ABORLccfRevista Brasileira de Otorrinolaringologia

Relato de Caso

Abscesso orbitário secundário a dacriocistite aguda via etmóide anterior.
Orbital abscess secondary to acute dacryocistitis due to anterior ethmoid.

Autores:

Gustavo Martins de Mattos (Médico Residente) Médico Residente

Wilma Terezinha Anselmo Lima (Professora Associada do Hospital das Clínicas do Departamento de Oftalmologia, Otorrinolaringologia e Cirurgia de Cabeça e Pescoço da FMRP-USP.) Professora Associada do Hospital das Clínicas do Departamento de Oftalmologia, Otorrinolaringologia e Cirurgia de Cabeça e Pescoço da FMRP-USP.

Antônio Augusto Velasco e Cruz (Professor Titular do Hospital das Clínicas do Departamento de Oftalmologia, Otorrinolaringologia e Cirurgia de Cabeça e Pescoço da FMRP-USP) Professor Titular do Hospital das Clínicas do Departamento de Oftalmologia, Otorrinolaringologia e Cirurgia de Cabeça e Pescoço da FMRP-USP

Fabiana Cardoso Pereira Valera (Médico Assistente do Hospital das Clínicas do Departamento de Oftalmologia, Otorrinolaringologia e Cirurgia de Cabeça e Pescoço da FMRP-USP) Médico Assistente do Hospital das Clínicas do Departamento de Oftalmologia, Otorrinolaringologia e Cirurgia de Cabeça e Pescoço da FMRP-USP

Ricardo Cassiano Demarco (Médico Assistente do Hospital das Clínicas do Departamento de Oftalmologia, Otorrinolaringologia e Cirurgia de Cabeça e Pescoço da FMRP-USP.) Médico Assistente do Hospital das Clínicas do Departamento de Oftalmologia, Otorrinolaringologia e Cirurgia de Cabeça e Pescoço da FMRP-USP.

Palavras-Chave
Abscesso orbitário, Dacriocistite, Epífora, Proptose, Saco lacrimal.

Resumo
Paciente do sexo feminino, 39 anos, com quadro de epífora crônica e dacriocistites de repetição do lado esquerdo apresentou há 1 semana nodulação em canto medial do olho esquerdo com saída de secreção purulenta. Evoluiu, há 2 dias, com edema, dor local, febre, restrição a motilidade ocular e proptose. Tomografia Computadorizada de órbitas mostrou abscesso do saco lacrimal esquerdo, velamento etmoidal anterior e coleção orbitária ínfero-medial. Feito o diagnóstico de abscesso orbitário secundário a dacriocistite aguda esquerda, a paciente foi tratada com antibioticoterapia endovenosa, drenagem cirúrgica do abscesso orbitário e dacriocistorrinostomia subseqüente.

Keywords
Orbital abscess, Dacryocistitis, Epiphora, Proptose, Lachrymal sac.

Abstract
Female, 39 years-old, with chronic epiphora and repetitive dacryocistitis on the left side. She had been presenting a week ago a nodulation in the medial side of the left eye with outputting of purulent secretion. She had developed, 2 days ago, tumescence, local pain, fever, restriction of the ocular mobility and proptose. Computerized Tomography of orbits showed abscess of the left lachrymal sac, a blur of the anterior ethmoid and orbital collection. Done the diagnosis of orbital abscess secondary to dacryocistitis on the left side, the patient was treated with intravenous antibiotic therapy, surgical drainage of the orbital abscess and subsequent dacryocystorhinostomy.

 

Instituição: Disciplina de Otorrinolaringologia da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto - Universidade de São Paulo (FMRP-USP).

Suporte Financeiro:

Introdução
 
    O bloqueio parcial ou total do ducto nasolacrimal pode ser decorrente do desenvolvimento anômalo das vias lacrimais, infecções nasais crônicas, infecções oculares graves ou recorrentes, mucoceles, cálculos e tumores ou fraturas dos ossos nasais ou da face.1
    A dacriocistite aguda é a infecção do saco lacrimal decorrente da estagnação do fluido lacrimal.
    Como o saco lacrimal é uma estrutura anterior, ou seja, pré-septal as dacriocistites agudas se não controladas fistulizam para a pele. A extensão orbitária (pós-septal) é extremamente rara e perigosa pois, em geral, resulta na formação de abscesso orbitário, o que pode causar comprometimento visual importante.
 
Relato de caso
 
    Trata-se de uma paciente do sexo feminino, 39 anos, que há 8 meses iniciou quadro de epífora crônica no olho esquerdo e dacriocistites de repetição.
    Foi atendida no serviço de Oftalmologia do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo apresentando há 1 semana nodulação em canto medial do olho esquerdo com saída de secreção purulenta, progredindo há 2 dias para edema, dor ocular e febre. Estava em uso de Cefalexina, via oral, 500mg de 6/6 horas há 1 dia.
    A acuidade visual estava diminuída no olho esquerdo (AVOD = 1 e OE = 0.2). As ducções do OE estavam limitadas em todas as direções com dor às rotações oculares para cima e para baixo. Reflexos pupilares presentes e normais. No olho esquerdo notava-se edema acentuado de pálpebra superior e inferior que não permitia a abertura ocular espontânea, secreção muco-purulenta em pequena quantidade no fundo de saco inferior, hiperemia conjuntival, quemose e proptose acentuados.
    Foi iniciada antibioticoterapia com Ceftriaxona EV 2g de 12/12 horas. O hemograma apresentava uma leucocitose sem desvio escalonado. A tomografia computadorizada (TC) de órbitas mostrava dilatação e velamento do saco lacrimal esquerdo, velamento etmoidal anterior, associado à proptose com comprometimento pré e pós-septal, compatível com uma celulite orbitária, secundária a dacriocistite. (Figura A e B)
    Após 2 dias de internação houve acentuação da proptose e piora do edema palpebral esquerdo. Nova TC de órbitas evidenciou claramente a formação de abscesso orbitário esquerdo. (Figura C)
    Foi drenado o abscesso orbitário via tansconjuntival com saída de secreção francamente purulenta cuja cultura resultou no crescimento de 2 organismos anaeróbios: Peptostreptococcus prevotii e Provetella melaninogenica. Foi deixado dreno de Penrose® e a paciente evoluiu para a cura do abscesso, com normalização das rotações oculares, posição do globo e da acuidade visual. Posteriormente, foi  submetida à dacriocistorrinostomia com desobstrução das vias lacrimais.
 
Discussão:
 
    Os pacientes com obstrução do ducto nasolacrimal procuram tratamento principalmente para alívio dos sintomas de epífora e irritação ocular.1 Nos casos de dacriocistites agudas não tratadas a norma é a extensão anterior do processo com formação de fístulas cutâneas. A extensão orbitária é extremamente rara.1 Isso se deve ao fato do saco lacrimal estar localizado anteriormente ao septo orbitário que se insere na crista lacrimal posterior. Além disso, existe um verdadeiro diafragma posterior ao saco lacrimal formado pela fascia lacrimal, ramo posterior do ligamento cantal medial e músculo de Duverney-Horner.2
    A extensão orbitária de dacriocistites agudas poderia resultar do enfraquecimento das estruturas posteriores ao saco lacrimal em virtude da presença de infecção crônica do saco lacrimal. Outra hipótese é a infecção, por contigüidade, do seio etmoidal anterior e deste para a órbita através da lâmina papirácea deiscente. Aparentemente, como sugere a figura A, esse foi o mecanismo do presente caso. Vale a pena lembrar que as células etmoidais freqüentemente se estendem anteriormente sob o osso lacrimal em cerca de 93% dos casos, segundo estudo de Blaylock.3 
   Dados da literatura indicam que as celulites orbitárias de origem rinossinusal são polimicrobiana em adultos com freqüente participação de anaeróbios. No presente caso, embora a infecção tenha se originado no saco lacrimal houve isolamento de dois germes anaeróbios.
   O tratamento cirúrgico ideal consiste na drenagem do abscesso associado a dacriocistorrinostomia via externa ou endoscópica nasal.
   Concluindo, foi relatada a evolução de uma dacriocistite crônica agudizada para um abscesso orbital com um provável papel facilitador, por contigüidade, do seio etmoidal anterior. O pronto reconhecimento dessa condição e o tratamento adequado são essenciais para a prevenção da perda visual. A dacriocistite aguda não tratada é um fator de risco para a extensão orbital e portanto a dacriocistorrinostomia além de ser o tratamento definitivo da dacriocistite é a prevenção dessa grave complicação ocular.
 
Bibliografia
 
 
1. Kikkawa DO, Heinz GW, Martin RT, Nunery WN, Eiseman AS.
Orbital cellulitis and abscess secondary to dacryocistitis.
Arch Ophthalmol. 2002 Aug; 120 (8): 1096-9.
 
2. Schmitt NJ, Beatty RL, Kennerdell JS.
Superior Ophthalmic vein thrombosis in a patient with dacryocistitis-induced orbital cellulitis.
Ophthal Plast Reconstr Surg. 2005 Sep; 21 (5): 387-9.
 
3. William K. Blaylock, MD; Charles A. Moore, MD; John V. Linberg, MD.
Anterior Ethmoid Anatomy Facilitates Dacryocystorhinostomy.
Arch Ophthalmol. 1990 Dec; 108 (12): 1774-7.

Tomografia Computadorizada de Órbitas

Figura A - Esquerda acima: Tomografia computadorizada de órbitas: Corte coronal com janela óssea mostrando dilatação do ducto nasolacrimal, velamento parcial do labirinto etmoidal esquerdo. Há também velamento da gordura inferomedial da órbita esquerda. Figura B - Direita acima: Tomografia computadorizada de órbitas: Corte axial mostrando sinais e formação de coleção ínferomedial na órbita esquerda com compressão do globo ocular. Figura C - Abaixo: Tomografia computadorizada de órbitas: Abscesso orbitário esquerdo ínfero-medial com compressão do globo ocular.

Suplemento
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