Artigo publicado no Caderno de Debates da RBORL:
Vol.68 ed.5 de Setembro - Outubro em 2002 (da página 12 à 20)
Autor: Dr. José Antonio Pinto (JAP)
Entrevista
PROCEDIMENTOSTERAPÊUTICOS EM LARINGOLOGIA
Dr. José Antonio Pinto (JAP)
ENTREVISTA com Dr. Agrício Crespo (AC)

(JAP) O que representa hoje a fonocirurgia dentro da laringologia?

(AC) A fonocirurgia tornou se a face mais visível da laringologia. É a responsável pela imensa popularidade que a laringologia alcançou em nossa especialidade. E parece ser apenas o começo. Vivemos numa época que destina brande importância à imagem, às aparências, às relações sociais e à performance profissional. As pessoas querem se apresentar da melhor forma possível. Estamos a um passo de reconhecer que a voz é um importantíssimo marcador social. E a conseqüência será a demanda por uma estética vocal. Talvez esta seja apenas a visão de um entusiasta. A fonocirurgia foi alimentada pelo desenvolvimento de novas tecnologias que favorecem o diagnóstico mais apurado, e retroalimenta esse contínuo progresso. Ainda que longe de oferecer solução para todos os problemas, a fonocirurgia apresenta alta resolutividade e esta é uma elas principais causas de sua visibilidade atual.

(JAP) Quais cus grandes avanços instrumentais e tecnológicos que tornaram possível os modernos procedimentos microcirúrgicos?

(AC) O século XX teve a marcado desenvolvimento tecnológico e a medicina motivou e beneficiou se desse período único na história da humanidade. As modernas tecnologias confirmaram e revelaram o conhecimento e desenvolvimento por nossos heróicos pioneiros da otorrinolaringologia, habituados a vasculhar cavidades escuras, sem iluminação natural. A laringoscopia direta, seguida da laringoscopia de suspensão que possibilitou o trabalho bimanual, foram os marcos iniciais. A introdução do microscópio na cirurgia da laringe foi revolucionária e estabeleceu as bases dos procedimentos contemporâneos. À partir dos anos 60 e, particularmente no anos 70, os incrementos foram vertiginosos. O desenvolvimento das fibras ópticas, o popularização do nasofaringolaringoscópio e do telescópio laríngeo foram fundamentais para a difusão da especialidade. Justiça à história, temos que reconhecer que o espelho de Garcia, ainda no século XIX, já havia mostrado o que passamos a enxergar com mais propriedade nessas últimas décadas.

O acoplamento dos sistemas de gravação de som e da imagem auxiliaram na transmissão do conhecimento e nas novas técnicas desenvolvidas. A tecnologia favoreceu a compreensão da anatomofisiologia da fonação, pela eletrofisiologia, estroboscopia, processos de análise acústica da voz e outros, com repercussão contínua nos proocedimentos terapêuticos. O desenvolvimento do laser de C02 é outro marco na história da cirurgia laríngea bem como a utilização dos materiais sintéticos implantáveis, como o teflon e o silicone.

(JAP) Técnicas sofisticadas durante a microlaringoscopia como a endoscopia rígida e de contato trazem reais vantagens diagnósticas e terapêuticas?

(AC) A endoscopia rígida acrescentou benefícios inegáveis. Executo a de rotina. Possibilita ângulos de visão impossíveis de ser obtidos com microscópio; que nos permite apenas uma visão "tubular" e unidireciónal da laringe. A visão anterior e da região subglótica obtida com endoscopia rígida é magnífica. Porém, excetuando se as neoplasias, os papilomas e as estenoses, as demais lesões laríngeos são infreqüentes nessas regiões. A grande vantagem, diagnóstica e terapêutica, é mais evidente na avaliação e no tratamento das neoplasias. Ainda assim, utilizo a em todas as demais condições. Não tenho experiência própria com a endoscopia de contato. Ainda estamos limitados aos critérios de avaliação que a histologia e a citologia clássicas determinam e, nestas condições, a endoscopia de contato parece ainda não oferecer a segurança necessária ao diagnóstico das neoplasias. Nas demais alterações laríngeas, os parâmetros clínicos e macroscópicos são mais determinantes que os aspectos histológicos.

(JAP) Quais são os princípios fundamentais e cuidados que um cirurgião deve ter ao intervir sobre uma lesão benigna de prega vocal?

(AC) 1. "Primun non nocere"

2. Reconhecer as necessidades e identificar a expectativa de seu paciente.

3. Não prometer o que não pode cumprir: nem todo resultado é previsível.

4. Buscar a melhor exposição possível.

5. Trabalhar com grandes aumentos: 40x ou 25x.

6. Restringir se à camada onde está a lesão.

7. Preservar ao máximo a mucosa.

8. Favorecer a coaptação: evite perda de substância ou áreas de de retração na borda livre.

9. Favorecer a vibração da mucosa: não troque a lesão por uma cicatriz ainda pior.

10. Evite sinéquias na comissura anterior: não deixe áreas cruentas bilaterais, anteriores.

11. Reconhecer limites, os seus e os do paciente: a arte de saber parar.

(JAP) Quais as indicações, vantagens e desvantagens do uso do laser de C02 em microcirurgia laríngea?

(AC) O laser tem sido objeto de discussões apaixonadas há muitos anos, e é hora de avaliarmos com mais isenção. Eu mesmo não me entusiasmava com o uso já fui um detrator do laser de C02 na microcirurgia laríngea, apesar de ser oriundo da escola médica que apresenta a maior convivência e conhecimento das propriedades físicas desse instrumento em nosso país. Revi minhas posições. O maior valor está no conhecimento e na técnica do cirurgião e não no instrumental, utilizado. Eu indico o uso do laser de CO2 no tratamento do câncer inicial da laringe, nas estenoses e na papilomatose. Nessas condições é um equipamento formidável. Permite cirurgia exangue, precisa, rápida. Torna possível alguns procedimentos que seriam extremamente difíceis ou impossíveis se executados com instrumentos convencionais. Não ocupa espaço dentro do laringoscópio, condição muito vantajosa nos casos de exposição glótica difícil, só obtida com os laringoscópios mais finos. Dá ao cirurgião sensação de ambidestria, pois pode se comandar o micromanipulador com ambas as mãos e com grande precisão.

As micropinças tradicionais foram desenvolvidas para a cirurgia nas pregas vocais, mas são mal dimensionadas e inadequadas para a região supra ou infraglótica, onde o laser é um facilitador. Não é por acaso que o tratamento endoscópico do câncer da laringe com laser de CO2 difundiu se nos grandes serviços nos Estados Unidos. A grande maioria dos pacientes tem alta hospitalar na manhã seguinte à cirurgia, alimentando se sem a necessidade de sondas e respirando sem traqueostomia. Estas cirurgias jamais devem ser executadas por quem não tenha sólidos conhecimentos em oncologia. E que fique claro que os oncológicos não são superiores com as laringectomias parciais por via externa. Não utilizo o laser em nódulos, pólipos, edema de Reinke, cistos e demais alterações estruturais. Excepcionalmente, alguns pólipos hemorrágicos mais volumosos poderiam ser mais facilmente operados com o laser. Acredito que a dissipação de calor, que ocorre além do dano tecidual, visível, possa ser lesiva à delicada estrutura da cobertura da prega vocal. Além de, a mim, parecer um luxo dispensável, quando não prejudicial.

A grande desvantagem do laser continua sendo seu preço elevado, que o torna dificilmente viável para um otorrinolaringologista que trabalhe sozinho e que mantêm suas indicações dentro de princípios científicos e éticos.

(JAP) Técnicas mais sofisticadas como a confecção de "micro flaps" e a dissecção subepitelial são hoje usadas em microcirurgias para lesões benignas como pólipos e nódulos. Há vantagens nestas técnicas ante as tradicionais?

(AC) As técnicas cirúrgicas mais recentes, como a confecção de microflaps e a dissecação subepitelial, têm um objetivo comum: maximizar a preservarão da cobertura epitelial da prega vocal. São técnicas que visam minimizar a perda de substância e a área cicatricial. Nem sempre estas técnicas são plenamente factíveis em sua execução adequada depende das características da lesão, muito variáveis, e também da qualidade da exposição laríngea obtida com o equipamento laringoscopia de suspensão durante o ato cirúrgico. O que temos observado é que, mesmo quando o epitélio é removido superficialmente, com a preservação dos vasos sangüíneos presentes na camada superficial da lâmina própria possibilita a repitelização adequada, sem áreas, cicatriciais evidentes.

(JAP) Lesões microestruturais de pregas vocais de difícil solução, como o sulco vocal, webs, atrofias e cicatrizes, apresentam hoje melhor prognóstico cirúrgico?

(AC) Certamente são, no entanto, as lesões que impõem o maior grau de dificuldade ao cirurgião dos resultados também não são tão excelentes como aqueles obtidos no tratamento das lesões fonotraumáticas, como os nódulos, pólipos, edemas e granulomas. Novamente devemos considerar a grande variabilidade dessas lesões quanto a extensão, profundidade, número e localização na prega vocal. Acrescente a isso, mais uma vez e sempre, a qualidade de exposição laríngea obtida com a laringoscopia de suspensão. Ainda não surgiu um tratamento plenamente satisfatório para este grupo de lesões. Há várias técnicas disponíveis, que vão desde o simples descolamento cirúrgico da cobertura das pregas vocais, seguido de um programa rigoroso de reabilitação vocal por fonoterapia centrada em exercícios vibratórios, na tentativa de "soltar" a mucosa e restabelecer seus movimentos muco ondulatórios. Outras técnicas tentam preencher o espaço de Reinke atrófico. Esta tentativa de reparação da camada superficial da lâmina própria, é geralmente feita com interposição de gordura autóloga, por técnica de injeção ou de enxerto de fragmentos.

A interposição de fascia autóloga também tem sido utilizada. Diversos materiais foram e continuam sendo testados. A imprevisibilidade e a inconstância de resultados é a marca registrada desses procedimentos. Acredito que os bons e os maus resultados que obtemos dependem mais das características variáveis destas lesões, como já citado anteriormente, do que propriamente da técnica cirúrgica empregada. O que ainda nos falta é um critério de classificação por severidade nesses casos, a exemplo dos estadiamentos que temos para outras lesões. Isto facilitaria a identificação de quais procedimentos seriam mais adequado a quais tipos de lesões. Os sucessos e fracassos seriam mais adequadamente interpretados. A variabilidade dos nossos resultados deve refletir a igual variabilidade das lesões que, por enquanto, ainda não são consideradas no momento da escolha terapêutica. O que decide é o "feeling" e a experiência do cirurgião. E isto não pode ser transmitido, ensinado e reproduzido. O fato é que nem sabemos como estas lesões se formam. Ainda nos falta conhecer sua fisiopatologia, prevalência, causas, enfim, há muito o que aprender ainda sobre este grupo. Mas é preciso ficar claro que muitos casos podem ser muito melhorados. Às vezes esse progresso não é percebido na melhora da qualidade vocal da paciente, mas, principalmente, no conforto fonatório.

O paciente consegue iniciar e manter a fonação com níveis menores de precisão subglótica, além de prolongar o tempo de fonação. São ganhos importantíssimos que freqüentemente, deixam o paciente muito satisfeito com o tratamento. A rigidez da mucosa e a fenda glótica, habitualmente presentes nesses casos. Fazem da fonação uma atividade que demanda grande gasto de energia, com conseqüente sensação de desconforto e fadiga.

(JAP) Qual o papel da terapia vocal pré e/ou após microcirurgia?

(AC) A fonoterapia , quando praticada por profissional competente na área, baseada em diagnóstico bem estabelecido e com objetivos bem definidos, é de grande valia ao paciente. Sempre gosto de lembrar ao paciente e aos fonoaudiólogos com quem me relaciono mais de perto, que a fonoterapia não é um fim, é um meio. O objetivo não é "ficar fazendo" e sim atingir o estado de melhora no menor tempo possível. As disfonias têm desencadeantes comportamentais e emocionais, além dos orgânicos, que habitualmente conhecemos e tratamos melhor. O contato mais freqüente e duradouro do fonoaudiológo com o paciente possibilita a este maior percepção de seu problema, que aprende a identificar seus comportamentos vocais inadequados, suas possibilidades e seus limites, através de exercícios exploratórios da produção da voz, as chamadas provas terapêuticas. Considero vantajoso que este relacionamento se estabeleça já no período pré operatório, mesmo que em poucas sessões. Há casos de AEM acompanhados de reações inflamatórias, edemas, comportamentos laríngeos compensatórios e francamente inadequados em que a caracterização da AEM suspeitada fica prejudicada e não pode ser estabelecida na avaliação inicial do paciente. Nessas condições, a fonoterapia pré operatória pode auxiliar na melhor das condições locais da laringe, associada aos demais procedimentos médicos e, assim, favorecer a identificação posterior das lesões subjacentes.

É o que costumo chamar de "limpar a área": tratamento medicamentoso quando indicado, mais fonoterapia, para uma posterior avaliação endoscópica mais refinada. No período pós operatório, indico a fonoterapia sempre nas lesões fonotraumáticas e nas demais lesões onde o restabelecimento ou manutenção da capacidade vibratória seja importante, o que ocorre, quando possível em 12 sessões em média. É importante que o fonoterapeuta tenha conhecimento e segurança para interromper o tratamento quando não há progresso e rever as técnicas adotadas, em perfeito entrosamento com o médico.

(JAP) A papilomatose laríngea apresenta hoje novas perspectivas terapêuticas além da excisão microcirúrgica?

(AC) Nos últimos anos, uma série de drogas tem demonstrado uma melhor eficácia contra a doença, não só como terapia coadjuvante, mas também como terapia única. Dentre estas drogas, podemos citar o cidofovir, a ribaverina, o acyclovir, os interferon alfas e o indol 3 carbinol. A imunoterapia, hoje com um caráter mais específico e refinado, e os derivados da hematoporfirina, também tem demonstrado resultados promissores na terapêutica contra esta doença. Os lasers, além da melhora como instrumento cirúrgico, têm se apresentados com novidades. Podem atuar não só como coadjuvantes com as drogas já citadas, como interagindo na doença propriamente dita. Trabalhos recentes com laser de corante, com comprimento de onda em torno de 585 nanômetro, tem sido classificado como de bons resultados.

(JAP) Como o Otorrinolaringologista deve proceder diante de um profissional da voz (cantor ou ator) portador de uma lesão benigna de prega vocal?

(AC) Cantores, atores e artistas de modo geral, são pessoas especiais, admiradas pela sociedade. A relação médicopaciente que se estabelece é freqüentemente mais intensa e carregada da emotividade que os caracteriza. São pessoas exigentes que oscilam da obsessão à indisciplina nos cuidados com a saúde e a voz. Muitas vezes, a natureza própria de sua atividade contrapõe se aos princípios do uso adequado da voz e dos hábitos regrados e saudáveis. O médico deve ter sensibilidade para perceber que são pessoas especiais, com necessidade específicas. E vamos parando por aqui. Temos lido, ouvido e repetido que devemos ser mais conservadores na indicação de procedimentos cirúrgicos nessas pessoas, que apresentam extremos de exigência com a qualidade vocal. Ora, se é assim com eles, que requerem o máximo desempenho de suas laringes em condições extremas, porque haveria de ser diferente com nossos pacientes comuns? Se o cantor ou locutor, de quem se espera excelência vocal, pode conviver com lesão menor, porque as demais pessoas não poderiam? Considero que um tratamento cirúrgico para uma pessoa portadora de uma lesão benigna de prega vocal está indicado ou não, na dependência do que se espera daquilo que realmente podemos oferecer. E isto independente de ser artista ou não. Da mesma forma, cuidados extremos com a técnica cirúrgica devem ser obedecidos sempre e em qualquer condição, com qualquer pessoa. Acredito que é no momento da avaliação clínica, da voz, da laringe e do diagnóstico que o otorrinolaringologista deve ter procedimentos diferenciados para os artistas.

A laringoscopia, necessariamente feita com nasofaringolaringoscópio flexível e também com telescópio (rígido) deve ser direcionada a detalhes e minúcias. O médico deve seguir um protocolo de exame com ênfase na avaliação funcional e não meramente na observação de lesões orgânicas.

DR. JOSÉ ANTONIO PINTO - OTORRINOLARINGOLOGISTA E CIRURGIÃO DE CABEÇA E PESCOÇO, CHEFE DO SERVIÇO DE OTORRINOLARINGOLOGIA DO NÚCLEO DE OTORRINOLARINGOLOGIA DE SÃO PAULO PRESIDENTE DA SOCIEDADE BRASILEIRA DE LARINGOLOGIA E VOZ (2001-2003).

DR. AGRÍCIO CRESPO - OTORRINOLARINGOLOGISTA, PROFESSOR DOUTOR DO DEPARTAMENTO DE OTORRINOLARINGOLOGIA E CABEÇA E PESCOÇO DA FACULDADE DE CIÊNCIAS MÉDICAS DA UNICAMP.
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