas permanece incerta apesar de alguns autores considerarem a hereditariedade e as alterações endócrinas como possíveis causas. Trauma e infecção também já foram propostos agentes etiológicos do lipoma, muito embora nenhum fator tenha sido estabelecido como responsável por seu aparecimento. Entretanto, parecem ser mais comuns em pessoas obesas apesar do seu metabolismo ser completamente independente do metabolismo lipídico corporal normal.

Crescem muito lentamente, e não têm característica de transformação maligna, apesar do liposarcoma maligno se originar também do tecido adiposo.

 

Material e Métodos

 

Duzentos e vinte um (N=221) portadores de lipoma cervical foram atendidos em serviço de Otorrinolaringologia e Cirurgia Cérvico-Facial na cidade de Manaus-AM, entre 1985 e 2005.

Os dados dos pacientes foram obtidos por revisão de prontuários (estudo retrospectivo). Foram observados sexo e idade, dividindo os pacientes por faixas etárias: 1-7 anos, 8-14 anos, 15-25 anos, 26-35 anos, 36-45 anos, 46-55 anos, 56-65 anos, 66-75 anos e 76 ou mais.

Os resultados foram então organizados em gráfico segundo idade e sexo. A cor azul representa sexo masculino e a cor vermelha o sexo feminino.

 

Resultados

 

Os atendimentos de lipoma cervical, em serviço de Otorrinolaringologia e Cirurgia Cérvico-Facial na cidade de Manaus-AM, entre 1985 e 2005, foram organizados conforme gráfico abaixo.

 

 

 

O sexo masculino foi discretamente prevalente sobre o feminino, contribuindo com 114 pacientes, o que representa 51,5% dos casos. Já o sexo feminino representou 107 casos (48,5%). Na faixa etária de 46-55anos nota-se uma diferença maior entre os sexos, onde o sexo masculino prevalece com um total de 67% dos casos de lipoma.

Houve maior incidência de lipoma em ambos os sexos nas faixas etárias 36-45 anos e 46-55 anos. Na primeira faixa etária (36-55 anos) foram 50 pacientes, incluindo o sexo masculino e feminino (22,6% do atendimento) e na faixa etária de 26-35 foram 52 pacientes (23,5%). Deste modo essas duas faixas etárias contribuíram com 102 pacientes, representando 46,1% dos casos.

 

Discussão

Os lipomas são lesões tumorais de células adiposas maduras. São mais comuns nos ombros, pescoço, tronco e braços, mas podem ocorrer em qualquer lugar no corpo onde há tecido gorduroso.

Os lipomas simples constituem 80 % dos tumores lipomatosos benignos. Os lipomas superficiais podem crescer com os anos sem nenhum problema funcional, mas também podem alcançar dimensões muito grandes.

          

    

Figura 3 - Lipoma cervical gigante

É o tumor de origem mesenquimal mais comum. Treze por cento de todos os lipomas são encontrados na região da cabeça e pescoço. Os lipomas apresentam-se geralmente na quinta ou sexta década da vida, e são múltiplos em 5% dos pacientes, e são incomuns nas crianças.

Nos casos em que o exame clínico sozinho é insuficiente para identificar a natureza e a origem exata da massa, exames de imagem são necessários, particularmente quando o tumor encontra-se profundamente. Apesar da natureza comum deste tumor, as descrições sonográficas são escassas. Embora a aparência sonográfica dos lipomas em outra parte no corpo seja variada, na cabeça e pescoço, sua apresentação é constante e completamente característica.

A TC mostra uma densidade específica para lesão, variando de -134 a -83 unidades Hounsfield, com margens mal definidas afastando o tecido mole circunjacente. A ultrassonografia mostra uma área hipoecóica, embora algumas alterações possam ser verificadas. Estas características podem auxiliar o diagnóstico por imagem do lipoma. Considera-se característica ultrassonográfica de um lipoma da cabeça e pescoço como massas elípticas compressíveis, paralelas à superfície da pele, contendo linhas ecogênicas lineares em ângulos direitos ao feixe do ultrassom, e sem realce ou atenuação distal. Em varreduras de TC, o lipoma é isodenso com gordura subcutânea normal; a cápsula pode ser pouco visível ou o efeito maciço adjacente pode ser o único indício de sua presença.

Na RM se observam como massas homogênias e encapsuladas, com ou sem traves finas. O angiolipoma na RM tem a aparência mista dos elementos gordurosos e vasculares. Já os lipomas heterotrópicos na RM se observam massas pequenas e homogenias idênticas aos lipomas subcutâneos, até lesões grandes com margens infiltrantes e aparência estriada nas sessões longitudinais

O tumor apresenta-se como uma lesão única ou lobulada, indolor, ligada por uma base séssil ou pediculada, sem ulcerações, a não ser quando traumatizado. Vasos sanguíneos superficiais são usualmente evidentes sobre o tumor, característica da distensão da mucosa e mostra aspecto gelatinoso, mole à palpação. A variante infiltrativa (intramuscular) é uma forma não usual que se origina entre as fibras musculares esqueléticas e infiltrando-se através do septo intramuscular. Algumas lesões lipomatosas profundas produzem apenas uma ligeira elevação de superfície enquanto outras podem causar alteração de função. Quando palpada, a lesão infiltrativa dá a sensação de líquido, algumas vezes com pseudoflutuação, podendo levar ao diagnóstico errôneo de cisto.

Mesmo com atividades proliferativas distintas, a capacidade de recorrência é baixa, com exceção dos casos intramusculares. Esta forma ocorre mais precocemente (36,8 anos, comparando-se a 60,2 anos do lipoma comum), e requer uma excisão cirúrgica mais cuidadosa de modo a evitar possíveis recidivas. O lipoma de células escamosas é uma variante rara, apresentando poucos casos relatados na literatura.

Apesar de ser uma patologia bastante conhecida, o lipoma pode ser confundido com outras entidades clínicas, o que não altera o plano de tratamento (biópsia excisional). O diagnóstico diferencial do lipoma inclui cisto epidermóide, cisto branquial, cisto tireoglosso, hemangiomas, e o músculo normal.

As características histopatológicas dos lipomas são claras, sendo um tumor composto de tecido adiposo bem diferenciado envolvido por cápsula de tecido conjuntivo. Embora morfologicamente indistinguíveis das células adiposas normais, as células tumorais são metabolicamente mais ativas. Algumas vezes a cápsula pode estar ausente ou rompida. O estroma apresenta-se fibroso dividindo a gordura em lóbulos e esses septos contêm vasos sanguíneos de pequeno calibre. Quando o tecido conjuntivo fibroso forma uma parte mais significativa do tumor, este passa a denominar-se fibrolipoma.

O tratamento geralmente é necessário quando o lipoma for muito grande, doloroso ou esteticamente incômodo. O tratamento inclui a excisão cirúrgica. Recidivas após a remoção são incomuns.

 

Conclusão

 

Os lipomas da cabeça e pescoço são diagnosticados melhor clinicamente, através da palpação, que revela uma massa de consistência macia, indolor, móvel e bem-delineada. Sua aparência sonográfica característica é de uma massa elíptica paralela à superfície da pele, adjacente ao músculo e que contem linhas ecogênicas lineares em ângulos direitos ao feixe do ultrassom.

O tratamento dos lipomas é a excisão cirúrgica conservadora, normalmente com raras recidivas. Não há nenhuma evidência científica que sugira potencial de transformação maligna.

 

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Figura 1

Lipoma cervical

Figura 2

Lipoma cervical

Figura 3

Lipoma cervical gigante

Suplemento
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