ABORLccfRevista Brasileira de Otorrinolaringologia

Trabalho Clínico

O EDEMA DE REINKE É UMA LESÃO PRÉ-NEOPLÁSICA? ASPECTOS CLÍNICOS E MORFOLÓGICOS
REINKE'S EDEMA IS A PREMALIGNANT LESION? CLINICAL AND MORPHOLOGICAL ASPECTS

Autores:

Regina Helena Garcia Martins (Professora Livre Docente da Disciplina de Otorrinolaringologia daFaculdade de Medicina de Botucatu - Unesp.) Professora Adjunta da Disciplina de Otorrinolaringologia da Universidade Estadual Paulista-Unesp, Campus de Botucatu

Alexandre Todorovic Fabro (Médico Residente ) Médico Residente do Departamento de Patologia da Faculdade de Medicina de Botucatu (UNESP).

Maria Aparecida Custódio Domingues (Professora Doutora ) Professora Doutora do Departamento de Patologia da Faculdade de Medicina de Botucatu (UNESP).

Andréa Peiyun Chi (Médica Residente ) Médica Residente da Disciplina de Otorrinolaringologia da Faculdade de Medicina de Botucatu - Unesp.

Palavras-Chave
edema de Reinke, morfologia, laringe, displasia, carcinoma.

Resumo
Edema de Reinke é processo inflamatório crônico da laringe provocado pelo tabagismo, sendo mais freqüente nas mulheres. Poucos estudos histopatológicos destacam sua associação com displasias e malignização. Objetivos: detectar, no edema de Reinke, possíveis alterações morfológicas pré-neoplásicas. Métodos: foram revisadas 31 lâminas de portadores de edema de Reinke submetidos à cirurgia, nos 3 últimos anos, no serviço onde foi realizada a pesquisa. Na casuística, 3 pacientes possuíam entre 20 e 40 anos, 27 entre 41 e 60 anos e 1 mais que 61 anos. As mulheres totalizaram 24 casos e os homens 7, sendo todos fumantes crônicos. Os parâmetros histológicos estudados foram: hiperplasia, queratose, displasia, carcinoma, espessamento da membrana basal e aumento de vasos. As alterações epiteliais foram classificadas em graus de 0 a 3, dependendo da intensidade. Os estudos de microscopia eletrônica (varredura - MEV e transmissão - MET) foram prospectivos, utilizando-se 5 peças para cada um. Resultados: microscopia de luz - constatou-se alterações de grau 0 - n-5; grau I - n-20; grau 2 - n-5; grau 3 - n-1; espessamento da membrana basal - n-26; aumento de vasos - n-9. MEV - as alterações mais marcantes foram: diminuição do pregueamento da mucosa e seu aspecto impermeabilizado. MET - detectou-se: hiperplasia epitelial, alterações estruturais das células basais, fluido nas junções celulares, material heterogêneo ou rede densa de colágeno subepitelial, falhas de adesão e pontos de interrupção da membrana basal, vasos dilatados e células inflamatórias. Conclusões: edema de Reinke pode sediar displasias de diferentes graus, sendo necessário seguimento desses pacientes.

Keywords
Reinke's edema, morphology, larynx, dysplasia, carcinoma

Abstract
Reinke's edema is a chronic inflammatory laryngeal process caused by smoking. It is more frequently in females. Few studies show its association with displasias and malignization. Objectives: To detect, in Reinke's edema, possible pre-neoplastic morphological alterations. Methods: we reviewed 31 slides from patients with Reinke's edema who had been submitted to surgery, in the last 3 years, by the healthcare service where the study was conducted. In the study, 3 patients were 20 to 40 years old, 27 were 41 to 60 and 1 was older than 61. Females totaled 24 cases and males 7, all of whom were smokers. The histological parameters studied were: hyperplasia, keratose, displasia, carcinoma, basal membrane thickening and vessel increase. Epithelial alterations were classified in levels from 0 to 3. Electron microscopy studies (scanning - MEV and transmission - MET) were prospective and used 5 pieces each. Results: light microscopy - alterations of level 0 - n-5; level 1 - n-20; level 2 - n-5; level 3 - n-1; basal membrane thickening - n-26 and vessel increase - n-9 were found. MEV - the most remarkable alterations were: decrease in mucosa folding and its impervious aspect. MET - epithelial hyperplasia, structural alterations of basal cells, fluid in cell junctions, heterogeneous material or a thick network of subepithelial collagen, adhesion failures and interruption points in the basal membrane, dilated vessels and inflammatory cells were detected. Conclusion: Reinke's edema may shelter displasias of different levels, thus these patient's follow-up is required.

 

Instituição: Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesaquita Filho, Faculdade de Medicina de Botucatu, Unesp

Suporte Financeiro: Fundunesp

 

INTRODUÇÃO

Edema de Reinke, também denominado de cordite polipóide, corresponde ao edema crônico, que expande toda a camada superficial da lâmina própria (espaço de Reinke), conferindo aspecto "gelatinoso" e pesado às pregas vocais (figura 1). O tabagismo é referido pela maioria dos pacientes e parece ser o principal fator responsável pelas alterações estruturais observadas nessa lesão. Para alguns autores, a doença do refluxo gastroesofágico também contribui para o seu desenvolvimento1. Pacientes com edema de Reinke são geralmente fumantes inveterados e têm o hábito de ingerir café com certa freqüência. A associação dessas substâncias (cafeína e nicotina) é mais um fator predisponente ao desenvolvimento da doença do refluxo gastroesofágico, uma vez que ambas diminuem a pressão dos esfíncteres esofágicos, facilitando a regurgitação do conteúdo ácido.

O edema de Reinke altera, consideravelmente, as qualidades vocais, levando a diminuição acentuada da freqüência fundamental. A voz da mulher torna-se masculinizada, sendo muitas vezes confundida, ao telefone, à do homem. Por motivos ainda não totalmente esclarecidos, o edema de Reinke é mais freqüente entre as mulheres e um dos motivos parece ser a maior preocupação destas com suas qualidades vocais, incomodando-se com a transformação da voz em tom mais grave, o que faz com que procurem o serviço médico mais precocemente2. Outros fatores responsáveis pela predisposição da lesão ao gênero feminino são as possíveis alterações estruturais da lâmina própria da laringe da mulher, como a menor concentração de ácido hialurônico nas camadas superficiais, substância importante na reparação tecidual, em situações de traumatismo3,4. Pastuszek et al.5 avaliaram 261 pacientes portadores de edema de Reinke e constataram que 203 deles eram mulheres, referindo tabagismo crônico, na totalidade dos casos.

Visando melhor compreensão das alterações das pregas vocais causadas no edema de Reinke, Remacle et al6 e Volic et al7, em estudo histológico, destacaram as alterações mais marcantes dessa lesão, como a hiperplasia epitelial, o espessamento da membrana basal, o edema no córion, a congestão dos vasos e a fibrose, sem destaque para as displasias epiteliais. Ressaltaram, entretanto, que essas alterações não são patognomônicas do edema de Reinke, sendo observadas também nos nódulos e pólipos vocais.

Gray et al 8 e Courey et al.9 afirmam que, como a lâmina própria é praticamente acelular, as colorações com hematoxilina-eosina fornecem poucas pistas, dando-se preferência aos estudos ultraestruturais e imunoistoquímicos. Utilizaram anticorpos contra colágeno IV e fibronectina e observaram maior espessamento da membrana basal nos nódulos às custas do depósito da fibronectina e do colágeno IV, sendo interpretado como resposta ao trauma fonatório. Em seus resultados, pólipos e edema de Reinke apresentaram também aumento da espessura da membrana basal, porém em menor grau.

Neves et al.10 realizaram estudo histopatológico e imunoistoquímico utilizando anticorpos contra laminina e colágeno IV, em lesões laríngeas (9 nódulos, 8 pólipos e 9 edema de Reinke) e observaram maior imunoexpressão da laminina e do colágeno IV nos nódulos vocais, bem como maior espessamento da membrana basal, quando comparados aos pólipos. Os autores avaliaram também os graus de alterações epiteliais nessas lesões (hiperplasia epitelial, queratose, acantose, paraqueratose, disqueratose e discariose), utilizando escala de graduação de intensidade de 0 a 3. Baseados nessas alterações epiteliais, os autores não conseguiram diferenciar as lesões estudadas, recebendo, cada uma delas, pontuações muito próximas.

Pastuszek et al.5 acrescentaram análise ultraestrutural em 10 casos de edema de Reinke e observaram edema subepitelial (resultante, provavelmente, das alterações da permeabilidade dos vasos da lâmina própria), perda das junções intercelulares (principalmente nas células da camada basal), leucoplasia e displasia epitelial leve. Para esses autores, essas alterações indicam possível sofrimento epitelial, provavelmente decorrente do fonotraumatismo que se instala, secundariamente às alterações das pregas vocais provocadas pelo tabagismo.

Sabe-se, entretanto, que nem todos os pacientes fumantes crônicos desenvolvem edema de Reinke; além disso, sua transformação maligna é rara, mesmo tendo como principal fator etiológico o tabagismo. Esses fatos intrigam os pesquisadores e estimulam estudos morfológicos mais criteriosos e mais enfáticos na busca de alterações epiteliais pré-neoplásicas, pouco enfocadas nas diversas pesquisas.

 

OBJETIVOS

Detectar, no edema de Reinke, por meio de microscopia de luz e eletrônica:

8possíveis  alterações morfológicas pré-neoplásicas.

 

CASUÍSTICA E MÉTODOS

O projeto recebeu parecer do Comitê de Ética em Pesquisas em Seres Humanos da instituição onde foi realizado.

Casuística - realizou-se revisão histopatológica de 31 lâminas de pacientes portadores de edema de Reinke que haviam sido submetidos a microcirurgia de laringe, nos três últimos anos, para a remoção da lesão. Esses pacientes eram seguidos nos ambulatórios de distúrbios da voz da Instituição onde a pesquisa foi realizada e apresentavam diagnóstico clínico e endoscópico confirmando a lesão, segundo critérios aceitos na literatura11,12. Com relação à faixa etária, três pacientes possuíam entre 20 e 40 anos, 27 entre 41 e 60 anos e apenas um paciente possuía mais 60 anos. Quanto ao gênero, 24 pacientes eram mulheres e 7 eram homens.O hábito de fumar foi relatado por todos os pacientes.

Métodos - Microscopia de luz - as lâminas previamente coradas pela hematoxilina-eosina (HE), de 31 pacientes portadores de edema de Reinke foram revisadas para análise histopatológica minuciosa, atentando-se para a presença de hiperplasia, queratose, displasia, carcinoma in situ, espessamento da membrana basal e aumento do número de vasos.

Para a avaliação das alterações epiteliais adotou-se a classificação de Hellquist et al13 , como se segue: grau 0 - sem alterações epiteliais, grau 1- hiperplasia epitelial e/ou queratose com ou sem diaplasia leve, grau 2- displasia moderada, grau 3 - displasia severa ou carcinoma in situ. O espessamento da membrana basal e o aumento do número de vasos foram registrados como presente ou não. Para exame e registro fotográfico, utilizou-se microscópio de luz (marca Carl Zeiss do Brasil Ltda; modelo Axiostar plus), com diferentes aumentos e captura de imagens em câmera digital. As Lâminas foram revisadas sempre pelo mesmo pesquisador e colaborador da pesquisa.

Microscopia eletrônica de varredura e de transmissão: para estes estudos foram colhidos materiais de cinco novos casos cirúrgicos, sendo fragmentados e destinados aos dois setores (microscopia eletrônica de varredura e de transmissão). Para a microscopia eletrônica de varredura as peças cirúrgicas, foram fixadas em glutaraldeído a 2,5% por 12 horas, lavadas em tampão fosfato 0,1 M e em pH 7,3, fixadas em solução de tetróxido de ósmio a 1%, por 1 hora, lavadas em tampão fosfato, desidratadas em série em soluções crescentes de  álcool a 75% a 100% e secadas em aparelho de ponto crítico (Balzers CPD-020), utilizando-se dióxido de carbono líquido. Em seguida, foram montadas em base metálica com cola de prata e cobertas com ouro (15nm de ouro) em aparelho Balzers MED-010, sendo então examinadas e fotografadas em microscópio eletrônico de varredura (SEM 515, Philips -Holanda), sob tensão de 15KV.

Para a microscopia eletrônica de transmissão, as peças foram fixadas em glutaraldeído a 2,5%, lavadas em tampão fosfato 0,1 M, pH 7,3, acrescido de ácido tânico a 1%, para melhor visualização dos elementos da matriz extracelular. Em seguida foram fragmentadas em cortes de 3 mm por 1 mm, sobre cera odontológica rosa umedecida com solução fixadora de glutaraldeído a 2,5 e fixadas com ácido ósmico a 1%, em tampão fosfato 0,1M, pH 7,3. Após esses procedimentos, foram desidratadas em série crescente de acetonas (50%, 70%, 90% e 100%) e mergulhadas em mistura de acetona e resina de araldite (Polysciences, Inc.). Os fragmentos foram então retirados da mistura e incluídos em bloco de resina de araldite pura, em estufa a 37oC. Na seqüência, foram feitos cortes semifinos de 0,5 μm, sobre lâminas e corados com mistura de 1:1 de azul de metileno a 1% e Azur II a 1%. Esses cortes semifinos foram examinados em microscópio de luz e novamente cortados ultrafinos (500), sendo examinados e fotografados em microscópio eletrônico de transmissão (modelo EM 301, Philips AG - Holanda), utilizando-se filme Eastman 5302 (Kodak Co., EUA) e papel fotográfico Kodabromide (Eastman Kodak Co., EUA).

As laringes de três cadáveres adultos, sem antecedentes de tabagismo ou de intubação endotraqueal, foram utilizadas para estudo normativo, sendo submetidas a mesma seqüência de estudo morfológico.

RESULTADOS

8Microscopia de luz

As alterações histopatológicas epiteliais mais marcantes no edema de Reinke estão apresentadas na tabela 1, na qual 5 lâminas foram classificadas em grau 0, 20 lâminas em grau 1 (incluídas aqui as displasias leves, figura 2a), 5 lâminas em grau 2 e 1 lâmina em grau 3 (figura 2b, displasia intensa, sem carcinoma in situ). Observou-se também espessamento da membrana basal em 26 lâminas (figura 3a) e aumento do número de vasos em 9 lâminas (figura 3b).

 

8Microscopia eletrônica de varredura

À microscopia eletrônica de varredura, observou-se que, em duas, das cinco peças de edema de Reinke examinadas, a superfície epitelial apresentava-se com aspecto semelhante ao normal, com evidente pregueamento da mucosa e algumas células em descamação, com manutenção das micropregas superficiais (figura 4a e 4b). Entretanto, nas demais peças, a mucosa mostrava-se mais lisa, com discretas ondulações e com redução das micropregas, dando origem ao aspecto de superfície polida, lisa e impermeabilizada, (figura 4c e 4d).

 

8Microscopia eletrônica de transmissão

O epitélio apresentou-se com aspecto normal em uma das peças (figura 5a) e hiperplásico nas demais. As células basais apresentavam arquitetura alterada, umas mais estreitas que outras e em disposição anormal (figura 5b). Material amorfo foi detectado nas junções epiteliais, em todas as peças, distanciando as células umas das outras (figura 5c). Em duas peças foi observado depósito de material heterogêneo abaixo da membrana basal (figura 6a) e em outras duas, observou-se uma densa faixa de fibras colágenas nessa região. A membrana basal, em determinados pontos, parecia destacar-se da membrana plasmática, soltando-se de seus pontos de adesão (figura 6b) e em outras áreas, apresentava pontos de interrupção (figura 6c). Na lâmina própria de todas as peças havia maior quantidade de vasos dilatados (figura 7a), bem como a presença de várias células inflamatórias e de fibroblastos (figura 7b). Não foram notadas alterações na distribuição das fibras colágenas e elásticas.

 

Discussão

O edema de Reinke é um processo inflamatório crônico que, por estar relacionado diretamente ao hábito de fumar, acomete, principalmente, pacientes adultos. Pelo predomínio do gênero masculino entre os fumantes, esperava-se encontrar maior incidência dessa lesão entre os homens; entretanto, pela disseminação do hábito na população feminina, o edema de Reinke tem sido observado, principalmente em mulheres2,14. Outros fatores etiológicos na gênese do edema de Reinke são citados na literatura, como abuso vocal8,15, processos inflamatórios crônicos das vias aéreas superiores e refluxo gastroesofágico1,2. Entretanto, o papel do tabagismo no desenvolvimento da lesão é incontestável, sendo referido pela totalidade dos pacientes de nossa amostra.

As análises morfológicas do edema de Reinke realizadas neste estudo demonstraram que o epitélio pode apresentar-se normal, porém, em muitos casos, pode sediar displasias de graus variados, principalmente de leve a moderada intensidade. Na escala quantitativa das alterações epiteliais preconizada por Hellquist et al 13, o grau 1 inclui hiperplasia epiteliail,  hipercetarose e displasias leves. A hiperplasia epitelial é definida como aumento do número das células epiteliais, reservando-se o termo, principalmente para a proliferação das células basais. A proliferação do estrato malpighiano é denominada de acantose. Em ambos os casos, a membrana basal não é comprometida16. Representam respostas do epitélio ao traumatismo constante, seja fonatório ou irritativo. A displasia corresponde à hiperplasia epitelial atípica, ou seja, com variações do diâmetro nuclear e da distribuição da cromatina. Na forma leve, a alteração limita-se ao terço inferior do epitélio, sendo acompanhada de algum grau de atipia citológica; na forma moderada a alteração se estende ao terço médio do epitélio; na displasia intensa há comprometimento de mais de dois terços do epitélio e as atipias citopáticas são mais constantes16 .

Fuchs17 em estudo retrospectivo de 307 casos de edema de Reinke, destacou a participação do abuso vocal e do tabagismo entre os principais fatores etiológicos. O autor não observou recorrência das lesões ou degenerações malignas, e considerou a lesão de bom prognóstico. Garcia Alvarez et al.11 realizaram estudo epidemiológico e histopatológico em 116 casos de pólipos vocais, 40 casos de nódulos e 41 edemas de Reinke e constataram apenas um caso de displasia leve no edema de Reinke, reafirmando também o aspecto benigno da lesão.

Algumas citações literárias têm feito referência ao desenvolvimento de carcinoma in situ em pacientes portadores de edema de Reinke 18-22. Nielsen et al 21, realizaram análise histológica em 120 casos de edema de Reinke, procurando analisar a presença de displasias. As alterações foram classificadas na mesma escala de histológica utilizada por nós no presente estudo13, sendo constatadas alterações de grau 0 em 89 casos, grau 1 em 30, grau 2 em apenas 1 e nenhum caso de grau 3. Os autores salientaram a importância do seguimento endoscópico desses pacientes durante vários anos pelos riscos de transformação maligna, principalmente nos pacientes que não abandonam o tabagismo após a cirurgia. Nossos resultados foram semelhantes aos desses autores, havendo predomínio das alterações epiteliais leves. Entretanto, constatamos um caso de displasia intensa, sem transformação em carcinoma in situ, o qual corresponde a forma mais precoce do carcinoma espino-celular, sem comprometer a membrana basal.

Resultados mais alarmantes foram apresentados por Marcotullio et al 22 em estudo clínico e epidemiológico de 121 casos de edema de Reinke, utilizando também a classificação de Hellquist et al 13. Observaram 52 casos classificados em grau 0, 64 em grau 1, 6 em grau 2 e 3 casos em grau 3. Os autores consideraram a possibilidade do edema de Reinke ser uma lesão pré-neoplásica frente aos achados de displasia grave e carcinoma in situ e salientaram sua direta relação com o grande consumo diário de cigarro.

Ao exame de microscopia eletrônica de varredura, algumas peças de edema de Reinke apresentavam a superfície epitelial lisa e polida, achado atribuído ao maior grau de ceratose do epitélio, detectado também à microscopia de luz.

Nas análises ultraestruturais, as alterações que mais se destacaram foram: destacamento da membrana basal em alguns pontos formando vesículas, alargamento das junções intercelulares, expandidas por fluido, alterações na estrutura dos desmossomos, aumento dos vasos e infiltrado inflamatório na lâmina própria. Achados semelhantes foram apresentados por Dikkers et al.23, em estudo ultraestrutural de nódulos, pólipos, edema de Reinke, cisto, granuloma e espessamento mucoso, enfocando entre as principais alterações observadas nessas lesões, a tortuosidade e irregularidade da membrana basal, a presença de vesículas na membrana basal, vacuolização do citoplasma, atenuação das junções de células e alterações das estruturas dos desmossomos.

Dikkers & Nikkels24 revisaram 92 lesões benignas da laringe, utilizando estudo complementar de microscopia eletrônica e análise imunoistoquímica. Observaram que, nos pólipos vocais, predominava o encontro de depósito de fibrina, sinais de hemorragia recente, proliferação de capilares, depósito de ferro e trombose vascular; no edema de Reinke, havia predomínio do espessamento da membrana basal, presença de lagos edematosos e de eritrócitos extravasculares, além de espessamento das paredes dos vasos; já nos nódulos, a alteração mais prevalente foi representada pelo espessamento da membrana basal, sendo notadas a ausência de hemorragia e a ausência de lagos edematosos.

Pastuszek et al.5, realizando estudo de microscopia em luz e eletrônica em 261 edemas de Reinke, destacaram, entre seus achados, a elevada freqüência do edema subepitelial, a perda das junções intercelulares e a displasia epitelial, não sendo esta última observada por nós nas peças analisadas pela microscopia eletrônica, mas sim pela microscopia de luz.

Frente às diversas alterações morfológicas observadas neste estudo, reforçamos a necessidade de seguimento endoscópico dos pacientes com edema de Reinke, principalmente pelo fato da lesão sediar, em alguns casos, displasias de diferentes graus.

 

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Figura 1.

Edema de Reinke bilateral.

Figura 2.

Em a - displasia epitelial leve (HE, 40X); em b - displasia epitelial intensa (HE, 60X). Microscopia de luz.

Figura 3.

Em a - espessamento de membrana basal (seta, PAS - 60X); em b - capilares dilatados na lâmina própria e aumentados em número (HE - 40X). Microscopia de luz.

Figura 4.

Em a - superfície epitelial do edema de Reinke com aspecto semelhante ao normal com pregueamento e células em descamação (MEV, 800X) (EV,1.570X); em b - micropregas desenhando um rendilhado (MEV, 5.040X); em c e d - superfície com aspecto polido, liso e impermeabilizado (MEV, c- 3.620X; d- 2.640X).

Figura 5.

Figura 5. Em a - epitélio pavimentoso pluriestratificado com aspecto semelhante ao normal, achatado e composto por várias camadas de células planas sobrepostas (MET, 4.350X); em b e em c células da camada basal com distribuição irregular e distanciadas umas das outras pelo alargamento das junções intercelulares (MET, b - 3.250X, c - 9.750X ).

Figura 6.

Em a - depósito de material heterogêneo subepitelial (MET, 490X); em b - destacamento da membrana plasmática em alguns pontos (setas) (MET; a - 57.500X); em c - pontos de descontinuidade da membrana basal (setas; MET- 42.000X).

Figura 7.

Em a - vasos dilatados na lâmina própria (MET, 1.800X); em b - maior número de células inflamatórias mergulhadas na lâmina própria em meio um material amorfo (MET, 5.750X).

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