ABORLccfRevista Brasileira de Otorrinolaringologia

Tese

Achados à prova calórica versus canal semicircular comprometido na vertigem posicional paroxística benigna
Caloric test results versus damaged semicircular canal in benign positional paroxysmal vertigo

Autores:

Andréa Manso (Mestre) Fonoaudiológa. Mestre pela Escola Paulista de Medicina - Universidade Federal de São Paulo.Especialista em audiologia pela Irmandade da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo

Mônica Alcantara de Oliveira Santos (Mestranda) Mestranda do Departamento de Otorrinolaringologia da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo

Cristina Freitas Ganança (Doutora) Fonoaudióloga. Doutora em Distúrbios da Comunicação humana pela UNIFESP. Professora Adjunta Substituta da DIsciplina de Distúrbios da audição do Departamento de Fonoaudiologia da UNIFSP

Fernando Freitas Ganança (Doutor) Professor Adjunto da Disciplina de Otoneurologia da Universidade Federal de São Paulo

Maurício Malavasi Ganança (Livre - Docente) Professor Titular de Otorrinolaringologia da Universidade Federal de São Paulo

Heloísa Helena caovilla (Livre-Docente) Fonoaudióloga - Professora Livre Docente da Disciplina de Otoneurologia da Universidade Federal de São Paulo

Palavras-Chave
Prova calórica, Vertigem Postural Paroxística Benigna

Resumo
Objetivo: Caracterizar os achados da prova calórica em pacientes com vertigem posicional paroxística benigna, segundo o canal semicircular comprometido. Método: Foram analisados 1033 prontuários de pacientes submetidos à pesquisa de nistagmo posicional e de posicionamento e a eletronistagmografia. Os achados da prova calórica, de acordo com os canais semicirculares acometidos, foram submetidos à análise estatística. Resultados: No comprometimento de canal posterior, houve prevalência de normorreflexia (p<0,0001); hiporreflexia prevaleceu sobre hiper-reflexia (p<0,0001) e preponderância direcional (p<0,0001), e hiper-reflexia prevaleceu sobre preponderância direcional (p<0,0001). No comprometimento de canal lateral, normorreflexia prevaleceu sobre hiporreflexia (p<0,0001) e hiper-reflexia (p<0,0001); hiporreflexia tendeu a prevalecer sobre hiper-reflexia (p=0,0771), e preponderância direcional não ocorreu. No comprometimento de canal anterior, normorreflexia prevaleceu sobre hiporreflexia (p<0,0001); hiper-reflexia e preponderância direcional não ocorreram. Conclusão: Na prova calórica de pacientes com vertigem posicional paroxística benigna, normorreflexia, hiporreflexia, hiper-reflexia ou preponderância direcional do nistagmo pós-calórico ocorrem em ordem decrescente de prevalência, quando há comprometimento do canal posterior; normorreflexia prevalece sobre hiporreflexia ou hiper-reflexia e hiporreflexia tende a prevalecer sobre hiper-reflexia, no comprometimento do canal lateral; normorreflexia prevalece sobre hiporreflexia, no comprometimento do canal anterior.

Keywords
Caloric test, Benign Positional Paroxysmal Vertigo

Abstract
Purpose: To characterize caloric test results in patients with Benign paroxysmal positional vertigo (BPPV) according to the damaged semicircular canal. Method: Data from 1033 patients with BPPV were analyzed. All of the cases were submitted to the Dix-Hallpike testing, positional nystagmus and electronystagmography. The results of the caloric test were compared to the damaged semicircular canals and were submitted to statistical analysis. Results: In cases with posterior canal damage, there was prevalence of normal responses compared to abnormal results (p<0.0001); hypoactivity was more prevalent than hyperactivity (p<0.0001) and directional preponderance (p<0.0001), and hyperactivity was more prevalent than directional preponderance (p<0.0001). In cases with lateral canal damage, normal responses were more prevalent than hypoactivity (p<0.0001) and hyperactivity (p<0.0001); there was a tendency of prevalence of hypoactivity over hyperactivity (p=0.0771), and directional preponderance was not observed. In cases with anterior canal damage, normal responses were more prevalent than hypoactivity (p<0.0001); hyperactivity and directional preponderance were not observed. Conclusion: In the caloric test of patients with benign positional paroxysmal vertigo, normal responses, hypoactivity, hyperactivity or directional preponderance of post-caloric nystagmus occur in decreasing order of prevalence, when the posterior canal is damaged; normal responses are more prevalent than hypoactive or hyperactive caloric responses, and there is a tendency of prevalence of hypoactive over hyperactive caloric responses when the lateral canal is damaged; normal responses are more prevalent than hypoactive caloric responses when the anterior canal is damaged.

 

Instituição:

Suporte Financeiro: CAPES (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior)

ACHADOS À prova calórica VERSUS CANAL SeMICIRCULAR COMPROMETIDO NA VERTIGEM POSICIONAL PAROXÍSTICA BENIGNA

 

 

 

INTRODUçÃO

Segundo Ganança, Caovilla1, tontura é a sensação de perturbação do equilíbrio corporal que pode ser definida como uma ilusão, alucinação de movimento, sensação de desorientação espacial de tipo rotatório, denominado de vertigem ou não rotatório, como instabilidade, desequilíbrio, distorção visual, etc. Encontra-se entre os sintomas mais comuns no mundo, podendo ser desencadeadas por disfunção primária ou secundária do sistema vestibular. A disfunção vestibular pode ter localização periférica ou central e sua causa pode estar situada em outro órgão ou sistema do corpo humano.

Entre as vestibulopatias periféricas, a vertigem posicional paroxística benigna (VPPB) é a mais freqüente, muito comum em jovens, adultos e idosos sendo rara em crianças. A queixa característica é de tontura giratória à mudança de cabeça, ao olhar para cima, ao deitar-se para um lado ou para os dois lados ou levantar-se, podendo ser acompanhada de náuseas, vômitos e, entre as crises, pode ocorrer instabilidade intermitente ou outros tipos de tontura, de acordo com Ganança et al2.

A fisiopatologia da VPPB é explicada pela presença indevida de partículas de carbonato de cálcio provenientes de fracionamento de estatocônios da mácula utricular, na cúpula da crista ampular ou na endolinfa de um ou mais ductos semicirculares.

Para estabelecer o diagnóstico de VPPB, Dix e Hallpike3 elaboraram uma prova para avaliar a vertigem e o nistagmo de posicionamento, no qual o paciente da posição sentada, com a cabeça voltada 45 graus para o lado a ser avaliado, passa rapidamente para a posição de cabeça pendente e inclinada 45 graus para o lado avaliado, por aproximadamente 30 segundos, com a ajuda do examinador. Após a extinção do nistagmo de posicionamento, o paciente retorna à posição sentada, sendo a manobra repetida para o outro lado.

A pesquisa do nistagmo de posicionamento, por meio da observação da direção e duração do nistagmo, possibilita a identificação do lado lesado e do canal semicircular acometido, segundo Herdman4.

Herdman e Tusa4, Parnes et al5 e Ganança et al6 referiram que a VPPB acomete com maior freqüência o canal semicircular posterior, mas também pode envolver o canal lateral e o canal anterior.

Nos pacientes vertiginosos, o comprometimento do sistema vestibular pode ser aferido por meio da avaliação otoneurológica, que pode localizar o lado da lesão, ajuizar a intensidade de comprometimento, estabelecer o prognóstico e orientar o tratamento, de acordo com Caovilla et al7.

Na VPPB, os testes convencionais de avaliação do reflexo vestíbulo-ocular e a eletronistagmografia geralmente não mostram alterações típicas, com exceção dos procedimentos de pesquisa da vertigem e nistagmo de posicionamento e/ou posicional. No entanto, Ganança et al8 e Korres et al9 destacaram a importância da eletronistagmografia na identificação de sinais de disfunção vestibular na VPPB.

Esta investigação foi motivada pelo interesse na avaliação de anormalidades do nistagmo pós-calórico do mesmo lado ou do lado oposto do canal semicircular comprometido em pacientes com VPPB. A análise conjunta de achados da prova calórica e da pesquisa do nistagmo de posicionamento e posicional poderia contribuir para melhor caracterização da VPPB, com possíveis implicações terapêuticas e prognósticas em cada paciente.

Objetivo

O objetivo deste estudo foi caracterizar os achados na prova calórica em pacientes com VPPB de acordo com o canal semicircular comprometido.

Método

Esta pesquisa, realizada em hospital terciário, foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa desta instituição (protocolo número 1381/06).

Para a seleção da casuística, foram analisados os prontuários dos pacientes atendidos de janeiro de 1999 a julho de 2004, independentemente da idade e sexo, com diagnóstico estabelecido de VPPB, baseado na história clínica e achados à pesquisa do nistagmo de posicionamento.

Foram excluídos os pacientes que apresentaram sinais de comprometimento do sistema nervoso central ou outra vestibulopatia concomitante.

A prova de Dix-Hallpike foi realizada com lentes de Frenzel (Neurograff Eletromedicina Ind. e Com. Ltda - EPT - Brasil). O paciente sentado em uma maca virou a cabeça 45º para o lado a ser avaliado e, a seguir, com o auxílio do examinador, foi ajudado a deitar-se rapidamente para trás, mantendo a cabeça pendente e inclinada 45º para o lado avaliado por aproximadamente 30 segundos; após a extinção da vertigem e do nistagmo de posicionamento, o paciente retornou à posição sentada, sendo a manobra repetida para o outro lado.

Vertigem e nistagmo posicionais foram pesquisados à movimentação lenta do paciente, com a ajuda do examinador, da posição sentada para o decúbito dorsal, girando a cabeça para a direita; em seguida, passou para o decúbito lateral direito;  voltou para o decúbito dorsal; girou a cabeça para a esquerda; passou para o decúbito lateral esquerdo; voltou para o decúbito dorsal e para a posição sentada. O paciente permaneceu 30 segundos em cada posição.

As características do nistagmo de posicionamento e/ou posicional determinaram o labirinto acometido e o canal semicircular afetado: nistagmo vertical para cima e rotatório caracterizou o comprometimento do canal posterior; nistagmo vertical para baixo e rotatório caracterizou o comprometimento do canal superior; nistagmo rotatório anti-horário ou horário indicou o comprometimento de canal vertical, sem distinguir entre canal posterior e anterior, e nistagmo horizontal geotrópico ou ageotrópico apontou o comprometimento de canal lateral.

Os participantes desta pesquisa foram submetidos a testes que avaliam a função vestibular por meio de electronistagmografia computadorizada (Micromedial Technologies, Inc.), e otocalorímetro a ar (Neurograff Eletromedicina Ind. e Com. Ltda - EPT - Brasil) composta pela calibração dos movimentos oculares, pesquisa de nistagmo de posicionamento e posicional, nistagmo espontâneo e semi-espontâneo, movimentos sacádicos, rastreio pendular, nistagmo optocinético, auto-rotação cefálica e prova calórica com ar a 42º e 18º C. Os testes utilizados foram realizados e interpretados de acordo com os critérios de normalidade de Ganança e Caovilla1.

A realização da eletronistagmografia foi precedida pela limpeza da pele para colocação dos eletródios. A calibração dos movimentos oculares foi realizada antes da pesquisa do nistagmo espontâneo e da prova calórica, para que todos os exames fossem realizados em igualdade de condições.

A prova calórica foi realizada com o paciente na posição supina, com a cabeça elevada 30º. Cada orelha foi estimulada separadamente, durante 80 segundos, com ar a 42º e 18º C. Foram analisadas direção e velocidade da componente lenta do nistagmo pós-calórico após cada estimulação, com olhos fechados e depois abertos para avaliar o efeito inibidor da fixação ocular e foram calculados os valores de predomínio labiríntico e de preponderância direcional.

Os dados foram submetidos à análise estatística. Foi utilizada análise descritiva simples dos dados por freqüências absolutas e porcentagens para caracterização dos canais semicirculares acometidos em resposta aos achados da prova calórica, normorreflexia, hiporreflexia, hiper-reflexia ou preponderância direcional.

Foi empregado o teste Qui-Quadrado de Aderência na análise inferencial dos dados, para verificar associação entre as freqüências de acometimento dos canais semicirculares. O teste Qui-Quadrado de Aderência, seguido pela correção de Yates, foi empregado na análise de associação entre as freqüências aos pares dos canais comprometidos. Foi utilizado o teste Qui-Quadrado (c2) para verificar a associação entre canal semicircular e a prova calórica. Quando verificada diferença entre os resultados (p<0,05), foi aplicada partição da tabela para comparação múltipla dos pares, verificando os pares de grupos com diferenças. Foi também realizada a análise para comparação intragrupo dos resultados da prova calórica. Os testes foram aplicados com nível de significância de 5% (a = 0,05).

 

RESULTADOS

Foram analisados os prontuários de 1033 pacientes com hipótese diagnóstica de VPPB, baseada na história clínica e achados à pesquisa do nistagmo de posicionamento e/ou posicional.

A tabela 1 apresenta o número e a porcentagem de casos de acordo com o canal semicircular comprometido uni ou bilateralmente na VPPB.

O comprometimento do canal posterior prevaleceu sobre o dos outros canais (p<0,0001). O acometimento unilateral do canal posterior predominou sobre o bilateral (p<0,0001). O comprometimento do canal lateral prevaleceu sobre o do canal anterior (p=0,0002). Não houve ocorrência de acometimento bilateral dos canais anterior e lateral.

A tabela 2 apresenta o número e a porcentagem de casos com normorreflexia, hiporreflexia, hiper-reflexia ou preponderância direcional do nistagmo pós-calórico, de acordo com o canal semicircular comprometido na VPPB.

O canal posterior apresentou maior prevalência de normorreflexia em comparação com os demais achados anormais à prova calórica (p<0,0001); a hiporreflexia foi prevalente sobre a hiper-reflexia (p<0,0001) e a preponderância direcional do nistagmo pós-calórico (p<0,0001), e a hiper-reflexia foi prevalente sobre a preponderância direcional do nistagmo pós-calórico (p<0,0001).  

O canal lateral apresentou prevalência de normorreflexia em comparação com hiporreflexia (p<0,0001) e hiper-reflexia (p<0,0001); a hiporreflexia apresentou tendência de prevalência sobre a hiper-reflexia (p=0,0771), e a preponderância direcional do nistagmo pós-calórico não foi identificada.

O canal anterior apresentou prevalência de normorreflexia em comparação com hiporreflexia (p<0,0001); hiper-reflexia e preponderância direcional do nistagmo pós-calórico não foram identificadas.

Analisando os achados à prova calórica na VPPB, sem considerar o canal comprometido, houve prevalência de normorreflexia em comparação com os demais achados anormais (p<0,0001); a hiporreflexia foi prevalente sobre a hiper-reflexia (p<0,0001) e a preponderância direcional do nistagmo pós-calórico (p<0,0001), e a hiper-reflexia foi prevalente sobre a preponderância direcional (p<0,0001).  

A tabela 3 apresenta o número e a porcentagem de casos com normorreflexia, hiporreflexia, hiper-reflexia ou preponderância direcional do nistagmo pós-calórico, de acordo com o comprometimento unilateral e bilateral do canal posterior na VPPB.

O acometimento unilateral do canal posterior apresentou maior prevalência de normorreflexia em comparação com os demais achados anormais à prova calórica (p<0,0001); a hiporreflexia foi prevalente sobre a hiper-reflexia (p<0,0001) e a preponderância direcional do nistagmo pós-calórico (p<0,0001), e a hiper-reflexia e a preponderância direcional do nistagmo pós-calórico não apresentaram diferença significante quanto à prevalência (p=0,8231). Os casos com acometimento bilateral do canal posterior não apresentaram diferença significante quanto à prevalência dos achados da prova calórica (p=0,3194).

No acometimento unilateral do canal posterior, a hiporreflexia foi ipsilateral em 92 casos (88,5%) e contralateral em 12 casos (11,5%); a hiper-reflexia foi bilateral nos 11 casos (100,0%), e a preponderância direcional do nistagmo pós-calórico foi contralateral ao labirinto comprometido nos nove casos (100,0%). No acometimento bilateral do canal posterior, a hiporreflexia foi bilateral em 18 casos (21,2%) e unilateral em quatro (4,7%) e a hiper-reflexia foi bilateral nos 30 casos (100,0%). No acometimento do canal lateral, a hiporreflexia foi ipsilateral nos sete casos (100,0%) e a hiper-reflexia foi bilateral em um caso (100,0%).

No acometimento do canal anterior, a hiporreflexia foi ipsilateral nos três casos (100,0%).


 

Tabela 1. Freqüências absolutas, porcentagens e análise comparativa do comprometimento uni ou bilateral dos canais semicirculares em 1033 pacientes com vertigem posicional paroxística benigna

 

Canal

 

 

 

Comprometimento

 

Qui-Quadrado

Unilateral

Bilateral

Total

N    %

N    %

N    %

(p-valor)

Posterior

814  78,8

85  8,2

899     87,0

< 0,0001

Posterior - Lateral < 0,0001

Posterior - Anterior < 0,0001

Lateral - Anterior = 0,0002

Lateral

  89    8,6

--

  89 8,6

Anterior

  45   4,4

--

  45 4,4

Total

948  91,8

85  8,2

1.033   100,0

 

Nível de significância = 0,05

 


 

Tabela 2. Freqüências absolutas, porcentagens e análise comparativa dos achados à prova calórica de acordo com os canais semicirculares comprometidos dos 1033 pacientes com vertigem posicional paroxística benigna

Canal

 

 

 

Achados à prova calórica

Qui-Quadrado

 

Normorreflexia

Hiporreflexia

Hiper-reflexia

PDN

N     %

N     %

 N     %

 N     %

(p-valor)

Posterior

723   80,4

126  14,0

41   4,6

9   1,0

  < 0,0001

N - Hipo <0,0001

N - Hiper <0,0001

N - PDN <0,0001

Hipo - Hiper <0,0001

Hipo - PDN <0,0001

Hiper - PDN <0,0001

 

 Lateral

   81   91,0

   7   7,9

  1   1,1

--

< 0,0001

N-Hipo <0,0001

N- Hiper <0,0001

Hipo-Hiper = 0,0771

 

Anterior

   42   93,3

  3   6,7

--

--

< 0,0001

 

N -Hipo <0,0001

 

 

Total

846   81,9

  136   13,2

42  4,0

9   0,9

< 0,0001

N - Hipo <0,0001

N - Hiper <0,0001

N - PDN <0,0001

Hipo -Hiper <0,0001

Hipo - PDN <0,0001

Hiper - PDN <0,0001

 

Legenda: Nível de significância = 0,05

N: Normorreflexia     

Hipo: Hiporreflexia

Hiper: Hiper-reflexia

PDN: Preponderância Direcional do Nistagmo

 

 


 

Tabela 3. Freqüências absolutas, porcentagens e análise comparativa dos achados à prova calórica de acordo com o comprometimento unilateral ou bilateral do canal posterior em 899 pacientes com vertigem posicional paroxística benigna

 

 

Canal

 

 

 

Achados à prova calórica

Qui-Quadrado

 

Normorreflexia

Hiporreflexia

Hiper-reflexia

PDN

N      %

 N      %

N      %

 N      %

(p-valor)

Posterior

Unilateral

690   84,7

104   12,8

11   1,4

9   1,1

<0,0001

N - Hipo <0,0001

N - Hiper <0,0001

N - PDN <0,0001

Hipo -Hiper <0,0001

Hipo - PDN <0,0001

Hiper - PDN = 0,8231

 

Posterior

Bilateral

 33   38,8

   22   25,9

30   35,3

--

0,3194

--

Total

723

126

41

9

 

 

Legenda: Nível de significância = 0,05

N: Normorreflexia

Hipo: Hiporreflexia

Hiper: Hiper-reflexia

PDN: Preponderância Direcional do Nistagmo

 

 


 

Discussão

Analisando os prontuários de 1033 pacientes com VPPB, verificamos que o comprometimento do canal semicircular posterior foi significativamente mais freqüente (87,0% dos casos) do que o dos canais lateral (8,6% dos casos) e anterior (4,4% dos casos).  Nossos achados estão de acordo com a opinião de Herdman e Tusa4, Parnes et al5 e Ganança et al6, de que a VPPB acomete com maior freqüência o canal semicircular posterior, mas também pode envolver o canal lateral e o canal anterior, e são semelhantes aos de Honrubia10, que observaram comprometimento de canal posterior em 93,5% dos casos, lateral em 5,4% e anterior em 1,4%, de Korres et al11, que identificaram comprometimento de canal posterior em 90,2%, lateral em 8,2% e anterior em 1,6% e de Korres et al9, que encontraram acometimento de canal posterior em 89,9%, lateral em 8,3% e anterior em 1,8%. Nossos achados e os destes autores diferem da prevalência de acometimento do canal lateral observada em 16,4% dos casos por De la Meilleure et al12.

Nesta pesquisa, a VPPB unilateral (91,8% dos casos) foi mais comum do que a bilateral (8,2%), à semelhança dos achados de Ganança et al2, que também observaram o acometimento unilateral mais freqüente (88,2%) do que o bilateral (11,9%).

Em nossa casuística, o acometimento unilateral do canal posterior (78,8%) foi mais freqüente do que o bilateral (8,2%) e não ocorreu acometimento bilateral dos canais anterior e lateral. De modo similar, Honrubia10 verificou que o acometimento unilateral do canal posterior, em 85,6% dos casos, foi mais freqüente do que o bilateral, em 8,2%, e não observou acometimento bilateral dos canais anterior e lateral.

Independentemente do canal comprometido na VPPB, evidenciamos que normorreflexia (81,9% dos casos) foi mais freqüente do que os outros sinais à prova calórica. Os nossos achados são concordantes com os de Toupet et al13 e Bachor et al14 que referiram ser a prova calórica usualmente normal na maioria dos pacientes com VPPB, mas diferem da prevalência da normorreflexia encontrada por Korres et al11, em 47,6% dos casos, Korres et al9, em 57,2% e Lemos15, em apenas 16,7%.

No que diz respeito aos nossos achados anormais à prova calórica, independentemente do canal comprometido, hiporreflexia (13,2%) prevaleceu sobre hiper-reflexia (4,0%) e preponderância direcional do nistagmo pós-calórico (0,9%), e hiper-reflexia foi mais comum do que a preponderância direcional. Diferentes prevalências dos achados anormais do nistagmo pós-calórico foram mencionadas na literatura: Wong et al16 encontraram hiporreflexia (16,6%); Korres et al11, hiporreflexia (27,0%), preponderância direcional (17,2%) e preponderância direcional concomitante com hiporreflexia (8,2%); Lemos15 hiper-reflexia (36,7%), preponderância direcional (20,0%) e hiporreflexia (16,7%), e Korres et al9, hiporreflexia (22,0%), preponderância direcional (13,7%) e hiporreflexia concomitante com preponderância direcional (7,1%).

Na prova calórica dos casos de VPPB de canal posterior, a normorreflexia (80,4% dos casos) foi mais freqüente do que os demais achados anormais. A normorreflexia foi também verificada como achado predominante na prova calórica por Baloh et al17, em 51,7 % dos casos. Lemos15, no entanto, encontrou hiper-reflexia como achado predominante, em 42,9% dos casos, seguida pela normorreflexia em 35,7%.

No que diz respeito aos nossos achados anormais à prova calórica dos casos de VPPB de canal posterior, hiporreflexia (14,0%) predominou sobre hiper-reflexia (4,6%) e preponderância direcional (1,0%); hiper-reflexia foi mais freqüente do que preponderância direcional. A literatura mostra ampla variação de resultados de autor para autor: Toupet et al13 verificaram hiporreflexia em 21,1% e preponderância direcional em 36,8%; Baloh et al17 encontraram hiporreflexia em cerca de 39% dos casos e preponderância direcional em cerca de 8%; Korres et al11 observaram hiporreflexia em 26,4% dos casos, preponderância direcional em 18,2% e hiporreflexia concomitante com preponderância direcional em 5,5%; Lemos15 notou hiper-reflexia em 42,9%, hiporreflexia em 10,7% e preponderância direcional em 10,7%.

Na VPPB de canal posterior unilateral, normorreflexia (84,7%) foi mais freqüente do que os outros achados à prova calórica. A normorreflexia foi observada como achado predominante por Dumas et al18, em 46,0% dos casos.  Amorim et al19, no entanto, observou a hiporreflexia em 45,0% dos casos, superando em prevalência a normorreflexia, que ocorreu em 30,0%.

No que diz respeito aos nossos achados anormais à prova calórica dos casos de VPPB de canal posterior unilateral, hiporreflexia (12,8%) foi mais freqüente do que hiper-reflexia (1,4%) e preponderância direcional (1,1%); hiper-reflexia e preponderância direcional não apresentaram diferença significante em prevalência. A hiper-reflexia foi bilateral e a preponderância direcional foi contralateral ao labirinto comprometido em todos os casos (100,0%) em que ocorreram. No total de nossos casos com hiporreflexia, este achado foi ipsilateral (88,5%) ou contralateral (11,5%). Baloh et al17 presumiram que os pacientes com hiporreflexia ipsilateral do nistagmo pós-calórico apresentariam envolvimento dos canais semicirculares lateral e posterior do mesmo lado. A literatura mostra ampla variação nos resultados de diversos autores: Dumas et al18 encontraram hiporreflexia ipsilateral em 17,0%, hiporreflexia contralateral em 6,0%, hiporreflexia bilateral em 8,0% e preponderância direcional em 8,0%; Korres et al11, hiporreflexia ipsilateral em 8,2% e hiporreflexia contralateral em 5,5%; Amorim et al19, hiporreflexia ipsilateral em 45,0%, hiporreflexia contralateral em 15,0% e preponderância direcional em 5,0%.

Na VPPB de canal posterior bilateral, não ocorreu diferença significante quanto à prevalência dos achados à prova calórica: normorreflexia (38,8%), hiporreflexia unilateral (4,7%) ou bilateral (21,2%) e hiper-reflexia bilateral (35,3%). Não encontramos achados na literatura para comparação.

À prova calórica nos nossos casos de VPPB de canal lateral, a normorreflexia (91,0%) foi mais freqüente do que hiporreflexia (7,9%) e hiper-reflexia (1,1%) e a hiporreflexia apresentou tendência de prevalência sobre a hiper-reflexia. A hiporreflexia foi ipsilateral e a hiper-reflexia foi bilateral em todos os casos (100,0%) em que ocorreram. Não ocorreu preponderância direcional do nistagmo pós-calórico. A literatura mostra ampla variação à comparação dos resultados de vários autores. A hiporreflexia ipsilateral foi observada por Pagnini et al20 em 33,3% dos casos, Baloh et al21 em 30,8%, Strupp et al22 em um paciente, Brandt23 em cerca de 30,0% e Di Girolamo et al24 em 50,0%. Korres et al11 encontraram hiporreflexia ipsilateral em 0,8% e bilateral em 0,8%, preponderância direcional em 0,8% e hiporreflexia ipsilateral concomitante com preponderância direcional em 3,2%. Lemos15 identificou hiporreflexia em 35,7% dos casos, hiper-reflexia em 14,3%, normorreflexia em 21,4% e preponderância direcional em 28,6%.

Na prova calórica nos casos de VPPB de canal anterior, normorreflexia (93,3%) predominou sobre hiporreflexia (6,7%); hiper-reflexia e preponderância direcional do nistagmo pós-calórico não foram encontradas. A hiporreflexia foi ipsilateral em todos os casos em que ocorreu. Contrastando com os nossos achados, Korres et al11 identificaram hiporreflexia ipsilateral em 0,8% e bilateral em 0,8%, e Lemos15 observou normorreflexia em 16,7% dos casos, hiper-reflexia em 44,4%, hiporreflexia em 11,1% e preponderância direcional em 27,8%.

Os nossos achados na VPPB concordam com os de outros autores quanto ao comprometimento do canal semicircular posterior ser mais freqüente do que o dos canais lateral e anterior e quanto à VPPB unilateral ser mais comum do que a bilateral. Comparando os nossos dados com as informações da literatura pertinente, verificamos uma ampla variação da prevalência dos achados à prova calórica na VPPB de canal posterior, lateral e anterior de autor para autor, exigindo novos estudos para melhor elucidação. A análise da associação de achados da prova calórica e da pesquisa do nistagmo de posicionamento e posicional contribui para a caracterização da VPPB. A identificação de hiporreflexia do nistagmo pós-calórico do mesmo lado ou do lado oposto da VPPB de canal posterior ou anterior ocorreu em 13,7% dos casos (129/944), caracterizando o envolvimento concomitante de canal lateral; a combinação destes achados propicia a seleção de procedimento adicional de reabilitação vestibular para a hiporreflexia vestibular, além da manobra específica para o canal comprometido na VPPB.

Conclusão

Avaliando os achados na prova calórica de pacientes com VPPB, concluímos que: no comprometimento do canal posterior, ocorrem normorreflexia, hiporreflexia contralateral à VPPB, hiper-reflexia e preponderância direcional do nistagmo pós-calórico, em ordem decrescente de prevalência; no comprometimento do canal lateral, normorreflexia prevalece sobre hiporreflexia unilateral ipsilateral à VPPB e hiper-reflexia bilateral; a hiporreflexia tende a prevalecer sobre hiper-reflexia, e no comprometimento do canal anterior, normorreflexia prevalece sobre hiporreflexia unilateral ipsilateral à VPPB.

 

Referências

 

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