ABORLccfRevista Brasileira de Otorrinolaringologia

Trabalho Clínico

MANIFESTAÇÃO ORAL DO PÊNFIGO SIMPLES
ORAL MANIFESTATION OF THE SIMPLE PEMPHIGUS

Autores:

João Bosco Botelho (Professor Doutor Livre Docente) Professor da Disciplina Otorrinolaringologia e Cirurgia de Cabeça e Pescoço do Centro Universitário Nilton Lins

Viviane Saldanha Oliveira (Professora mestre ) Professora da disciplina de Otorrinolaringologia e Cirurgia Cérvico-Facial da Universidade Estadual do Amazonas, orientadora da residência em Otorrinolaringologia do Hospital Santa Júlia e Fundação Hospital Adriano Jorge e presidente da Sociedade de Otorrinolaringologia e Cirurgia Cérvico-Facial da Amazônia Ocidental

Daniele Memória Ribeiro Ferreira (Residente do 2º ano em Otorrinolaringologia do Hospital Santa Júlia) Médico residente

Marina Motta de Morais (Residente do 1º ano em Otorrinolaringologia do Hospital Santa Júlia) Médico residente

Fernando Bezerra de Melo e Souza (Residente do 1º ano em Otorrinolaringologia do Hospital Santa Júlia) Médico residente

Bruno Hideo Otani (Acadêmico de Medicina) Membro da Liga de Otorrinolaringologia e Cirurgia Cérvico-Facial do Amazonas

Bruna da Cruz Beyruth Borges (Acadêmica de Medicina) Membro da Liga de Otorrinolaringologia e Cirurgia Cérvico-Facial do Amazonas

Palavras-Chave
Pênfigo vulgar, Manifestação oral, Sexo, Idade, Doença vesicobolhosa.

Resumo
Introdução: O pênfigo vulgar (PV) é uma doença vesicobolhosa que acomete a mucosa oral e caracteriza-se pela presença de auto-anticorpos contra moléculas de adesão intra-epidérmicas. Objetivo: Identificar a manifestação oral do PV em cada sexo e idade de acometimento. Forma de estudo: Retrospectivo. Material e método: Pacientes com PV oral acompanhados em ambulatório de cirurgia de cabeça e pescoço, entre 1976 a 2006, na cidade de Manaus-AM. Resultados: Dos 13 pacientes, 69,2% foram mulheres e 30,8% homens, em uma relação de 3,25:1. A idade variou entre 8 a 65 anos, com média de 36,5 anos. Nos homens o PV oral manifestou-se mais precocemente que nas mulheres. Conclusões: O sexo feminino prevaleceu sobre o masculino e a idade ao diagnóstico foi menor nos homens.

Keywords
Pemphigus vulgaris, Oral manifestation, Sex, Age, Bullous disease

Abstract
Introduction: Pemphigus vulgaris (PV) is a bullous disease which manifestation is in the oral mucosa and is characterized by the presence of auto-antibodies against intra-epidermal adhesion molecules. Aim: To identify the manifestation of the PV in each sex and age. Study Design: retrospective. Method: Patients with oral PV treated in a clinic of surgery of head and neck, between 1976 - 2006, in the city of Manaus-AM. Results: From 13 patients, 69,2% were women and 30,8% men, in a proportion of 3,25:1. The age varied between 8 and 65 years, with average of 36,5 years. In males, the oral PV begun earlier than in females. Conclusions: The females prevailed over males and the age of diagnosis was shorter in men.

 

Instituição: Universidade Estadual do Amazonas, Hospital Santa Júlia e Centro Universitário Nilton Lins

Suporte Financeiro:

Introdução

Os pênfigos - do grego penphix: uma bolha - são lesões auto-imunes vesículo-bolhosas intra-epidérmicas de ocorrência mucocutânea e de caráter crônico (Thomas 2000)¹.

São classificados em formas profundas, com acantólise suprabasal, como é o caso do pênfigo vulgar (PV) e pênfigo vegetante e em formas superficiais, com acantólise subcorneal, como o pênfigo foliáceo e pênfigo eritematoso seborréico (Barrientos et al. 2002)². O pênfigo eritematoso ou síndrome de Senear-Usher seria apenas uma variante do foliáceo e o vegetante seria uma variante do PV (Tommasi 1998)³.

Entre os vários tipos de pênfigo, o de maior interesse para a classe otorrinolaringológica é o PV, por apresentar manifestações bucais importantes e também por ser uma enfermidade sistêmica grave.

No PV a faixa etária mais comum encontra-se entre a 5ª e 6ª décadas de vida, sendo menos freqüente após 70 anos, apesar disso há relatos de casos em crianças e adolescentes. Existem discordâncias na literatura quanto a maior prevalência em mulheres. Wanke et al. (1990)4 afirmam que o PV acomete homens e mulheres igualmente. Enquanto, Robinson et al. (1997)5 apresentam uma maior proporção em mulheres.

Esta doença se caracteriza pela presença de auto-anticorpos do tipo IgG específicos, principalmente IgG1 e IgG4, para o epitélio estratificado escamoso, promovendo a ligação antígeno-anticorpo, induzindo a ativação de proteinases, como o plasminogênio ativado liberado pelos queratinócitos, que é então transformado em plasmina, causando lise da substância intercelular, chamada de glicocálice, sendo a causa da ruptura entre as pontes intercelulares normais dos desmossomos das proteínas do tipo caderina. Devido a este processo auto-imune, ocorre uma perda da adesão celular, caracterizando a acantólise. No PV encontra-se a participação de um auto-anticorpo (IgG) que destrói as desmogleínas 3 e 1, sendo que a desmogleína 3 é relacionada ao pênfigo vulgar mucoso, enquanto a desmogleína 1 é relacionada ao pênfigo vulgar cutâneo. Portanto, são essas destruições destes tecidos (desmogleína 1 e 3) que promovem a formação de fendas intra-epiteliais (Bento et al. 2002; Cahali et al. 2002) 6.

Regezi & Sciubba (1991)7 acredita que o sistema complemento participe da etiologia do pênfigo, desempenhando um papel de reforço. Entre eles encontram-se o componente C3 do complemento ativado, C1q e C4 da via clássica. Estudos indicam uma predisposição genética para o pênfigo, pois alguns antígenos de histocompatibilidade predispõem ao aparecimento da doença. Entende-se que para o desenvolvimento do pênfigo vulgar é necessário a presença de fatores endógenos, como defeitos imunológicos, e fatores exógenos, como vírus, drogas e agentes físicos.

São bolhas de diâmetros variáveis, superficial ou profunda, de conteúdo seroso claro, purulento ou sanguinolento, podendo ser rompidas ao menor trauma, formando erosões superficiais irregulares, leito avermelhado e dolorido, que logo são recobertas por um tipo de pseudo-membrana circundadas por eritema difuso, podendo evoluir para infecção (Williams et al. 1990)8.

De acordo com Regezi & Sciubba (1991)7, em 60% dos casos de PV, os principais sinais da doença são na mucosa bucal, cujas lesões precedem as cutâneas em um período de um a dois anos.

O principal achado ao exame físico pode ser a presença de lesões exulceradas na mucosa oral, semelhantes a aftas (Figuras 1, 2 e 3), sem diferença entre os sexos.

Existem relatos de gengivite descamativa em alguns casos de PV. Em relação aos sintomas, o paciente costuma apresentar ardor intenso e sialorréia, resultando em dificuldade de deglutição e fonação.

Segundo Castro (1992)9 e Bento et al. (2002)6, o diagnóstico baseia-se na analise de um conjunto de fatores, os aspectos clínicos, sinal de Nikolsky, que consiste no desprendimento das camadas superficiais da mucosa das camadas inferiores com uma ligeira fricção, e exame histopatológico, que evidencia bolhas acantolíticas ou células de Tzanck intra-epidermicas baixas, logo acima da membrana basal.

O diagnóstico também pode ser confirmado pela imunofluorescência direta, com sensibilidade de 80 a 95%, através de biopsia que demonstra a presença de IgG e a fração C3 do complemento fixados na substância intercelular do epitélio pavimentoso estratificado. A imunofluorescência indireta utiliza o soro do paciente para demonstrar a presença e a concentração de anticorpos circulantes, sendo útil no monitoramento da doença durante tratamento clínico com corticosteróide. Resultados negativos na imunofluorescência são bons indicadores de prognóstico, caso o paciente esteja em remissão.

O diagnóstico diferencial do PV engloba, segundo Castro (1992)9, outras lesões vesículo-bolhosas e ulcerativas na boca, incluindo líquen plano erosivo, gengivoestomatite herpética, candidose, penfigóide, estomatite aftosa recorrente e gengivite descamativa crônica.

Atualmente é unânime dizer que o tratamento consiste corticoterapia sistêmica, então a prednisona tem sido a droga de escolha para a maioria dos autores, inclusive Pires et al. (1999)10, apresentando os melhores resultados no controle da doença, sendo utilizado por períodos longos, durante meses ou anos, até a negativação da imunofluorescência indireta. Alguns pacientes apresentam efeitos adversos mesmo em doses baixas de prednisona, nestes casos, o deflazacort em doses não superiores a 60 mg/dia apresenta-se como a melhor opção nestas situações. Segundo Bento et al. (2002)6, podem-se associar drogas imunossupressoras, como azatioprina, ciclosporina, ciclofosfamida, prostaglandina E2, clorambucil, levamizol e imunoglobulinas. A antibioticoterapia coadjuvante combate a infecção secundária.

Este trabalho tem por objetivo mostrar e comparar as características da manifestação oral do PV em cada sexo, como prevalência, e a idade mais freqüente de acometimento, em pacientes procedentes de Manaus - Amazonas, região com poucos estudos sobre esta doença, que é de suma importância na otorrinolaringologia.

 

Figura 1 - Lesão oral de PV em palato

Figura 2 - Lesão oral de PV em borda da língua

Figura 3 - Lesão oral de PV em lábio inferior

 

Material e Método

Foram identificados 13 pacientes com manifestação oral do pênfigo em um total de 38.457 atendimentos clínicos, sendo realizada revisão de prontuários em serviço ambulatorial (consultório privado) de otorrinolaringologia e cirurgia cérvico-facial, na cidade de Manaus-AM, no período de janeiro de 1976 a dezembro de 2006. Estes pacientes foram separados de acordo com o sexo e idade.

Os resultados foram expressos em gráfico, relacionando a idade e o sexo, onde a cor azul é referente ao sexo masculino e a vermelha ao sexo feminino. Separados em faixas etárias de 8 a 14, 15 a 25, 26 a 35, 36 a 45, 46 a 55, 56 a 65 anos, com a média de 36,5 anos.

Resultados

No presente estudo foram analisados 13 pacientes com manifestações orais do pênfigo vulgar, sendo 9 (69,2%) do sexo feminino e 4 (30,8%) do sexo masculino.

Dos 8 aos 14 anos de idade, foram encontrados 2 pacientes do sexo feminino e 3 do sexo masculino, dos 15 aos 25 anos, 1 paciente para cada sexo, dos 26 aos 35 anos, observou-se 3 pacientes apenas do sexo feminino, dos 36 aos 45, dos 46 aos 55 e dos 56 aos 65 anos, foram encontrados em cada um destes intervalos, 1 paciente do sexo feminino, conforme apresentado no gráfico 1.

A idade variou de 8 a 65 anos, com média de 36,5 anos. Comparando a idade entre os sexos, observamos que, no sexo masculino, as manifestações orais do pênfigo vulgar foram mais precoces, ocorrendo entre 8 a 25 anos, enquanto que no sexo feminino essas manifestações ocorreram em todas as faixas etárias estudadas.

 

 

 

 

Discussão

O pênfigo vulgar é uma doença considerada pela maioria dos autores de prognóstico sombrio, podendo ser fatal acima de 90% dos casos. O diagnóstico e o tratamento são de origem multidisciplinar, pois fazem parte dos mesmos meios de dentistas, otorrinolaringologistas e dermatologistas. Neste estudo buscamos avaliar características epidemiológicas dos indivíduos diagnosticados por PV oral em nosso serviço, comparando o sexo e idade.

Quanto ao número de pacientes estudados, foram detectados em 30 anos, 13 pacientes portadores de PV oral. Onde os principais resultados obtidos foram às diferenças entre o número de homens e mulheres acometidos e idade de apresentação.

Em relação à incidência de PV oral quanto ao sexo, existem discordâncias na literatura. Wanke et al. (1990)4 afirmam que acometem ambos os sexos igualmente, enquanto, Robinson et al. (1997)5 apresentam uma proporção maior de mulheres. Em nosso estudo houve concordância com os autores que afirmam ser o sexo feminino o mais acometido, mostrando uma relação de 3,25:1, semelhantes a outras doenças auto-imunes. Observamos que nos homens o PV oral manifesta-se mais precocemente quando comparados ao sexo feminino.

 

Conclusão

Podemos verificar neste estudo que o PV é uma enfermidade rara, porém capaz de apresentar efeitos sistêmicos e de prognóstico nebuloso na maioria dos casos, justificando a sua grande importância para a Otorrinolaringologia. A manifestação oral do PV prevalece no sexo feminino, com uma relação de 3,25:1, já a idade de incidência foi menor em homens.

 

Referências Bibliográficas

  1. Thomas CL. Dicionário Médico Enciclopédico Saber. São Paulo: Manole, 2000; 2279 p.
  2. Barrientos et al. Pênfigo Seborréico de Inicio Tardio. Act Dermatol Dermatopatol 2002; 2 (1e2): 22-24.
  3. Tommasi AF. Diagnóstico em Patologia Bucal. São Paulo: Pancast, 1998; p. 765-771.
  4. Wanke CF, Silva MM, Brandão MG, Maceira J. Tratamento de pênfigos: revisão de 31 casos. An Bras Dermastol 1990; 65(3): 119-122.
  5. Robinson JC, Lozada-Nur F, Frieden I. Oral pemphigus vulgaris: a review of the literature and a report on the management of 12 cases. Oral Surg Oral Med Oral Pathol Oral Radiol Endod 1997; 84(4): 349-355.
  6. Bento PM et al. Pênfigo Vulgar - Relato de um caso clínico com comprometimento de pele e mucosa oral. Rev Odonto Ciência 2002; 17 (36).
  7. Regezi JA. & Sciubba J.J. Patologia Bucal:Correlações clinicopatológicas. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan; 1991. 390 p.
  8. Willians DM. Vesiculo-bullous mucocutaneos disease: Begin mucous membrane and buloous penphigoid. J Oral Pathol Med 1990; 19 (1): 16-23.
  9. Castro AL. Estomatologia. São Paulo: Editora Santos, 1992. 350 p.
  10. Pires et al. Pênfigo Vulgar: características clínicas, evolução e manejo de 9 casos acometendo a cavidade bucal. Rev. RPG. Fac. Odont.Univ. SãoPaulo 1999; 6 (1): 31-37.

Figura 1

Lesão oral de PV em palato

Figura 2

Lesão oral de PV em borda da língua

Figura 3

Lesão oral de PV em lábio inferior

Suplemento
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