Relato de Caso
Corpo estranho em via aérea inferior de criança após quebra de cânula plástica de traqueotomia
Foreing body in the lower airway of a child following plastic tracheotomy tube fracture
Autores:
bruno almeida antunes rossini (r3) r3
Sergio Henrique Kiemle Trindade (Pós-Graduando, nível doutorado - Divisão de Clínica Otorrinolaringológica Hospital das Clínicas - Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo.) Médico Otorrinolaringologista do Hospital Estadual de Bauru e Hospital do Servidor Público Estadual de São Paulo.
Fabíola Guimarães Assad (Médico (a) Otorrinolaringologista. Divisão de Otorrinolaringologia do Hospital Estadual de Bauru. ) Médico (a) Otorrinolaringologista. Divisão de Otorrinolaringologia do Hospital Estadual de Bauru.
José Ricardo Bombini (Médico (a) Otorrinolaringologista. Divisão de Otorrinolaringologia do Hospital Estadual de Bauru. ) Médico (a) Otorrinolaringologista. Divisão de Otorrinolaringologia do Hospital Estadual de Bauru.
Palavras-Chave
Cânula de traqueostomia, Corpo estranho, Criança, Fratura, Via aérea inferior.
Resumo
Objetivo: Relatar caso de quebra de cânula plástica de traqueotomia em criança com aspiração de sua porção intra-traqueal para via aérea inferior
Tipo de estudo: descrição de caso clínico
Paciente e método: Criança de dois anos e quatro meses, sexo feminino, vítima de quase-afogamento que evoluiu com encefalopatia hipóxico-isquêmica grave, traqueostomizada há um ano, com história de aspiração de porção intra-traqueal de cânula plástica de traqueotomia para via aérea inferior
Conclusão: A quebra de cânulas de traqueotomia com aspiração de sua porção intra-traqueal para a via aérea inferior constitui evento raro em crianças. Em virtude do potencial de graves complicações que a aspiração deste tipo de corpo estranho pode causar, principalmente em crianças encefalopatas, a abordagem deverá ser realizada em regime de emergência com realização de broncoscopia para diagnostico e remoção do corpo estranho, mesmo na ausência de alterações radiográficas.
Este estudo foi realizado mediante autorização por meio de termo de consentimento da responsável pelo paciente e após aprovação da Comissão Científica do hospital em que foi realizado
Keywords
Traqueostomy tube, Foreign body, Child,Fractured, lower air way
Abstract
Objective: To describe a case of fractured thracheostomy tube in a child followed by aspiration of the intra-tracheal portion into the tracheo-bronchal tree.
Study design: case-report.
Patient description: A two-year and four months-old child of the female sex who suffered from near-drowning and developed severe hypoxic-ischemic encephalopathy. One year after thracheostomy was performed, the girl aspirated the intra-tracheal protion of the thracheostomy tube into the lower airways.
Conclusion: Fractures of the thracheostomy tube with aspiration are a rare event in children. Due to the potential life-threatening complications of this aspiration (specially in children with encephalopathy) the therapeutic approach is an emergency and consists of bronchoscopy for diagnosis and foreign body removal - even in the absence of radiographic abnormalities.
Instituição: Local: Hospital Estadual de Bauru - Serviço de residência médica em otorrinolaringologia vinculado a Disciplina de Otorrinolaringologia e Cirurgia de Cabeça de Pescoço da Faculdade de Medicina de Botucatu - Unesp
Suporte Financeiro:
Introdução:Aspiração de corpo estranho(CE) para a via aérea inferior pode ser uma ameaça emergencial à vida que necessite de uma intervenção imediata(1). O diagnóstico muitas vezes é difícil caso não exista uma história típica de aspiração com tosse e engasgos, desconforto respiratório, estridor e cianose necessitando, portanto, um alto grau de suspeição.A história clínica de aspiração de CE é positiva em cerca de 70% dos casos e destes somente 60% apresentam-se a consulta médica nas primeiras 24 horas. Quando a suspeita existe, o exame físico com ausculta pulmonar minuciosa e RX de tórax constituem a abordagem inicial. A visualização do CE propriamente dito ao RX confirma a hipótese diagnostica. Atelectasia pulmonar principalmente no pulmão direito ou pneumotórax sem explicações aparentes podem sugerir CE na via aérea inferior. A ausência de alterações radiológicas, contudo não exclui a possibilidade de aspiração de CE, sendo necessáriaa realização de broncoscopia, rígida ou flexível, em regime emergencial(3).
A fratura de porção intra-traqueal de cânula de traqueostomia resultando em CE na via aérea inferior constitui evento raro. Na literatura de língua inglesa até o ano de 2000 existem apenas relato de 22 eventos deste tipo, sendo somente 4 em crianças. Dentre as crianças apenas uma apresentou este tipo de acidente com cânula de material plástico(4)
Relato de caso:Criança de dois anos e quatro meses de idade, sexo feminino, vítima de quase-afogamento, evoluindo com encefalopatia hipóxico-isquêmica grave, sendo traqueotomizada após 14 dias de intubação por previsão de necessidade prolongada de ventilação assistida. Após alta hospitalar, comparecia a consultas rotineiras quinzenais durante cerca de um ano, para troca da cânula de traqueotomia, até então sem intercorrências.
Após 48 horas da troca rotineira de cânula plástica, número quatro sem cuff, por cânula do mesmo tamanho e modelo a paciente foi trazida pela mãe ao serviço de emergência deste hospital com história de que, após manipulação usual para aspiração de secreções, a cânula havia se quebrado com conseqüente aspiração da porção intra-traqueal da mesma..
A mãe relata que a criança apresentou episódio súbito de desconforto respiratório seguido de cianose momentânea. Na admissão a criança se apresentava agitada, chorosa, com taquicardia e taquipnéia discretas, ausência de cianose e estridor, expansibilidade torácica preservada, sem tiragem intercostal e de fúrcula, com murmúrio vesicular preservado com poucos roncos de transmissão bilateralmente. A oximetria de pulso mostrava 96% de saturação em ar ambiente.
Ao RX de tórax na incidência ântero-posterior evidenciou que a porção intra-traqueal da cânula de traqueostomia estava impactada na transição da traquéia com o brônquio fonte esquerdo(fig.1) .
A criança foi encaminhada em caráter de urgência ao serviço de referência em cirurgia torácica para retirada de corpo estranho através de broncoscopia rígida , que ocorreu sem intercorrências. ..
Discussão:Em crianças encefalopatas graves a realização de traqueotomia e manutenção das mesmas por períodos prolongados constitui prática rotineira. Dentre os motivos destacam-se os vários episódios de pneumonias com internações recorrentes em unidades de terapia intensiva necessitando de ventilação assistida(2).A mortalidade na população traquetomizada oscila ao redor de 5%, tendo como principal causa à obstrução mecânica por rolhas de muco(4). Existe apenas um relato de morte na literatura de língua inglesa por fratura da porção intra-traqueal de cânula de traqueotomia metálica em um paciente adulto(5).A grande maioria dos casos ocorreu em países em desenvolvimento, sendo verificado que quebra das cânulas metálicas foram causadas por corrosão de porção luminal das cânulas, gerada pela falta de trocas periódicas, freqüente re-esterilização das mesmas, e presença de muco ácido no interior das cânulas o que gerou a oxidação do metal(4).No presente caso, paciente comparecia regularmente às trocas quinzenais e a cânula era de material plástico. Após análise da porção intra-traqueal da cânula verificou-se que houve uma desconexão no encaixe entre a porção externa e interna da cânula. Falha na confecção da cânula pode ser um fator envolvido na quebra da mesma.
O formato cilíndrico com um amplo lúmen da cânula, o rápido diagnóstico e tratamento instituídos, impediram um maior desconforto respiratório e atelectasia do pulmão esquerdo permitindo que a criança se mantivesse com bom padrão ventilatório com evolução satisfatória do caso.
Conclusão:A quebra de cânulas de traqueotomia com aspiração de sua porção intra-traqueal para a via aérea inferior constitui evento raro. A manutenção, trocas periódicas e seguimento contínuo é fundamental para a prevenção deste tipo de acidente. Em virtude do potencial de graves complicações que a aspiração deste tipo de corpo estranho pode causar, a abordagem deverá ser realizada em regime de emergência com realização de broncoscopia para diagnóstico e remoção do corpo estranho, mesmo na ausência de alterações radiográficas.
Figura 1
RX de tórax em incidência antero-posterior mostrando porção intra-traqueal de cânula de traqueotomia impactada na transição da traquéia com o brônquio fonte esquerdo