ABORLccfRevista Brasileira de Otorrinolaringologia

Relato de Caso

Abscesso Cerebral Otogênico
Otogenic cerebral Abscess

Autores:

Andreia Ellery Frota (Médico residente do serviço de otorrinolaringologia do Hospital dos Servidores do Estado do Rio de Janeiro. ) Médico residente do serviço de otorrinolaringologia do Hospital dos Servidores do Estado do Rio de Janeiro.

Felipe Barbosa Madeira. (Staff do serviço de otorrinolaringologia do Hospital dos Servidores do Estado do Rio de Janeiro. ) Staff do serviço de otorrinolaringologia do Hospital dos Servidores do Estado do Rio de Janeiro.

Samuel Rachid de Vasconcelos (Médico residente do serviço de otorrinolaringologia do Hospital dos Servidores do Estado do Rio de Janeiro. ) Médico residente do serviço de otorrinolaringologia do Hospital dos Servidores do Estado do Rio de Janeiro.

Palavras-Chave
abscesso cerebral, abscesso cerebral otogênico, colesteatoma, otite média colesteatomatosa.

Resumo
Introdução: A otite média crônica (OMC) colesteatomatosa pode predispor à ocorrência de complicações infecciosas intratemporais e extratemporais. Atualmente, a complicação intracraniana mais comum é a meningite, seguida por abscesso cerebral e trombose do seio lateral. Objetivos: Descrever dois casos clínicos de abscesso cerebral secundários à OMC colesteatomatosa e rever a literatura relacionada. Discussão: Dos abscessos cerebrais, 30 a 40% são de origem otogênica.Dos abscessos cerebrais otogênicos, o tipo mais comum é o extradural. O tratamento clínico isolado pode ser realizado em pacientes oligossintomáticos, sem alteração da consciência, sem sinais de hipertensão intracraniana, com abscessos menores que 3,5 cm e principalmente em pequenos e múltiplos abscessos. Abscessos grandes, únicos e superficiais devem ser tratados com craniotomia com excisão de cápsula. Se localizados profundamente, devem ser puncionados. O foco primário otogênico deve ser erradicado no mesmo ato cirúrgico. Comentários finais: A principal causa de abscesso cerebral otogênico é a OMC colesteatomatosa. A decisão de abordagem do abscesso cerebral otogênico durante a timpanomastoidectomia depende principalmente das dimensões do abscesso. A simples drenagem do abscesso cerebral sem a timpanomastoidectomia nos casos de OMC colesteatomatosa mantém o processo infeccioso, com alta taxa de recidiva do abscesso.

Keywords
cerebral abscess, otogenic cerebral abscess, cholesteatoma, chronic otitis media with cholesteatoma

Abstract
Introduction: Ear infection secondary to chronic otitis media with cholesteatoma can generate complications inside and outside the temporal bone. Actually, the most common intracranial complication is meningitis, followed by cerebral abscess and lateral sinus thrombophlebitis. Goals: To describe two cases of cerebral abscess secondary to chronic otitis media with cholesteatoma and to review related literature. Discussion: Of all the cerebral abscesses, 30% to 40% are secondary to ear infections. Of the otogenic cerebral abscess, the more common presentation is the extradural in temporal lobe. Clinical treatment alone can be carried on cases with few symptoms, no consciousness changes, without signals of intracranial hypertension, in small abscesses (smallerer than 3,5 cm) and in small and multiple abscesses. Large, individual and superficial abscesses must be treated with craniotomy with removal of its capsule. If deeply located, the abscess must be drained. The primary ear infectious focus must be treated at the same surgical time. Final commentaries: The main cause of the otogenic cerebral abscesses is chronic otitis media with cholesteatoma. Decision about treating cerebral abscess during tympanomastoidectomy depends mainly on the dimensions of the abscess; simple drainage of the cerebral abscess without tympanomastoidectomy keeps the infectious process with high taxes of return of the abscess.

 

Instituição: Hospital dos Servidores do Estado do Rio de Janeiro.

Suporte Financeiro:

Introdução:

      A infecção da orelha pode gerar complicações intratemporais e extratemporais. As extratemporais podem ser intracranianas ou extracranianas4,5. Atualmente, a complicação intracraniana mais comum é a meningite. A otite média crônica (OMC) colesteatomatosa constitui o principal foco otogênico causador de abscesso cerebral4,6,7.

 

Apresentação dos casos:

Caso 1: masculino, 17 anos, com história de otorréia crônica fétida à esquerda há oito anos. Realizada tomografia computadorizada (TC) de mastóides, revelando imagem compatível com OMC colesteatomatosa à esquerda. Realizada TC de crânio com contraste venoso, evidenciando dois abscessos cerebrais em região temporal esquerda de 6,0 x 5,0 cm e 0,8 x 0,8 cm respectivamente (figura I). Paciente refere realização de duas drenagens cirúrgicas prévias do maior abscesso há dois e três meses.

Realizada timpanomastoidectomia radical esquerda associada a craniotomia esquerda com drenagem por punção do maior abscesso cerebral temporal (guiada por ultrassonografia) sem excisão da cápsula. Administrado ceftriaxone, metronidazol e oxacilina endovenosos por oito semanas. 

A cultura do material colhido do abscesso intracraniano evidenciou crescimento de Aspergillus sp. A cultura do material colhido da orelha evidenciou crescimento de Staphiloccocus aureus e Streptoccocus alfa hemolítico. Realizada TC de crânio quatro meses após a cirurgia evidenciando regressão completa dos abscessos. 

Caso 2: feminino, 24 anos, apresentando otorréia fétida crônica direita há sete anos, associada à otomastoidite aguda direita. Realizada TC de mastóides revelando imagem compatível com OMC colesteatomatosa direita. Realizada TC de crânio com contraste venoso evidenciando abscesso cerebral epidural em região temporal direita de 2,0 x 0,7 cm.

Realizada timpanomastoidectomia radical direita, sem drenagem do abscesso cerebral. Administrado metronidazol, oxacilina e ceftriaxona endovenosos por seis semanas.

A cultura do material colhido na aspiração do abscesso retroauricular direito evidenciou crescimento de Staphiloccocus aureus e Streptoccocus alfa hemolítico. Realizada TC de crânio cinco meses após a cirurgia evidenciando regressão completa dos abscessos. 

 

 

Discussão:

A infecção da orelha pode gerar complicações intratemporais (perfuração da membrana timpânica, perda auditiva, lesões ossiculares, paralisia facial, mastoidite, labirintite e petrosite) e extratemporais. As complicações extratemporais podem ser intracranianas (abscesso do sistema nervoso central, meningite, tromboflebite do seio lateral e hidrocefalia otítica) e extracranianas (abscesso retroauricular, zigomático e abscesso de Bezold)4,5,8.

Atualmente, a complicação intracraniana de origem otogênica mais comum é a meningite, seguida por abscesso cerebral, trombose do seio lateral1,4,5,8, abscesso cerebelar, hidrocefalia otítica e trombose do seio cavernoso, em ordem decrescente de ocorrência8.

A probabilidade de complicações intracranianas otogênicas é maior em indivíduos do sexo masculino, jovens (principalmente 18 a 20 anos) e pacientes com longo tempo de evolução do processo supurativo2,4,7. A antibioticoterapia deve ser mantida por, no mínimo, seis a oito semanas3, administrada por via endovenosa. A antibioticoterapia deve cobrir germes gram-negativos, gram-positivo e anaeróbios4.

O tratamento ideal dos abscessos do sistema nervoso central permanece controverso. São opções de tratamento a antibioticoterapia isolada, trepano-punção e aspiração, trepano-punção com drenagem e irrigação da cavidade com antibióticos, craniotomia com drenagem com ou sem excisão da cápsula, drenagem estereotática guiada por TC ou ressonância magnética, ou drenagem neuroendoscópica3.  

O tratamento clínico isolado pode ser realizado em pacientes oligossintomáticos, sem alteração da consciência, sem sinais de hipertensão intracraniana, com abscessos menores que 3,5 cm e principalmente em pequenos e múltiplos abscessos3. Abscessos grandes, únicos e superficiais devem ser tratados com craniotomia com excisão de cápsula. Se localizados profundamente, devem ser puncionados, guiados por estereotaxia ou neuroendoscopia3, como realizado no caso número um.

No tratamento cirúrgico do abscesso cerebral, o foco primário otogênico deve ser erradicado no mesmo ato cirúrgico2.

 

Comentários Finais:

  1. A principal causa de abscesso cerebral otogênico é a otite média crônica colesteatomatosa;
  2. A decisão de abordagem do abscesso cerebral otogênico durante a timpanomastoidectomia depende principalmente das dimensões do abscesso;
  3. A simples drenagem do abscesso cerebral sem a timpanomastoidectomia nos casos de otite média colesteatomatosa mantém o processo infeccioso com alta taxa de recidiva do abscesso.

 

Bibliografia:

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figura I

TC de crânio, corte axial - abscesso temporal esquerdo de 6,0 cm x 5,0 cm (seta preta) e abscesso de 0,8 cm x 0,8 cm (seta branca).

Suplemento
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