ABORLccfRevista Brasileira de Otorrinolaringologia

Trabalho Experimental

Conservação de Soro Fisiológico - Ar Ambiente, Geladeira ou Cloreto de Benzalcônio?
Physiologic Saline Solution Preservation - Environment, Icebox or Benzalconium Chloride?

Autores:

Vagner Antonio Rodrigues da Silva (Médico-Residente) Médico-Residente Disciplina de Otorrinolaringologia e Cabeça e Pescoço FCM/UNICAMP

Marcelo N Soki (Médico-Residente) Médico-Residente Disciplina de Otorrinolaringologia e Cabeça e Pescoço FCM/UNICAMP

Ronny Tah Yen NG (Médico Otorrinolaringologista) Médico colaborador do Setor de Rinologia e Base de Cranio Disciplina de Otorrinolaringologia e Cabeça e Pescoço FCM/UNICAMP

Carlos Emilio Levy (Professor - Doutor ) Professor Depto de Patologia Clínica FCM UNICAMP

Erica Ortiz (Otorrinolaringologista) Pós-Graduanda Disciplina de Otorrinolaringologia e Cabeça e Pescoço FCM/UNICAMP

Eulalia Sakano (Doutora) Coordenadora do Setor de Rinologia da Disciplina de Otorrinolaringologia e Cabeça e Pescoço FCM/UNICAMP

Palavras-Chave
cloreto de benzalcônio, irrigação nasal, soro fisiológico, conservação.

Resumo
Introdução: A lavagem nasal com soro fisiológico tem sido amplamente utilizada no tratamento das mais diversas afecções nasossinusais. O cloreto de benzalcônio é o conservante mais amplamente utilizado em soluções nasais, oftalmológicas e outras. Objetivo: comparar a conservação do soro fisiológico sem conservantes em geladeira doméstica e no ar ambiente (com e sem vedação) com soluções salinas com conservantes (cloreto de bezalcônio). Culturas qualitativas seriadas de amostras de soro fisiológico sem conservantes e soluções salinas com conservantes (cloreto de benzalcônio) por 28 dias. Resultados: Houve 3 amostras contaminadas que pelas suas características sugerem contaminação na coleta do material. Conclusão: Não há contaminação do soro fisiológico mesmo quando ficar aberto em ar ambiente por até 28 dias, desde que se mantenha condições assépticas no seu uso.

Keywords
benzalconium chloride, nasal irrigation, physiologic saline solution, conservation

Abstract
Introduction: Nasal irrigation with physiologic saline solution has been used as an adjunctive treatment of sinonasal disease. For most multiuse aqueous nasal, ophthalmic, and otic products, benzalkonium chloride (BKC) is the preservative of choice. Objective: To compare preservation of physiologic saline solution without preservatives in home icebox and in the environment (with/without enclouse) with saline solutions with preservations (benzalconium chloride). Methods: Serial qualitatives cultures from samples of physiologic saline solutions with/without BKC and kept in icebox and envinronment in 28 days. Result: There were three contaminations, but sugest contamination in collect of the material. Conclusions: There was not contamination of the physiologic saline solutions, despite opened in the environment till 28 days. but they have to kept aseptic conditions for them management.

 

Instituição: Disciplina de Otorrinolaringologia e Cabeça e Pescoço FCM UNICAMP

Suporte Financeiro:

Introdução
A lavagem nasal com soro fisiológico tem sido amplamente utilizada no tratamento das mais diversas afecções nasossinusais e no pós-operatório de vários procedimentos cirúrgicos do nariz e seios paranasais1,2.
Alguns mecanismos explicam o efeito benéfico do soro fisiológico em afecções nasossinusais: 1- melhora do transporte mucociliar; 2- diminuição da viscosidade do muco; 3- diminuição do edema da mucosa; 4- influência sobre mediadores inflamatórios; 5- limpeza mecânica de crostas e debris1,3,4,5.
O soro fisiológico (NaCl 0,9%) é uma solução isotônica em relação aos líquidos corporais que contem 0,9%, em massa, de NaCl em água destilada, ou seja, cada 100mL da solução aquosa contém 0,9 gramas do sal. Tem ampla utilização no meio médico5.
Cloreto de benzalcônio é uma amônia quaternária composta, comumente usada para prevenir a contaminação bacteriana e preservar a atividade farmacológica em diversas produtos como cosméticos, "sprays" nasais, soluções oftalmológicas etc6,7,8,9.
O objetivo deste trabalho é comparar conservação do soro fisiológico sem conservantes em geladeira doméstica e no ar ambiente (com e sem vedação) com soluções salinas com conservantes (cloreto de bezalcônio).
 
Materiais e Métodos
Culturas qualitativas seriadas de amostras de soro fisiológico sem conservantes e soluções salinas com conservantes (cloreto de benzalcônio).
Foram testadas 10 amostras de soro fisiológico. Cinco delas acondicionadas numa geladeira doméstica comum à temperatura de 4-7°C, sendo duas com o recipiente ocluído com micropore e três sem oclusão. As demais foram guardadas à temperatura ambiente numa média de 22-30°C, também ocluindo o recipiente de dois deles. Três recipientes ficaram sem oclusão do recipiente.
Três amostras de solução salina com cloreto de benzalcônio de produtos encontrados no mercado foram utilizadas.
Coletados 5 ml de cada uma das amostras, sendo tomadas medidas para não haver contaminação externa (uso de chama na bancada, máscaras e gorro pelo coletor).  Coletas semanais foram realizadas até completar quatro semanas. Todo o material obtido foi levado para cultura qualitativa no Laboratório de Microbiologia da Patologia Clínica.
No Laboratório de Microbiologia as amostras foram inoculadas com 5 ml de caldo Trypticase  soja em capela de fluxo laminar para evitar contaminação. As amostras foram levadas para estufa 37oC por 7 dias, com inspeção diária e bacterioscopia das amostras turvas e posterior semeadura em caso de confirmação de crescimento  em placas de ágar sangue . As amostras negativas permaneceram mais 7 dias em temperatura ambiente para observação de  eventual crescimento tardio de fungos filamentosos. Os recursos disponíveis para identificação bacteriana são técnicas manuais preconizadas pela ANVISA e de automação pelo sistema VITEK Bio Merieux 10.
 
As amostras foram nomeadas da seguinte forma:
Código
Tipo de amostra
C1
SF com Conservante, marca 1
C2
SF com Conservante, marca 2
C3
SF com Conservante, marca 3
A1T
SF sem conservante, acondicionada em temperatura ambiente e com oclusão de recipiente - amostra 1
A2T
SF sem conservante, acondicionada em temperatura ambiente e com oclusão de recipiente - amostra 2
A3A
SF sem conservante, acondicionada em temperatura ambiente e sem oclusão de recipiente - amostra 3
A4A
SF sem conservante, acondicionada em temperatura ambiente e sem oclusão de recipiente - amostra 4
A5A
SF sem conservante, acondicionada em temperatura ambiente e sem oclusão de recipiente - amostra 5
G1T
SF sem conservante, acondicionada em geladeira comum e com oclusão de recipiente - amostra 1
G2T
SF sem conservante, acondicionada em geladeira comum e com oclusão de recipiente - amostra 2
G3A
SF sem conservante, acondicionada em geladeira comum e sem oclusão de recipiente - amostra 3
G4A
SF sem conservante, acondicionada em geladeira comum e sem oclusão de recipiente - amostra 4
G5A
SF sem conservante, acondicionada em geladeira comum e sem oclusão de recipiente - amostra 5
 
 
Resultados
 
Os resultados das culturas estão na tabela abaixo:
 
 
0
7dias
14 dias
21 dias
28 dias
Amostra
 
 
 
 
 
C1
Neg
Neg
Neg
Neg
Neg
C2
Neg
Neg
Neg
Neg
Neg
C3
Neg
Neg
Neg
Neg
Neg
A1T
Neg
Neg
+1
Neg
Neg
A2T
Neg
Neg
Neg
Neg
Neg
A3A
Neg
Neg
Neg
Neg
Neg
A4A
Neg
Neg
Neg
Neg
Neg
A5A
Neg
Neg
Neg
Neg
Neg
G1T
Neg
Neg
+2
Neg
Neg
G2T
Neg
Neg
Neg
Neg
Neg
G3A
Neg
Neg
Neg
Neg
+3
G4A
Neg
Neg
Neg
Neg
Neg
G5A
Neg
Neg
Neg
Neg
Neg
Tabela 2 - Resultados das culturas nos períodos da coleta
1-      crescimento de Bacillus sp
2-     crescimento de Bacillus sp
3-     crescimento de Staphylococcus  coagulase negativo
 
Em nosso estudo, foi notada contaminação da solução fisiológica em 3 momentos:
a.- A1T= SF sem conservante, acondicionada em temperatura ambiente e com oclusão de recipiente, apenas na amostra após 14 dias, sendo negativa nas amostras seguintes com 21 e 28 dias;
b.- G1T= SF sem conservante, acondicionada em geladeira comum e com oclusão de recipiente, amostra após 14 dias, sendo negativa nas amostras seguintes com 21 e 28 dias;
c.-  G3A= SF sem conservante, acondicionada em geladeira comum e sem oclusão de recipiente na amostra de 28 dias.
Nas demais amostras não foi detectada contaminação após 28 dias.
 
Discussão
As soluções salinas são muito utilizadas na prática medica, principalmente na otorinolaringologia11,12. Em crianças menores de um ano de idade é o medicamento mais utilizado11.
Por sua ampla utilização em no meio médico1,5,6,13,14, diversos produtos foram criados pela indústria farmacêutica com a finalidade de preservar o soro estéril por bastante tempo. Um dos produtos mais utilizados é o cloreto de benzalcônio, entretanto alguns trabalhos mostram que esta substancia pode causar hiperplasia da mucosa nasal, além de piorar rinite medicamentosa6-9. Outros produtos surgiram no mercado que não possuem cloreto de benzalcônio, como filtros de prata nos aplicadores nasais que impediriam a contaminação da solução.
A contaminação isolada de duas amostras por Bacillus sp (A1T e G1T) sugere contaminação pelo manuseio de coleta ou processamento , pois as amostras posteriores permaneceram negativas e  o gênero Bacillus é esporulado e agente de contaminação ambiental. Amostras mantidas abertas não apresentaram contaminação.
A amostra G3A contaminada na ultima coleta sugere contaminação pelo manuseio da amostra, pelo tipo de microrganismo, Staphylococcus coagulase negativos, comumente encontrado nas mãos.
Os demais frascos sem conservantes, mantidos ou não em geladeira, ocluídos ou não apresentaram contaminação após 28 dias de estudo.
O presente estudo sugere que a amostra de soro fisiológico não se contamina com facilidade do ponto de vista de conservação, pois o soro fisiológico não suporta crescimento de microrganismos por não conter substrato orgânico. Na prática de uso do produto a matéria orgânica poderia ser introduzida por uso indevido, pela aspiração de secreções nasais e assim oferecendo o substrato para o crescimento bacteriano.
 
 
Conclusão
Não há contaminação do soro fisiológico mesmo quando ficar aberto em ar ambiente por até 28 dias, desde que se mantenha condições assépticas no seu uso.
 
 
 Referências Bibliográficas
 

1.      Tomooka LT, Murphy C, Davidson TM. Clinical study and literature review of nasal irrigation. Laryngoscope. 2000;110(7):1189-93.

2.      Brown CL, Graham SM. Nasal irrigations: good or bad? Curr Opin Otolaryngol Head Neck Surg. 2004 ;12(1):9-13

3.      Bachmann G, Hommel G, Michel O. Effect of irrigation of the nose with isotonic salt solution on adult patients with chronic paranasal sinus disease. Eur Arch Otorhinolaryngol Head Neck Surg; 2000; 257(10):537-41.

4.      Kim CH, Hyun Song M, Eun Ahn Y, Lee JG, Yoon JH. Effect of hypo-, iso- and hypertonic saline irrigation on secretory mucins and morphology of cultured human nasal epithelial cells. Acta Otolaryngol. 2005;125(12):1296-300.

5.      Wormald PJ, Cain T, Oates L, Hawke L, Wong I. A comparative study of three methods of nasal irrigation. Laryngoscope. 2004;114(12):2224-7.

6.      Graf P. Benzalkonium chloride as a preservative in nasal solutions: re-examining the data. Respir Med. 2001;95(9):728-33.

7.      Marple B, Roland P, Benninger M. Safety review of benzalkonium chloride used as a preservative in intranasal solutions: an overview of conflicting data and opinions. Otolaryngol Head Neck Surg. 2004;130(1):131-41.

  1. Bernstein IL. Is the use of benzalkonium chloride as a preservative for nasal formulations a safety concern? A cautionary note based on compromised mucociliary transport. J Allergy Clin Immunol 2000; 105: 39-44.
  2. Kuboyama Y, Suzuki K, HaraT. Nasal lesions induced by intranasal administration of benzalkonium chloride in rats. J Toxicol Sci1997; 22: 153-160.

10.  ANVISA. www.anvisa.gov.br/servicosaude/manuais/microbiologia.  

11.  Garavello W, Romagnoli M, Gaini RM. Hypertonic or isotonic saline for allergic rhinitis in children. Pediatr Allergy Immunol. 2005;16(1):91-2.

12.  Boiko PE. Allergic rhinitis. N Engl J Med. 2006 16;354(11):1205-6.

13.  Friedman M, Vidyasagar R, Joseph N. A randomized, prospective, double-blind study on the efficacy of dead sea salt nasal irrigations. Laryngoscope. 2006;116(6):878-82.

14.  Heatley DG, McConnell KE, Kille TL, Leverson GE. Nasal irrigation for the alleviation of sinonasal symptoms. Otolaryngol Head Neck Surg. 2001;125(1):44-8.

 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
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