ABORLccfRevista Brasileira de Otorrinolaringologia

Trabalho Clínico

Manifestações otorrinolaringológicas da Mucopolissacaridoses
Otolaryngologic manifestations of the mucopolysaccharidoses

Autores:

Cláudia Pena Galvão (graduação) Residente

Márcio silva Fortini (Mestrado) Médico otorrinolaringologista

Eugênia Ribeiro Valadares (Doutorado) Professora Adjunto do departamento de Pediatria da UFMG

Mariana Moreira de Castro (Graduação) Residente de Otorrinolarigologia do Hospital da Clínicas da UFMG

Gustavo Coelho dos Anjos (Mestrado) Médico Otorrinolaringologista

Tânia Maria Assis Lima (Doutorado ) Diretora do Hospital das Clínicas da UFMG

Palavras-Chave
Otorrinolaringologia, Mucopolissacaridose

Resumo
Introdução As mucopolissacaridoses constituem um grupo heterogêneo de desordens metabólicas de transmissão genética caracterizadas pela deficiência de enzimas envolvidas no catabolismo dos glicosamoniglicanos, com conseqüente acúmulo dessas substâncias nos tecidos. O acometimento de estruturas da cabeça e pescoço faz com que essas síndromes sejam de particular interesse para o otorrinolaringologista . O objetivo deste estudo é avaliar as alterações otorrinolaringológicas presentes nos pacientes com MPS. Materiais e métodos Foi feito um estudo de uma série de casos de doze pacientes portadores de MPS submetidos a um protocolo de avaliação otorrinolaringológica específico e fibronasolaringoscopia. Resultados Foram avaliados 12 pacientes. Destes, 7 pacientes apresentavam MPS I, 3 pacientes MPS II e 2 pacientes MPS III. Queixa de respiração oral foi observada em 10 pacientes (90%) e de apnéia obstrutiva do sono em 8 pacientes (72%). Ao exame clínico 80% dos pacientes apresentavam otite média serosa e 75% apresentavam obstrução do cavum por hipertrofia adenoidiana. Discussão e conclusão Os resultados da nossa série ilustram a alta prevalência de sintomas otorrinolaringológicos nos pacientes portadores de MPS, compatíveis com dados da literatura. Otite média secretora e obstrução de via aérea superior são problemas freqüentes nesses pacientes.

Keywords
Otolaryngology, Mucopolysaccharidoses

Abstract
Introduction The mucopolysaccharidoses (MPS) are a heterogenous group of inherited metabolic disorders of characterized by a deficiency of the enzymes involved in the catabolism of glycosaminoglycans, with abnormal accumulation of mucopolysaccharides in tissues. Because of a high incidence of head and neck manifestations, otolaryngologists typically become involved early in the management of these patients. The aim of this study is to evaluate the otolaryngologic presentation of the MPS. Methods and Materials A series study of twelve patients with MPS were assessed by an otolaryngologist and submitted to a specific protocol. Results Of the 12 patients, 7 suffered from MPS I, 3 from MPS II and 2 from MPS III. The mean age was 5,7 years. Oral respiration was observed in 10 patients (90%) and obstructive sleep apnea in 8 patients (72%). At clinical examination 80% of the patients had serous otitis and 75% had obstructive tonsilla palatine. Discussion and conclusion Our results demonstrate the high prevalence of otorhinolaryngologic manifestations in patients with MPS, in agreement with literature data. Middle ear effusion and upper airway obstruction are frequent problems in these patients.

 

Instituição: Hospital das Clínicas da UFMG

Suporte Financeiro:

 INTRODUÇÃO E REVISÃO DE LITERATURA

 

As mucopolissacaridoses (MPS) constituem um grupo heterogêneo de desordens metabólicas de transmissão genética caracterizadas pela deficiência de enzimas envolvidas no catabolismo dos glicosamoniglicanos (GAG). As alterações enzimáticas levam ao acúmulo de mucopolissacarídeos não degradados no interior dos lizossomos. São descritas seis síndromes com seus subtipos e uma grande variedade de manifestações clínicas dependendo do tipo de deficiência enzimática e do tecido afetado (1).

A incidência varia de 1:30.000 a 1:150.000. Trata-se de uma doença autossômica recessiva, exceto a MPS II (Síndrome de Hunter), que tem herança ligada ao X(2).

O diagnóstico é baseado na suspeita clínica e confirmado pela dosagem de glicosaminoglicanos excretados em excesso na urina(3). A amniocentese permite o diagnóstico pré-natal (4).

Inicialmente as MPS foram denominadas por epônimos e somente após o advento da bioquímica foi possível estabelecer a deficiência enzimática específica de cada tipo de MPS

As manifestações patológicas da doença se devem ao acúmulo de mucopolissacarídeos nos vários tecidos. Essas substâncias são encontradas em abundância no tecido conjuntivo das cartilagens, ossos, vasos sanguíneos, pele tendões e córnea(5). O acometimento de estruturas da cabeça e pescoço faz com que essas síndromes sejam de particular interesse para o otorrinolaringologista.

A apresentação clássica da mucopolissacaridose ocorre na síndrome de Hurler (MPS I). Os pacientes parecem normais ao nascimento, mas posteriormente apresentam atraso de desenvolvimento e baixa estatura. As características típicas incluem cabeça larga, ponte nasal achatada, ângulo nasolabial obtuso, hirsutismo, córnea opaca, macroglossia, testa proeminete, articulações alargadas e com diminuição da mobilidade, deformidades esqueléticas, infecção respiratória e sinusal de repetição, rinorréia persistente, otite média, hipoacusia mista progressiva, obstrução de via aérea superior, apnéia obstrutiva do sono e hidrocefalia. O diagnóstico é feito entre 6 e 24 meses e a expectativa de vida vai até a 1ª ou 2ª década (6).

As demais síndromes da mucopolissacardidose, seus epônimos, enzimas mutadas e principais características são descritas na tabela 1.

Essas síndromes apresentam variações em relação aos tecidos mais afetados, severidade dos sintomas, grau de atraso de desenvolvimento neuropsicomotor e apresentação fenotípica.

O otorrinolaringologista é tipicamente envolvido precocemente no tratamento desses pacientes e mantêm um papel importante após o diagnostico estabelecido pela recorrência e natureza progressiva dos sintomas (1). Patologias otológicas e de via aérea superior estão entre as mais precoces manifestações dessas síndromes (7) e requerem tratamento cirúrgico em mais de 50% dos pacientes (8).

A otite média com efusão é um problema recorrente na grande maioria dos pacientes com mucopolissacaridose. Resulta do acúmulo patológico de glicosaminoglicanos no ouvido médio e estruturas de via aérea superior. Perda auditiva neurosenssorial pode ocorrer pela infiltração do ducto coclear, estria vascular e nervo coclear(7).

A obstrução de via aérea é um problema grave nesses pacientes. O depósito de glicosaminoglicanos é progressivo, começando com obstrução nasal até o estreitamento distal dos brônquios(9). A infiltração progressiva da árvore bronqueotraqueal leva ao estreitamento da via aérea (10).  Esses pacientes apresentam também anatomia nasal alterada, rinite crônica mucopurulenta com secreção espessa, hipertrofia adenoamigdaliana (também por acúmulo de glicosaminoglicanos) e macroglossia que causam obstrução de via aérea superior e apneia obstrutiva do sono (9).

Quando submetidos a procedimentos cirúrgicos, esses pacientes apresentam risco anestésico aumentado. Além da dificuldade de intubação, existem relatos de cor pulmonale agudo no pós-operatório imediato(11).

Neste estudo descrevemos as características de 12 pacientes portadores de mucopolissacaridose com enfoque nas características otorrinolaringológicas, e comparamos com os achados descritos na literatura.

  

 

Tabela1. Classificação das mucopolissacaridoses

CLASSE

EPÔNIMO

ENZIMA DEFICIENTE

PRINCIPAIS CARACTERÍSTICAS

I - H

Hurler´s

α- L- Iduronidase

Retardo mental, organomegalia, doença cardíaca, córnea opaca

I - S

Sheie´s

α- L- Iduronidase

Inteligência normal, estatura próxima do normal, córnea opaca

I - H/S

HurlerSheie

α- L- Iduronidase

Fenótipo intermediário

II

Hunter´s

Iduronate-2-sulfatase

Inteligência intermediária, ausência de córnea opaca, baixa estatura

III A

Sanfilippo´sA

Heparan

N-sulfatase

Retardo mental profundo; alterações somáticas leves

III B

Sanfilippo´sB

α- N-acetilglucosaminidase

Semelhante III A

III C

Sanfilippo´sC

α-glucosaminidase-N-acetiltransferase

Semelhante III A

III D

Sanfilippo´sD

N-acetil-glucosamine-6-sulfatase

Semelhante III A

IV A

Morquio A

Galactosamine 6 sulfatase

Inteligência normal, displasia esquelética, hipoplasia do processo odontoide

IV B

Morquio B

β galactosidase

Semelhante à IV A, mais branda

V

Renomeada

Sheie´s

 

 

VI

Maroteaux-

Lamy

N-acetilgalactosamine-4-sulfatse

Inteligência normal; fenótipo semelhante à I- H

VII

Sly

Β glucuronidase

fenótipo semelhante à I- H

 

 

 

MATERIAIS E MÉTODOS

 

Os pacientes incluídos neste estudo foram encaminhados do ambulatório de doenças metabólicas ao serviço de Otorrinolaringologia do nosso Hospital durante os anos de 2004 e 2005.

O diagnóstico de MPS foi feito através das características clínicas e dosagem urinária de metabólitos dos glicosaminoglicanos, específica para cada tipo de deficiência enzimática.

Todos os pacientes foram submetidos a um protocolo de avaliação específico que inclui sintomas clínicos, dados referentes ao exame físico e ao exame de Fibronasolaringoscopia. Os dados complementares foram obtidos através de pesquisa do prontuário médico.

 

RESULTADOS

 

Foram avaliados 12 pacientes, 8 do sexo masculino e 4 do sexo feminino. Em relação ao tipo de MPS : 7 pacientes apresentavam MPS tipo I, 3 pacientes MPS tipo II e 2 pacientes MPS tipo III. Dos pacientes portadores MPS tipo I, seis apresentavam a síndrome de Hurler e 1 paciente portador da  síndrome de Sheie. A idade variou de 2 a 21 anos (média de 7 anos).O paciente portador da síndrome de Sheie constitui um "out side" em nossa amostra. Portanto, resolvemos comentá-lo separadamente. Excluindo-se este paciente com MPS do tipo I, obtemos um grupo mais homogênio em relação à idade com média de 5,7 anos. A idade média de início dos sintomas que motivaram o diagnóstico de MPS variou de 3 meses a 4 anos com média de 1 ano e 9 meses (1,7 anos). Três pacientes (25%) apresentaram sintoma otorrinolaringológico como manifestação inicial: 2 pacientes com atraso de fala e 1 paciente com infecção de vias aéreas superiores de repetição. Queixa de respiração oral foi observada em 10 pacientes (83%). Dos pacientes sem esta queixa, um deles é o paciente portador de Síndrome de Sheie e o outro paciente já havia sido submetido a cirurgia de adenoamigdalectomia há 1 ano. Apnéia obstrutiva do sono ou pausa da respiração durante o sono foi observada por pais ou responsáveis em 8 pacientes (67%). Dois pacientes os pais não souberam responder. Queixa de hipoacusia foi observada em 6 pacientes (50%).

Ao exame clínico 8 de 10 pacientes (80%) apresentavam otoscopia  sugestiva de otite média serosa, um paciente apresentava tubo de ventilação bilateral e o paciente com síndrome de Scheie (SS) apresentava otoscopia normal. A visualização da membrana timpânica no primeiro exame não foi possível em dois  pacientes. Foi considerado exame sugestivo de otite média serosa opacificação de membrana timpânica e aumento da trama vascular.

Foi utilizada a classificação de Brodski 12  para classificar as amígdalas: 1 paciente com  grau I; 4 pacientes com grau II;  1 paciente com grau III e dois pacientes com grau IV. A hipertrofia amigdaliana não foi classificada em 4 pacientes. Oito pacientes (66,6%) apresentavam classificação de Mallampati 4. 13

À rinoscopia anterior, nove (75%) pacientes apresentavam hipertrofia de conchas nasais.Um paciente apresentava um pólipo nasal unilateral obstrutivo.

Hipertrofia adenoidiana foi avaliada em 11 pacientes. Na avaliação endoscópica considerou-se grau 1 o tecido adenoideana que obstruía menos de 50% das coanas, grau 2 de 50 a 75% e grau 3 maior que 75%. Consideramos grau 3 de obstrução quando o tecido adenoideano atinge ou ultrapassa o tórus tubário .

Seis pacientes haviam sido submetidos a tratamento cirúrgico. Dos pacientes não submetidos a cirurgia  3 pacientes apresentavam grau 3 ,  1 paciente grau 2. O paciente portador S. de Sheie não apresentava adenóide ao exame.

Entre os pacientes operados: 3 pacientes foram classificados como grau 3; 2 pacientes grau 1 e 1 paciente grau 2 entre 60 e 70%

Três pacientes (25%) haviam sido submetidos previamente à colocação de TV. Destes, 2 ou 67% se apresentavam com sinais de OMS ao exame (recidiva) e 1 apresentava TV ao exame.

História de adenoidectomia prévia foi encontrada em 7 pacientes (58%). Todos os pacientes apresentaram melhora dos sintomas de obstrução de vias aéreas após o procedimento. Destes, 6 pacientes ou 86% evoluíram com recidiva da sintomatologia. A Média de recidiva após o procedimento foi de 1 ano e 2 meses.

Um paciente (83%) foi submetido a adenoamigdalectomia prévia e mantinha a melhora dos sintomas.  Este paciente já havia sido submetido à adenoidectomia anteriormente com recidiva dos sintomas.

Nenhum paciente do estudo havia sido submetido a Traqueostomia. Posteriormente um paciente que apresentou uma complicação pulmonar  necessitou ser traqueostomizado na unidade de tratamento intensivo

 

Discussão:

Os resultados da nossa série ilustram a alta prevalência de sintomas otorrinolaringológicos nos pacientes portadores de MPS. Geralmente os pacientes apresentam manifestação precoce da doença (média de 1 ano e 9 meses em nossa série) e necessitam de avaliações periódicas por um Otorrinolaringologista.

A alta prevalência de sintomas relacionados à obstrução de vias aéreas (respiração oral e apnéia) é causada por uma combinação de diferentes fatores. O principal fator refere-se à distorção da anatomia da via aérea superior provocada pela infiltração dos tecidos por mucopolissacarídeos. De acordo com a literatura, estes pacientes tendem a apresentar uma redução do diâmetro da traquéia, espessamento das pregas vocais, hipertrofia adenoamigdaliana, macroglossia, pescoço curto e aumento das secreções pulmonares e nasais. Os resultados obtidos em nossa amostra são compatíveis com a literatura.

Os pacientes portadores de MPS apresentam via aérea de difícil entubação pelas características descritas acima. Podem apresentar também instabilidade de vértebra cervical dificultando a hiperextensão da cabeça.

A cirurgia de adenoamigdalectomia é freqüentemente indicada nestes pacientes. Os altos índices de recidiva podem ser explicados pela própria fisiopatologia da doença.

Apenas um paciente, portador da síndrome Sheie, não apresentou sintomas ou alterações ao exame otorrinolaringológico.As características do paciente são compatíveis com o fenótipo da síndrome que caracteriza-se por inteligência normal e sintomas mais brandos em relação aos demais pacientes Estes pacientes apresentam uma  sobrevida maior.6

Otite média secretora é um problema recorrente nos pacientes com MPS. A falta de ventilação do ouvido médio decorre da obstrução da tuba auditiva e da consistência espessa das secreções. Em nossa série, 80% dos pacientes apresentavam otoscopia  sugestiva de otite média serosa. Dentre estes, dois pacientes já haviam sido submetidos à colocação de TV. O mecanismo responsável pela perda neurossensorial não foi esclarecido. A incidência de hipoacusia nestes pacientes varia entre os estudos de 28 a 100% 3. A perda auditiva pode ser progressiva. Em função da alteração de comportamento que estes pacientes podem apresentar, torna-se difícil a adaptação de aparelhos de amplificação sonora.

Há apenas um relato de pólipo nasal em pacientes com MPS na literatura 14. O paciente portador de pólipo nasal foi submetido à biópsia com resultado compatível com processo inflamatório crônico (linfoplasmocitário) caracterizado pela ausência de eosinófilos. Foi demonstrada a presença de GAG na mucosa nasal e sinusal nestes pacientes.14

 

Conclusão:

 

As mucolissacaridoses apresentam uma série de alterações Otorrinolaringológicas.O otorrinolaringologista é tipicamente envolvido precocemente no tratamento desses pacientes e mantêm um papel importante após o diagnostico estabelecido pela recorrência e natureza progressiva dos sintomas. As patologias otológicas e de via aérea superior estão entre as mais precoces manifestações dessas síndromes e requerem tratamento cirúrgico na maioria dos casos.

 

 

   

 INTRODUÇÃO E REVISÃO DE LITERATURA

 

As mucopolissacaridoses (MPS) constituem um grupo heterogêneo de desordens metabólicas de transmissão genética caracterizadas pela deficiência de enzimas envolvidas no catabolismo dos glicosamoniglicanos (GAG). As alterações enzimáticas levam ao acúmulo de mucopolissacarídeos não degradados no interior dos lizossomos. São descritas seis síndromes com seus subtipos e uma grande variedade de manifestações clínicas dependendo do tipo de deficiência enzimática e do tecido afetado (1).

A incidência varia de 1:30.000 a 1:150.000. Trata-se de uma doença autossômica recessiva, exceto a MPS II (Síndrome de Hunter), que tem herança ligada ao X(2).

O diagnóstico é baseado na suspeita clínica e confirmado pela dosagem de glicosaminoglicanos excretados em excesso na urina(3). A amniocentese permite o diagnóstico pré-natal (4).

Inicialmente as MPS foram denominadas por epônimos e somente após o advento da bioquímica foi possível estabelecer a deficiência enzimática específica de cada tipo de MPS

As manifestações patológicas da doença se devem ao acúmulo de mucopolissacarídeos nos vários tecidos. Essas substâncias são encontradas em abundância no tecido conjuntivo das cartilagens, ossos, vasos sanguíneos, pele tendões e córnea(5). O acometimento de estruturas da cabeça e pescoço faz com que essas síndromes sejam de particular interesse para o otorrinolaringologista.

A apresentação clássica da mucopolissacaridose ocorre na síndrome de Hurler (MPS I). Os pacientes parecem normais ao nascimento, mas posteriormente apresentam atraso de desenvolvimento e baixa estatura. As características típicas incluem cabeça larga, ponte nasal achatada, ângulo nasolabial obtuso, hirsutismo, córnea opaca, macroglossia, testa proeminete, articulações alargadas e com diminuição da mobilidade, deformidades esqueléticas, infecção respiratória e sinusal de repetição, rinorréia persistente, otite média, hipoacusia mista progressiva, obstrução de via aérea superior, apnéia obstrutiva do sono e hidrocefalia. O diagnóstico é feito entre 6 e 24 meses e a expectativa de vida vai até a 1ª ou 2ª década (6).

As demais síndromes da mucopolissacardidose, seus epônimos, enzimas mutadas e principais características são descritas na tabela 1.

Essas síndromes apresentam variações em relação aos tecidos mais afetados, severidade dos sintomas, grau de atraso de desenvolvimento neuropsicomotor e apresentação fenotípica.

O otorrinolaringologista é tipicamente envolvido precocemente no tratamento desses pacientes e mantêm um papel importante após o diagnostico estabelecido pela recorrência e natureza progressiva dos sintomas (1). Patologias otológicas e de via aérea superior estão entre as mais precoces manifestações dessas síndromes (7) e requerem tratamento cirúrgico em mais de 50% dos pacientes (8).

A otite média com efusão é um problema recorrente na grande maioria dos pacientes com mucopolissacaridose. Resulta do acúmulo patológico de glicosaminoglicanos no ouvido médio e estruturas de via aérea superior. Perda auditiva neurosenssorial pode ocorrer pela infiltração do ducto coclear, estria vascular e nervo coclear(7).

A obstrução de via aérea é um problema grave nesses pacientes. O depósito de glicosaminoglicanos é progressivo, começando com obstrução nasal até o estreitamento distal dos brônquios(9). A infiltração progressiva da árvore bronqueotraqueal leva ao estreitamento da via aérea (10).  Esses pacientes apresentam também anatomia nasal alterada, rinite crônica mucopurulenta com secreção espessa, hipertrofia adenoamigdaliana (também por acúmulo de glicosaminoglicanos) e macroglossia que causam obstrução de via aérea superior e apneia obstrutiva do sono (9).

Quando submetidos a procedimentos cirúrgicos, esses pacientes apresentam risco anestésico aumentado. Além da dificuldade de intubação, existem relatos de cor pulmonale agudo no pós-operatório imediato(11).

Neste estudo descrevemos as características de 12 pacientes portadores de mucopolissacaridose com enfoque nas características otorrinolaringológicas, e comparamos com os achados descritos na literatura.

  

 

Tabela1. Classificação das mucopolissacaridoses

CLASSE

EPÔNIMO

ENZIMA DEFICIENTE

PRINCIPAIS CARACTERÍSTICAS

I - H

Hurler´s

α- L- Iduronidase

Retardo mental, organomegalia, doença cardíaca, córnea opaca

I - S

Sheie´s

α- L- Iduronidase

Inteligência normal, estatura próxima do normal, córnea opaca

I - H/S

HurlerSheie

α- L- Iduronidase

Fenótipo intermediário

II

Hunter´s

Iduronate-2-sulfatase

Inteligência intermediária, ausência de córnea opaca, baixa estatura

III A

Sanfilippo´sA

Heparan

N-sulfatase

Retardo mental profundo; alterações somáticas leves

III B

Sanfilippo´sB

α- N-acetilglucosaminidase

Semelhante III A

III C

Sanfilippo´sC

α-glucosaminidase-N-acetiltransferase

Semelhante III A

III D

Sanfilippo´sD

N-acetil-glucosamine-6-sulfatase

Semelhante III A

IV A

Morquio A

Galactosamine 6 sulfatase

Inteligência normal, displasia esquelética, hipoplasia do processo odontoide

IV B

Morquio B

β galactosidase

Semelhante à IV A, mais branda

V

Renomeada

Sheie´s

 

 

VI

Maroteaux-

Lamy

N-acetilgalactosamine-4-sulfatse

Inteligência normal; fenótipo semelhante à I- H

VII

Sly

Β glucuronidase

fenótipo semelhante à I- H

 

 

 

MATERIAIS E MÉTODOS

 

Os pacientes incluídos neste estudo foram encaminhados do ambulatório de doenças metabólicas ao serviço de Otorrinolaringologia do nosso Hospital durante os anos de 2004 e 2005.

O diagnóstico de MPS foi feito através das características clínicas e dosagem urinária de metabólitos dos glicosaminoglicanos, específica para cada tipo de deficiência enzimática.

Todos os pacientes foram submetidos a um protocolo de avaliação específico que inclui sintomas clínicos, dados referentes ao exame físico e ao exame de Fibronasolaringoscopia. Os dados complementares foram obtidos através de pesquisa do prontuário médico.

 

RESULTADOS

 

Foram avaliados 12 pacientes, 8 do sexo masculino e 4 do sexo feminino. Em relação ao tipo de MPS : 7 pacientes apresentavam MPS tipo I, 3 pacientes MPS tipo II e 2 pacientes MPS tipo III. Dos pacientes portadores MPS tipo I, seis apresentavam a síndrome de Hurler e 1 paciente portador da  síndrome de Sheie. A idade variou de 2 a 21 anos (média de 7 anos).O paciente portador da síndrome de Sheie constitui um "out side" em nossa amostra. Portanto, resolvemos comentá-lo separadamente. Excluindo-se este paciente com MPS do tipo I, obtemos um grupo mais homogênio em relação à idade com média de 5,7 anos. A idade média de início dos sintomas que motivaram o diagnóstico de MPS variou de 3 meses a 4 anos com média de 1 ano e 9 meses (1,7 anos). Três pacientes (25%) apresentaram sintoma otorrinolaringológico como manifestação inicial: 2 pacientes com atraso de fala e 1 paciente com infecção de vias aéreas superiores de repetição. Queixa de respiração oral foi observada em 10 pacientes (83%). Dos pacientes sem esta queixa, um deles é o paciente portador de Síndrome de Sheie e o outro paciente já havia sido submetido a cirurgia de adenoamigdalectomia há 1 ano. Apnéia obstrutiva do sono ou pausa da respiração durante o sono foi observada por pais ou responsáveis em 8 pacientes (67%). Dois pacientes os pais não souberam responder. Queixa de hipoacusia foi observada em 6 pacientes (50%).

Ao exame clínico 8 de 10 pacientes (80%) apresentavam otoscopia  sugestiva de otite média serosa, um paciente apresentava tubo de ventilação bilateral e o paciente com síndrome de Scheie (SS) apresentava otoscopia normal. A visualização da membrana timpânica no primeiro exame não foi possível em dois  pacientes. Foi considerado exame sugestivo de otite média serosa opacificação de membrana timpânica e aumento da trama vascular.

Foi utilizada a classificação de Brodski 12  para classificar as amígdalas: 1 paciente com  grau I; 4 pacientes com grau II;  1 paciente com grau III e dois pacientes com grau IV. A hipertrofia amigdaliana não foi classificada em 4 pacientes. Oito pacientes (66,6%) apresentavam classificação de Mallampati 4. 13

À rinoscopia anterior, nove (75%) pacientes apresentavam hipertrofia de conchas nasais.Um paciente apresentava um pólipo nasal unilateral obstrutivo.

Hipertrofia adenoidiana foi avaliada em 11 pacientes. Na avaliação endoscópica considerou-se grau 1 o tecido adenoideana que obstruía menos de 50% das coanas, grau 2 de 50 a 75% e grau 3 maior que 75%. Consideramos grau 3 de obstrução quando o tecido adenoideano atinge ou ultrapassa o tórus tubário .

Seis pacientes haviam sido submetidos a tratamento cirúrgico. Dos pacientes não submetidos a cirurgia  3 pacientes apresentavam grau 3 ,  1 paciente grau 2. O paciente portador S. de Sheie não apresentava adenóide ao exame.

Entre os pacientes operados: 3 pacientes foram classificados como grau 3; 2 pacientes grau 1 e 1 paciente grau 2 entre 60 e 70%

Três pacientes (25%) haviam sido submetidos previamente à colocação de TV. Destes, 2 ou 67% se apresentavam com sinais de OMS ao exame (recidiva) e 1 apresentava TV ao exame.

História de adenoidectomia prévia foi encontrada em 7 pacientes (58%). Todos os pacientes apresentaram melhora dos sintomas de obstrução de vias aéreas após o procedimento. Destes, 6 pacientes ou 86% evoluíram com recidiva da sintomatologia. A Média de recidiva após o procedimento foi de 1 ano e 2 meses.

Um paciente (83%) foi submetido a adenoamigdalectomia prévia e mantinha a melhora dos sintomas.  Este paciente já havia sido submetido à adenoidectomia anteriormente com recidiva dos sintomas.

Nenhum paciente do estudo havia sido submetido a Traqueostomia. Posteriormente um paciente que apresentou uma complicação pulmonar  necessitou ser traqueostomizado na unidade de tratamento intensivo

 

Discussão:

Os resultados da nossa série ilustram a alta prevalência de sintomas otorrinolaringológicos nos pacientes portadores de MPS. Geralmente os pacientes apresentam manifestação precoce da doença (média de 1 ano e 9 meses em nossa série) e necessitam de avaliações periódicas por um Otorrinolaringologista.

A alta prevalência de sintomas relacionados à obstrução de vias aéreas (respiração oral e apnéia) é causada por uma combinação de diferentes fatores. O principal fator refere-se à distorção da anatomia da via aérea superior provocada pela infiltração dos tecidos por mucopolissacarídeos. De acordo com a literatura, estes pacientes tendem a apresentar uma redução do diâmetro da traquéia, espessamento das pregas vocais, hipertrofia adenoamigdaliana, macroglossia, pescoço curto e aumento das secreções pulmonares e nasais. Os resultados obtidos em nossa amostra são compatíveis com a literatura.

Os pacientes portadores de MPS apresentam via aérea de difícil entubação pelas características descritas acima. Podem apresentar também instabilidade de vértebra cervical dificultando a hiperextensão da cabeça.

A cirurgia de adenoamigdalectomia é freqüentemente indicada nestes pacientes. Os altos índices de recidiva podem ser explicados pela própria fisiopatologia da doença.

Apenas um paciente, portador da síndrome Sheie, não apresentou sintomas ou alterações ao exame otorrinolaringológico.As características do paciente são compatíveis com o fenótipo da síndrome que caracteriza-se por inteligência normal e sintomas mais brandos em relação aos demais pacientes Estes pacientes apresentam uma  sobrevida maior.6

Otite média secretora é um problema recorrente nos pacientes com MPS. A falta de ventilação do ouvido médio decorre da obstrução da tuba auditiva e da consistência espessa das secreções. Em nossa série, 80% dos pacientes apresentavam otoscopia  sugestiva de otite média serosa. Dentre estes, dois pacientes já haviam sido submetidos à colocação de TV. O mecanismo responsável pela perda neurossensorial não foi esclarecido. A incidência de hipoacusia nestes pacientes varia entre os estudos de 28 a 100% 3. A perda auditiva pode ser progressiva. Em função da alteração de comportamento que estes pacientes podem apresentar, torna-se difícil a adaptação de aparelhos de amplificação sonora.

Há apenas um relato de pólipo nasal em pacientes com MPS na literatura 14. O paciente portador de pólipo nasal foi submetido à biópsia com resultado compatível com processo inflamatório crônico (linfoplasmocitário) caracterizado pela ausência de eosinófilos. Foi demonstrada a presença de GAG na mucosa nasal e sinusal nestes pacientes.14

 

Conclusão:

 

As mucolissacaridoses apresentam uma série de alterações Otorrinolaringológicas.O otorrinolaringologista é tipicamente envolvido precocemente no tratamento desses pacientes e mantêm um papel importante após o diagnostico estabelecido pela recorrência e natureza progressiva dos sintomas. As patologias otológicas e de via aérea superior estão entre as mais precoces manifestações dessas síndromes e requerem tratamento cirúrgico na maioria dos casos.

 

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

 

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