ABORLccfRevista Brasileira de Otorrinolaringologia

Trabalho Clínico

EFEITO DA ANESTESIA TÓPICA NASAL EM PACIENTES COM CEFALÉIA CRÔNICA - RESULTADOS PRELIMINARES
The topical anesthesical application effects on cronical headache pacients

Autores:

Ana Carolina Raposo Sallum (Especializanda em otorrinolaringologia pela UNIFESP-EPM) Médica

Michele Themis Moraes Gonçalves (Médica) Especializanda em Otorrinolaringologia pela UNIFESP

Rodrigo de Paiva Tangerina (Mestre em otorrinolaringologista pela UNIFESP-EPM) Otorrinolaringologista

Rodrigo de Paula Santos (Doutor em otorrinolaringologia pela UNIFESP-EPM) Otorrinolaringologista

Palavras-Chave
Cefaléia crônica, Anestésico tópico, Endoscopia nasal

Resumo
INTRODUÇÃO: A "dor de cabeça" é uma queixa muito prevalente, afetando, em pelo menos uma vez, 75% da população. OBJETIVO: O objetivo deste estudo é avaliar o efeito da aplicação de anestésico tópico nasal na dor referida por pacientes com cefaléia crônica. MÉTODO: Foram avaliados de forma consecutiva pacientes com quadro de cefaléia crônica provenientes do ambulatório de cefaléia. Foram excluídos pacientes que se apresentavam sem dor no momento da consulta e que apresentavam sinais ou sintomas de IVAS. Os pacientes foram submetidos a uma avaliação inicial da intensidade da dor por meio de escala visual analógica. Após a anotação da intensidade inicial da dor foi aplicado na mucosa nasal algodão previamente embebido em neotutocaína ou solução salina aleatoriamente. O algodão foi retirado após 5 minutos e ao paciente foi solicitado para graduar novamente a intensidade da dor pela escala visual analógica. CONCLUSÃO: Tendência de que os pacientes que apresentam ponto de contato de mucosa apresentam melhor resposta. A importância desse trabalho preliminar é chamar a atenção para uma entidade ainda pouco estudada que é a CPCM e incentivar a comunicação e o trabalho conjunto de otorrinolaringologistas e neurologistas na abordagem e tratamento desta patologia multidisciplinar que é a cefaléia crônica.

Keywords
Cronical headache, Topical ansthesics, nasal endoscopy

Abstract
BACKGROUND: Headache is a very prevalent claim, that reaches at least 75% of population. MAIN: evaluate the topical anesthesical application effects on cronical headache pacients. METHOD: patients that suffer of cronical headache were sequencialy evaluatted. Were excluded patients without pain at the examination time or those that presented infeccious symptoms. The patients were submited to a inicial evaluation of pain intensity through visual analogical scale. After noted the pain level, a neotutocaine or saline solution submerged cotton was applied over the nasal mucosa randomically. 5 minuts after that, the cotton was removed and the patient graduate again his pain. CONCLUSION: tendency that mucosal nasal contact point patients present better answer. The importance of this preliminar research is to stand out to a poor studied entity that is nasal mucosa contact point headache and stimulate the group job between neurologists, rhinologists in treatment of this pathology called cronical headaches.

 

Instituição: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SÃO PAULO - ESCOLA PAULISTA DE MEDICINA

Suporte Financeiro:

INTRODUÇÃO

 

A cefaléia é uma queixa muito prevalente, que chega a acometer 75% da população1. Dentre os diversos tipos de cefaléia, identificamos aquelas que são claramente relacionadas a alterações nasossinusais, como as decorrentes de processos neoplásicos e infecciosos e outras cuja fisiopatologia já definida não tem nenhuma relação com o nariz e as caviadades paranasais, como as migrâneas e a cefaléia tensional. Existe, entretanto, um grupo de cefaléias e dores faciais cuja origem parece estar ligada a alterações nasossinusais, porém sua fisiopatologia não está bem definida como é o caso da clássica neuralgia de Sluder2 e as denominadas cefaléias por ponto de contato de mucosa (CPCM), que seriam resultantes da pressão na mucosa nasal por variação anatômica (concha média bolhosa), desvios de septo e hipertrofia das conchas mesmo na ausência de processo inflamatório local.

McAuliffe et al. em 1943 demonstraram que estímulos nociceptivos aplicados a determinados pontos da mucosa nasal produziam cefaléia3, o que mostra que o interesse por esse tema vem de longa data, no entanto seus resultados não foram replicados por outros autores. A despeito da fisiopatologia da CPCM permanecer assunto controverso, diversos autores têm publicado trabalhos mostrando melhora significativa da dor após tratamento cirúrgico dos pontos de contato nasal 4-6.

Por outro lado, a Sociedade Internacional de Cefaléia considera não haver trabalhos controlados suficientes na literatura para validar a CPCM como uma entidade clínica independente. Na classificação Internacional das Cefaléias lançada em 2005 os critérios para diagnóstico da CPCM são apresentados no apêndice do documento juntamente com sugestão de que mais trabalhos a respeito desse tema são necessários7.

Segundo a Sociedade Internacional de Cefaléia a CPCM pode ser diagnosticada quando se observam os seguintes critérios:

  1. Dor intermitente localizada na região periorbital, médio cantal ou temporozigomática que segue os critérios C e D.
  2. Evidência de ponto de contato de mucosa por exame clínico, endoscopia ou TC sem rinossinusite aguda.
  3. Evidência de que dor é atribuída ao ponto de contato por pelo menos um dos critérios.
    1. Dor corresponde à variação gravitacional.
    2. Dor abolida em 5 min com administração de anestésico tópico controlado por placebo.

 

  1. Dor resolve em 7 dias e não retorna após correção cirúrgica dos pontos de contato.

Ressalta ainda que a abolição da dor referida no tópico C2 corresponde a marcação de zero em uma escala visual analógica7.

Dessa forma, para tratarmos da CPCM de maneira racional e seguindo os critérios da Sociedade Internacional de Cefaléia o primeiro passo é a identificação de uma resposta favorável à administração de anestesia tópica nasal controlada por placebo. E só depois prosseguir a investigação diagnóstica com exames subsidiários, se necessário, para o diagnóstico diferencial e finalmente a proposta de tratamento que consiste em identificar e atuar sobre a alteração anatômica determinante do ponto de contato.

 

 

OBJETIVO

O objetivo deste estudo é avaliar o efeito da aplicação de anestésico tópico nasal na dor referida por pacientes com cefaléia crônica.

 

MÉTODO

Foram avaliados de forma consecutiva pacientes com quadro de cefaléia crônica provenientes do ambulatório de cefaléia da disciplina de Neurologia da UNIFESP-EPM. Foram excluídos do estudo os pacientes que se apresentavam sem dor no momento da consulta e que apresentavam sinais ou sintomas de infecção das vias aéreas superiores. Dos pacientes que aceitaram participar do trabalho foi colhida uma anamnese dirigida e realizado exame físico com rinoscopia anterior e endoscopia nasal sendo anotada a presença de desvios do septo nasal, hipertrofia de conchas e pontos de contato de mucosa. Foram excluídos os indivíduos que apresentaram qualquer tipo de tumor nasal. Os pacientes foram submetidos a uma avaliação inicial da intensidade da dor por meio de escala visual analógica. Após a anotação da intensidade inicial da dor foi aplicado na mucosa nasal algodão previamente embebido em neotutocaína ou solução salina aleatoriamente. A preparação dos algodões foi realizada previamente de forma que nem o paciente nem o examinador sabiam qual substância estava sendo empregada. O algodão foi retirado após 5 minutos e ao paciente foi solicitado para graduar novamente a intensidade da dor pela escala visual analógica. Foi solicitado aos pacientes para retornarem ao ambulatório no prazo de uma semana para que o teste fosse repetido com a outra substância.

A resposta ao procedimento foi considerada como melhora da dor quando houve redução maior que 50% da pontuação da escala analógica 5 min após o teste. Quando a pontuação permaneceu a mesma ou houve melhora inferior a 50% a resposta foi considerada inalterada e quando houve qualquer aumento da pontuação da escala a resposta foi considerada como piora.

 

RESULTADOS

      Dezenove pacientes apresentaram condições para serem incluídos no estudo, sendo cinco homens e quatorze mulheres. A idade variou de 18 a 78 anos com média de 39,9 ±18,8. Somente 2 dos 19 pacientes apresentavam a queixa típica de cefaléia periorbitária, médio-cantal ou temporozigomática. Dez pacientes apresentaram queixa de obstrução nasal e quatorze de sintomas de rinopatia. Sete pacientes já possuíam diagnóstico definido pela equipe da neurologia. O exame físico e endoscópico demonstrou desvio do septo nasal em 17 pacientes, hipertrofia de conchas nasais em dez e presença de pontos de contato de mucosa em onze. O teste com as duas substâncias foi realizado em quatro pacientes. Seis pacientes receberam apenas solução salina e nove pacientes receberam anestesia tópica com neotutocaína.

      Os pacientes foram divididos em dois grupos: aqueles que não apresentavam ponto de contato de mucosa e os que apresentavam ponto de contato. Dos oito pacientes que não apresentavam ponto de contato, seis receberam neotutocaína e dois receberam solução salina. Somente um desses pacientes apresentou melhora da dor após o teste. Dos onze pacientes que apresentavam ponto de contato, quatro foram testados com as duas substâncias, três apenas com solução salina e quatro apenas com neotutocaína. Portanto foram realizados nove testes com a solução salina e quatorze testes com a neotutocaína. Com relação à solução salina, um paciente apresentou piora da dor, três apresentaram melhora e cinco mantiveram-se inalterados. Com relação à neotutocaína um paciente apresentou piora da dor, seis apresentaram melhora e em dois casos a dor permaneceu inalterada. Os casos de piora da dor com solução salina e neotutocaína ocorreram no mesmo paciente que foi testado com as duas substâncias. O segundo e terceiro pacientes que receberam as duas substâncias apresentaram resposta inalterada à solução salina e melhora com neotutocaína, nesse caso após a aplicação de neotutocaína os dois pacientes apresentaram abolição da dor. O quarto paciente que recebeu as duas substâncias apresentou melhora da dor com a aplicação de neotutocaína e resposta inalterada à solução salina.

     

DISCUSSÃO

Embora a cefaléia por ponto de contato seja uma entidade ainda não oficialmente aceita pela sociedade internacional de cefaléia, diversos casos de cefaléia crônica, sem melhora com tratamento clínico, apresentam melhora relevante dos sintomas quando tratadas as alterações nasais diagnosticadas8.

Com o objetivo de explicar a fisiopatologia da cefaléia por contato entre mucosas, Stammberger e Wolf em 19889, propuseram que no contato entre mucosas opostas, a pressão mecânica funcionaria como estímulo para nociceptores localizados na mucosa nasal. A ativação desses nociceptores iniciaria potenciais de ação em fibras nervosas do tipo C desmielinizadas, que inervam a mucosa nasal, cujos neurotransmissores principais seriam os neuropeptídeos, particularmente a substância P. Esses potenciais de ação seriam propagados por duas vias, central e periférica. A via central seria aquela em que as fibras nervosas peptidérgicas fazem sinapses nos gânglios e núcleos trigeminais e atingem o córtex cerebral sensitivo, sinalizando dor. A via periférica seria aquela em que as fibras nervosas peptidérgicas entram em contato com vasos, glândulas e fibras musculares lisas, liberando substância P nesses tecidos e causando vasodilatação, aumento da permeabilidade vascular e hipersecreção glandular.

Dentre as alterações anatômicas relacionadas à cefaléia por contato, as mais descritas na literatura são os desvios de septo nasal e a síndrome da concha média, definida por cefaléia de contato da concha média bolhosa com a parede lateral nasal ou com a mucosa septal10.

A síndrome da concha média manifesta-se clinicamente por uma dor periorbitária intermitente, no canto medial da órbita ou na região têmporozigomática, normalmente associada à congestão nasal. Essa apresentação clínica se deve a variações na congestão da mucosa nasal, que sofre ação de alterações gravitacionais quando o paciente encontra-se em posição supina ou em decúbito horizontal5.

Goldsmith observou que a síndrome da concha bolhosa ou a cefaléia por outros pontos de contato podem ser confirmadas através da aplicação tópica de cocaína na concha média, levando a um alívio da dor dentro de 30 segundos11.

    Mesmo em pacientes portadores de cefaléia com diagnóstico definido, a cefaléia rinogênica deve ser investigada, uma vez que não é rara a presença de mais de um tipo de cefaléia em um mesmo paciente12.

      Antes do início do tratamento, a etiologia deve ser adequadamente diagnosticada. Uma completa anamnese associada a um exame físico otorrinolaringológico minucioso e a um cauteloso exame endoscópico nasal contribuem para estabelecer o diagnóstico correto, lembrando que os exames de imagem, como a Tomografia Computadorizada, tanto de seios paranasais como de crânio, e a Ressonância Nuclear Magnética podem auxiliar na confirmação desse diagnóstico13. 

      O tratamento definitivo visa corrigir cirurgicamente a variação anatômica encontrada em cada caso. Para os pacientes em que não há indicação cirúrgica, o tratamento consiste em alívio dos sintomas, com medicações como corticoesteróides tópicos e descongestionantes tópicos ou sistêmicos, porém isto tem se mostrado pouco efetivo, como têm provado alguns autores10.

      Ramadan10 demonstrou a efetividade do tratamento cirúrgico em estudo publicado em 1999 com vinte e três pacientes portadores de cefaléia rinogênica com diagnóstico baseado em exame endoscópico nasal e achados tomográficos. A indicação do procedimento cirúrgico apoiou-se, além da alteração anatômica, na resposta positiva ao teste da lidocaína, utilizando aplicação tópica da mesma no ponto de contato da mucosa nasal. Oito dos pacientes se recusaram ao tratamento cirúrgico, sendo os quinze pacientes restantes submetidos a correções cirúrgicas variando entre septoplastia, turbinectomia média parcial e cirurgia endoscópica nasal. Dos quinze pacientes operados, nove (60%) apresentaram melhora dos sintomas, principalmente os que tinham sintomas há menos de sete anos. E os pacientes com tratamento clínico exclusivo mantiveram os mesmos sintomas.

      Kunachak13, com o objetivo de encontrar uma técnica minimamente invasiva para o tratamento da cefaléia por ponto de contato, publicou um estudo prospectivo em 1992 com cinqüenta e cinco pacientes cujos exames endoscópicos nasais identificaram pontos de contato entre a concha média e o septo nasal. Todos foram submetidos à lateralização da concha média sob anestesia tópica, sendo que 87% apresentaram melhora após um único procedimento e todos tiveram melhora após repetido o procedimento, concluindo-se então que a lateralização da concha média mostrou-se um procedimento seguro e efetivo para o tratamento da cefaléia rinogênica.

      Nosso número reduzido de pacientes não permite, por enquanto, uma confrontação com os resultados encontrados na literatura, no entanto parece haver uma tendência de melhor resposta ao anestésico tópico naqueles pacientes que apresentam ponto de contato de mucosa nasal uma vez que nenhum paciente sem ponto de contato apresentou melhora à aplicação do anestésico e dos oito pacientes que apresentavam ponto de contato e receberam neotutocaína tópica houve melhora em seis.

 

CONCLUSÃO

      Devido ao reduzido número de pacientes de nosso trabalho não se pode avaliar com segurança o efeito da aplicação de anestésico tópico nasal em pacientes com cefaléia crônica embora pareça haver uma tendência de que os pacientes que apresentam ponto de contato de mucosa apresentam melhor resposta. A importância desse trabalho preliminar é chamar a atenção para uma entidade ainda pouco estudada que é a CPCM e incentivar a comunicação e o trabalho conjunto de otorrinolaringologistas e neurologistas na abordagem e tratamento desta patologia multidisciplinar que é a cefaléia crônica.

     

 

 

 

 

BIBLIOGRAFIA:

  1. Wenzel TMS, Sakzenian A, Moussalle SK. Cefaléias em otorrinolaringologia. Rev Bras Otorrinolaringol 1978; 44(1):73-76.

2  Sluder G. Etiology, diagnosis, prognosis and treatment of esphenopalatine ganglion neuralgia. JAMA 1913; 61:1201-6.

3  Mcauliffe, GW, Goodell H, Wolff HG. Experimental studies on headache: pain reference from the nasal and paranasal structures. Am Res Nerve and Ment Dis Proc 1943; 23: 185-92.

4  Tosun F, Gerek M, Ă–zkaptan Y. Nasal surgery for contact point headaches. Headache 2000; 40(3):237-40.

5  Anselmo-Lima WT, Oliveira JAA, Speciali JG, Bordini C, Santos AC, Rocha KV, Pereira ES. Middle turbinate headache syndrome. Headache 1997; 37: 102-6.

6  Welge-Luessen A, Hauser R, Schmid N, Kappos L, Probst R. Endonasal surgery for contact point headache: A 10-year longitudinal study. Laryngoscope; 2003 113(12): 2151-6.

7  The International Classification of Headache Disorders. 2a Ed. Cephalalgia 2004; 24 Sppl 1.

8  Blumenthal HJ. Headache and sinus disease.  Headache 2001; 41:883-8.

9  Stammberger H; Wolf G; Headaches and sinus disease: the endoscopic approach. Ann Otol Rhinol Laryngol 1988; 97 (suppl 134): 3-23.

10    Ramadan HH. Nonsurgical versus endoscopic sinonasal surgery for rhinogenic headache. Am J rhinol 1999; 13(6):455-7.

11    Goldsmith AJ, Zahtz GD, Stegnjajic A, Shikowitz M. Middle turbinate headache. Am J Rhinol 1993; 7:17-23.

12    Margenstein KM, Krieger MK. Experiences in middle turbinetctomy. Laryngoscope 1980;90:1596-1603.

13    Kunachak S. Middle turbinate lateralization: a simple treatment for rhinologic headache. Laringoscope May 2002; 112:870-2.

 

 

 

 

 

Suplemento
Copyright 2007 Revista Brasileira de Otorrinolaringologia - All rights are reserved
ABORLCCF - Av. Indianópolis, 740 - Moema - Cep. 04062-001 - São Paulo - SP - Tel: (11) 5052-9515
Não nos responsabilizamos pela veracidade dos dados apresentados pelos autores.
O trabalho acima corresponde a versão originalmente submetida pelo autor.