Artigo publicado no Caderno de Debates da RBORL: Vol.64 ed.6 de Novembro-Dezembro em 1998 (da página 05 à 11) |
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Autor: Marcos Mocellin* |
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Artigo |
Rinoplastia - Técnica Básica |
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Introdução
A história da rinoplastia data de muitos séculos a.C. Segundo Susruta-Shamhita (50 a.C.), no seu trabalho Ayur-Vede, praticavam-se largamente as reconstruções crânio-faciais. Na índia antiga, de acordo com as leis de Manu, a amputação do nariz era o castigo para o adultério e, com isso, a rinoplastia deu os primeiros passos. No seu trabalho, Susruta-Shamhita descreveu a cirurgia da seguinte maneira: "O médico deve tomar afolha de uma árvore, nela cortar um pedaço do tamanho do nariz que falta, aplicá-la sobre a bochecha e cortar um pedaço da pele do mesmo tamanho. Este pedaço de tecido é aplicado no coto do nariz que antes foi escarificado, e aí costurado. Introduzem-se dois tubos nas narinas para facilitar a respiração. Se o nariz fica muito grande, recomenda-se cortá-lo e recomeçar de novo e, se muito pequeno, aumentá-lo."
Segundo Denecke & Meyer (1967), a cirurgia nasal iniciou-se com os indianos e nos séculos XV e XVI esteve em evidência entre os cirurgiões italianos; porém, esmoreceu totalmente nos dois séculos subseqüentes. No início do século XIX, a cirurgia voltou a ter projeção, quando ressurgiu o interesse pelo retalho indiano, principalmente entre os franceses e alemães, que no final do mesmo século já falavam em redução do nariz.
Figura 1 - Anatomia cirúrgica: a) Processo frontal da maxila. b) Ossos próprios. c) Cartilagem lateral superior. d) Cartilagem lateral inferior.
Durante a primeira grande guerra, a cirurgia teve um grande impulso, sendo que o alemão Joseph (1932), com seu trabalho Nasenplastik und sonstige Gesichtsplastik, estabeleceu todos os princípios básicos da cirurgia estética do nariz, vindo a ser considerado o pai dessa cirurgia. Outros cirurgiões se destacaram; porém, sem o brilho de Joseph, Blair (1931) e Gilles (1932).
A grande maioria das técnicas são modificações da de Joseph. Baseamos a nossa cirurgia na técnica de Diamond (1971), por acharmos que ela seja de fácil execução e ofereça bons resultados.
Fundamentos anatômicos do nariz
Descreveremos de maneira sumária as bases anatômicas relevantes para a cirurgia do nariz.
O termo nariz é utilizado para designar as regiões da face e do aparelho respiratório formadas pelo nariz externo e cavidade nasal (Gardner e colaboradores, 1971).
O nariz externo (pirâmide nasal) possui um esqueleto ósteo-cartilaginoso, para sua sustentação, formado ao alto pelos ossos nasais e processos frontais das maxilas e abaixo pelas cartilagens nasais, isto é, laterais superiores (triangulares) e laterais inferiores (alares) (Figura 1).
Cada cartilagem lateral superior fixa-se, acima, por baixo do osso nasal e ao maxilar e, abaixo, à cartilagem lateral inferior: na linha média (dorso nasal), funde-se à cartilagem do septo e a lateral oposta.
A cartilagem lateral inferior (alar maior) é eliptica e prende-se lateralmente à maxila (crus lateral), por um tecido fibroso; flete-se sobre si própria no ápice (ponta) e forma a parte medial (crus medial), que se prende à contralateral e parede inferior do septo, por tecido fibroso. Entre as cartilagens, encontramos tecidos fibrosos que preechem espaços como os existentes entre a margem inferior da narina e a margem inferior do ramo lateral da cartilagem lateral inferior (triângulo vazio), entre o ramo lateral da cartilagem lateral inferior e o orifício piriforme (tecido fibro-gorduroso das asas), entre as cartilagens laterais, alares e o septo (triângulo macio) e, finalmente, entre a cartilagem lateral e o recuo lateral inferior (fundo de saco ou fissura de Zuckerkandl).
A musculatura do nariz é muito rudimentar. Na porção cefálica do dorso nasal, temos o prócero (piramidal), que traciona para baixo o ângulo medial da sombrancelha e produz as pregas sobre a raiz do nariz.
O nasal, composto pela parte transversa (compressor do nariz) e alar (dilatador do nariz), comprime a abertura nasal na junção do vestíbulo com a cavidade nasal e fraciona a asa para baixo e lateralmente, alargando a abertura nasal anterior.
A inervação dos músculos do nariz externo é feita pelos ramos bucais do facial, enquanto que a pele recebe ramos do nervo oftálmico, através do ramo infra-troclear, do nervo etmoidal anterior através do ramo nasal externo e do nervo infra-orbital, ramo do maxilar.
Técnica cirúrgica
a. Anestesia
A pré-medicação consiste de um comprimido de Flunitrazepan 2 mg, via oral, uma ampola de Cloridrato de Tramadol, em aplicação intramuscular uma hora antes da cirurgia.
A anestesia local é feita com uma solução que consiste em 20 ml de Xilocaína a 2%, sem vasoconstritor, e 0,25 ml de solução milesimal de adrenalina. É suplementada com anestesia tópica, praticada com algodões embebidos em Neotutocaína a 1%, e colocados nas porções superior, média e inferior das fossas nasais.
Fazemos a infiltração antes da assepsia, para que haja tempo de uma boa vasoconstrição. Iniciamos a infiltração pela porção cefálica do dorso nasal, em direção à ponta do nariz; assim, inflitramos a columela, a região da pré-maxila, das cartilagens laterais superiores, seio piriforme e nervos infra-orbitários (Figura 2).
b. Técnica operatória
Após a assepsia e colocação dos campos cirúrgicos, fazemos mais uma infiltração na região mais alta do septo, atingindo os nervos e vasos etmoidais. Iniciamos com uma incisão intercartilaginosa, entre a cartilagem lateral superior e a inferior, de cada lado (Figura 3). Em seguida, unimos estas incisões, transfixando o septo nasal na mucosa da porção caudal da cartilagem septal (Figura 4). Com estas incisões, separamos a columela do restante do septo.
Figura 2 - infiltração nasal. Figura 3 - Incisão Inter-cartilaginosa. Figura 4 - Transfixação da incisão. Figura 5 - Descolamento do dorso.
Pela incisão intercartilaginosa atingimos o dorso nasal, onde separamos com tesoura de Metzenbaum o tecido do esqueleto ósteo-cartilaginoso (Figura 5), conectando o espaço criado com a incisão de transfixação.
Em seguida, separamos as cartilagens laterais superiores da cartilagem do septo, usando bisturi de lâmina 15, entrando paralelamente ao septo nasal, sob protetor do elevador de Converse, liberando-as até a parte óssea (Figura 6).
Uma vez realizadas essas manobras, temos todas as cartilagens liberadas, permitindo acesso ideal ao septo e a pirâmide nasal.
Com as partes moles do dorso nasal liberadas, devemos fazer o descolamento do periósteo dos ossos próprios (Figura 7).
Nesse tempo cirúrgico, faz-se a correção do septo nasal, variando a técnica para cada tipo de desvio. Fomos conservadores nas retiradas, principalmente na porção óssea (lâmina perpendicular do etmóide ou vômer).
Iniciamos então a redução do nariz, com encurtamento do septo nasal na sua porção caudal, variando a retirada de acordo com o comprimento do nariz.
Figura 6 - Liberação das cartilagens laterais superiores. Figura 7 - Descolamento do periósteo. Figura 8 - Encurtamento do septo. Figura 9 - Rebaixamento do terço médio.
Quando queremos fazer a rotação do nariz para cima (levantar a ponta), tiramos um triângulo de cartilagem com base superior (Figura 8).
A seguir, fazemos o rebaixamento do terço médio do nariz, ou seja, abaixamos o repto e as cartilagens laterais superiores com tesoura angulada (Figura 9). Iniciamos então o trabalho na ponta (cartilagens laterais inferiores).
A técnica por nós utilizada em 90% dos casos é a retirada da porção cefálica da cartilagem lateral inferior, através de uma incisão no meio desta cartilagem, descolando a pele do vestíbulo na sua porção cefálica, para depois incisar a porção a ser retirada, que varia de acordo com o tipo de ponta e pele de cada paciente. O paciente de pele fina merece que sejamos mais conservadores, enquanto que no de pele grossa somos mais agressivos. O importante é sempre o que fica e não o que é retirado (Figura 10). A incisão é fechada com catgut 4-0 simples, com agulha de 1,5 cm suturando a pele em um só ponto de cada lado.
Figura 10 - Exérese de porção cefálica da cartilagem lateral inferior. Figura 11- Uso da raspa no dorso.
Estamos, assim, com os terços médio e inferior corrigidos, o que nos dá o parâmetro para retirada da giba óssea, onde usamos um osteótomo de 10 mm ou 14 mm, dependendo da largura da porção a ser retirada. Após a retirada, podemos ou não usar a raspa, dependendo da necessidade de abaixarmos um pouco mais (Figura 11). Em seguida, fazemos as osteotomias laterais no processo frontal da maxila, utilizando osteótomo de 4 mm em homens e de 3 mm em mulheres, entrando por um tecido fibroso existente no seio piriforme e tendo como ponto de reparo a cabeça do corneto (Figura 12). Quando necessário, fazemos a osteotomia medial, com osteótomo de 10 mm, entrando paralelamente ao septo - e seguindo pela linha média.
Realizadas as osteotomias, fazemos a fratura nasal, através de manobra digital (Figura 13). Para que o nariz não fique com o teto aberto, a fratura deve ser completa.
Iniciamos a sutura, que fazemos com três pontos de catgut 3-0 cromado, montado em agulha reta, sendo o primeiro na porção superior, passando inicialmente pelo septo e voltando pela columela. Para ajudar na rotação do nariz, devemos colocar a porção septal do ponto mais abaixo e a porção columelar na porção mais alta possível. O segundo ponto deve ser dado na porção medial; e o terceiro, na porção inferior. Após a sutura, realizamos o tamponamento.
Há vários tipos de tampão: o que usamos é a gaze vaselinada com três dobras, embebidas em pomada de tetraciclina. Este tampão evita a sutura das cartilagens laterais superiores, mantendo-as no local de origem. Deixamos este tampão por 48 horas. A imobilização é, feita com tiras de micropore no dorso nasal, inclusive a ponta e a atadura gessada, por sete dias.
Cuidados Pós-operatórios
No pós-operatório imediato empregamos as medidas terapêuticas usuais. Utilizamos analgésicos e compressas geladas sobre os olhos, para diminuir o edema periorbitário.
Figura 12 - Osteotomia lateral. Figura 13 - Manobra digital para fratura.
O uso de antibióticos (amoxicilina) reservamos para os poucos casos nos quais notamos edema e dor da columela, a qual regride em poucos dias de uso da medicação.
Após 48 horas retiramos o tampão, recomendando o uso de pomada de bacitracina na porção interna do vestíbulo nasal.
Em sete dias, com a retirada do gesso, orientamos aos pacientes uma massagem de compressão digital nas porções laterais e no dorso, a qual deve ser repetida 10 vezes ao dia por 60 dias; isto ajuda a manter a pele no lugar e reduz o edema mais rapidamente.
Recomendamos evitar exercícios físicos por 30 dias, o uso de óculos por 60 dias e a exposição solar por 90 dias.
Reavaliamos os pacientes com 15 dias e depois de 30 em 30 dias, durante seis meses; e, a seguir, anualmente.
Referências Bibliográficas
BLAIR, V P & BROWN, J. B. - Nasal abnormalities, fancied and real, reaction of patient: their attempted correction. Sur. Gynec. Obstet., 53: 797-819, 1931. DENECKE, H. J. & MEYER, R. - Plastic surgery of head and neck; corrective and reconstrutive rhinoplasty. New York, Springer-Verlag, 1967. V 1. 548 p. DIAMOND, H. - Rhinoplasty technique. Sur. Clin. N Amer., 51: 317, 1971. GILLIES, H. & KILNER, T. P - Harelip: Operations for the corrections of deformities. Lancet, 2: 1369-75, 1932. JOSEPH, J. Nasenplastik und sonstige gesichtsplastik. Leipzig, Curt Kabitzch, 1932. SUSRUTA-SHAMHITA apud CASTIGLIONI, A. - História da medicina. São Paulo, Nacional, 1947. V 1. 597 p.
(*) Professor Titular e Chefe do Serviço de Otorrinolaringologia do Hospital de Clínicas (HC) da Universidade Federal do Paraná (FM-UFPR). Endereço para correspondência: Marcos Mocellin - Rua Bispo Dom José, 2505 - 80440-080 Seminário - Curitiba /PR.
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