Artigo publicado no Caderno de Debates da RBORL:
Vol.65 ed.1 de Janeiro-Fevereiro em 1999 (da página 10 à 13)
Autor:
Consenso
Consenso Sobre Otite Média - Parte 2
OTITE MÉDIA RECORRENTE

Definição e fatores predisponentes

A otite média recorrente (OMR) pode ser definida como a ocorrência de três episódios de otite média aguda (OMA) num período de seis meses, ou quatro episódios num período de doze meses.

Quanto aos possíveis fatores de risco envolvidos na gênese da OMR, devemos destacar:

- infecções de vias aéreas superiores (IVAS);

- fatores relacionados ao hospedeiro;

- fatores anatômicos / disfunção tubária;

- fatores ambientais;

- alergia.

Em relação aos fatores relacionados ao hospedeiro, é importante citar: idade (quanto mais precoce o primeiro episódio de OMA, maior é o risco de OMS e/ ou OMR, principalmente quando este primeiro episódio ocorrer antes dos seis meses de idade), imaturidade e deficiência imunológica, predisposição familiar, aleitamento materno (aleitamento ao seio até os seis meses de idade está associado a uma chance menor de apresentar OMR devido a mecanismo de proteção imunológica, a efeito mecânico e à não sensibilização pela proteína do leite de vaca), sexo (meninos têm maior predisposição à OMR), raça (brancos e índios têm maior predisposição à OMR), presença de refluxo gastro esofágico, presença de vegetação adenóide hipertrofiada e/ou adenoidite, posição inadequada ao aleitamento ( deitada ) e uso de chupeta.

Do ponto de vista anatômico, a criança está mais predisposta que o adulto a apresentar recorrência pois apresenta tuba de Eustáquio mais horizontalizada , mais curta e imatura . Crianças com fenda palatina, fissura sub mucosa e Síndrome de Down têm disfunção tubária por alterações musculares e por isso apresentam maior risco para OM.

Quanto ao meio ambiente , a permanência em creches e o firmo passivo são considerados fatores contributórios. A incidência da OMR tem aumentado nos últimos anos e uma das causas é o número gradualmente maior de crianças freqüentadoras de creches. Sabe-se inclusive que a incidência de IVAS e suas complicações aumenta numa razão diretamente proporcional ao número de crianças freqüentando uma mesma sala. O papel do fumo passivo é controverso, mas acredita-se que ele aumente a incidência de IVAS (ciliostase) e consequentemente, a incidência de OMA.

Com referência à alergia, não existem estudos confirmando sua relação com OMR mas sabe-se que os indivíduos alérgicos são mais predispostos à IVAS, logo, com maior chance de desenvolvimento de OMA.

Apesar da dificuldade de se estabelecer urna relação direta entre alergia e OMR, os dados que se mostram a favor desta relação são o grande numero de crianças com OMR e alergia respiratória, história alérgica familiar, eosinofilia nasal e sanguínea encontradas em muitos pacientes com OMR, IgE alta em secreção de OMA e no sangue, além de mastócitos no fluido do ouvido médio. Por outro lado, trenos de 30% das crianças com OMR são atópicas; a incidência da OMA é maior no inverno e primavera sendo que a alergia polínica é mais freqüente no fim do verão e início de outono. A ausência de eosinófilos e baixos níveis de IgE em ouvido médio sadio e a falha no tratamento profilático da OMR com anti alérgicos e vacinas também são fatores contrários à essa relação. Ainda mais controversa é a relação entre alergia ao leite de vaca e a OMR. Hipoteticamente, a alergia poderia produzir um edema inflamatório da mucosa da tuba, obstrução inflamatória do nariz e aspiração de secreção da nasofaringe com bactérias para o ouvido médio. O consenso atual é de que possa existir uma relação entre OMR e alergia ao leite de vaca, porém limitada a poucos casos.

Tratamento

O tratamento profilático para OMR com quimioprofilaxia deve ser restrito a casos selecionados, como infecções freqüentes e graves em crianças menores de 2 anos que não freqüentem creches. O uso indiscriminado da quimioprofilaxia deve ser evitado, principalmente em decorrência do aumento de pneumococos resistentes. Nos casos selecionados, ela pode ser realizada com amoxicilina ou sulfametoprim, de metade a um terço da dose terapêutica em uma tomada diária, com duração de 1 a 3 meses , cobrindo os meses mais frios.

Nas crianças com OMR incontrolável com antibioticoterapia adequada e correção de possíveis fatores de risco, está indicada a colocação de tubo de ventilação. O tubo utilizado na maioria dos casos é o de curta duração podendo se associar ou não a adenoidectomia no mesmo ato cirúrgico.

Imunoprofilaxia

A imunoprofilaxia terá certamente papel importante na prevenção da OMR. Os agentes etiológicos comumente envolvidos na gênese da OMA são os vírus sincicial respiratório, adenovírus e influenza, e as bactérias H. influenzae, pneumococo, M. catarrhalis, Streptococcus pyogenes e Staphylocoecus. aureus. Atualmente existem vacinas contra influenza, H. influenzae e pneumococo.

A vacina contra o vírus da influenza possui moderada eficácia na prevenção da OMA Esta vacina deve ser utilizada anualmente, pois as cepas do vírus da influenza mudam constantemente e novas vacinas são produzidas com inclusão de cepas de acordo com recomendação da OMS.

Seu uso está indicado a partir dos seis meses de idade. É uma vacina inativada, portanto não causa sintomas de gripe. Há trabalhos mostrando redução na incidência de OMA secundária à IVAS por influenza. Já a vacina contra H. inffuenzae do tipo b não está indicada na prevenção de OMA, pois ela atua apenas contra a forma capsulada do tipo b, causadora de doenças invasivas e sistêmicas, e não contra o H. inffztenzae não tipável, agente responsável pelas otites. Atualmente, uma vacina contra H. influenzae não tipável está em estudo, mostrando eficácia em modelo animal. A atual vacina anti pneumococo cobre 85% dos sorotipos que causam OMA, porém é uma vacina polissacarídica e portanto só é imunogênica a partir dos dois anos de idade (a OMA é mais frequente antes dos dois anos). Aguarda-se em breve a liberação da vacina conjugada para pneumococo, mais eficaz e imunogênica já a partir dos dois fineses de idade.


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