Artigo publicado no Caderno de Debates da RBORL:
Vol.63 ed.6 de Novembro-Dezembro em 1997 (da página 04 à 04)
Autor: Mara Behalau, Ph.D; Paulo Pontes, M. D.
Artigo
As Chamadas Disfonias Espasmódicas: Dificuldades de Diagnóstico e Tratamento - Parte 1
Notas Históricas: Compreendendo a Evolução do Conceito de uma Doença

A isfonia espasmódica, antes chamada disfonia espástica, é uma das mais devastadoras desordens ela comunicação oral, caracterizada por qualidade vocal tenso-estrangulada, comprimida, áspera e/ou entrecortada, com ataque vocal brusco, interrupções na sonoridade e flutuações na freqüência fundamental, além de grande tensão, visualmente observável, do aparelho fonador. Pode aparecer em diversos graus de comprometimento e, quando extrema, chega a impedir totalmente a inteligibilidade da comunicação, deixando o indivíduo até mesmo sem condições ele uso social da voz. Tal alteração vocal é sempre pior ao telefone, sob estresse e nas ocasiões de competição sonora ou que requeiram o uso de forte intensidade, mas melhora quando se usa fala em registro elevado, particularmente na emissão em falsete ou, em alguns casos, sob o efeito do álcool.

Fisiologicamente, o dado mais comum que se observa são as pregas vocais pressionadas firmemente uma contra a outra, sendo necessário um grande esforço expiratório para produzir a vibração da túnica mucosa. A manifestação vocal, embora variável, é tão típica que permite o diagnóstico logo que se ouve a voz elo paciente, sendo facilmente identificada quando já se teve algum contato com essa alteração. Apesar desta característica típica na qualidade vocal, a disfonia espasmódica tem repetidamente desafiado os estudiosos da área e provocado controvérsias na literatura e em reuniões científicas. O número ele publicações sobre disfonia espasmódica na última década é maior do que em todo um século após sua primeira descrição, representando também a maior concentração de textos sobre problemas da voz e superando até mesmo, em quantidade, os trabalhos escritos sobre rouquidão ou nasalidade. A extensão da literatura sobre o assunto fica ainda mais desmesurada se considerarmos que a incidência cio distúrbio é muito baixa e que a maioria de nossos colegas passam tecla a sua viela clínica sem ao menos se deparar com um desses casos.

A primeira citação da chamada disfonia espástica é atribuída a Traube (1871), que descreve o caso, incurável, ele uma menina com 15 ,mos de idade, com "ataques histéricos" e uma disfonia em grau severo: "...a paciente, muito rouca, quase afônica, conseguia apenas raramente produzir alguns tons em falsete muito agudo, com enorme esforço... ".

O autor aponta urna causa psicológica para a alteração, denominando-a "gagueira laríngea".

Quatro anos mais tarde, Schnitzler (1875) descreve dois casos do que denomina "cãimbra elas cordas vocais e voz forçada", usando pela primeira vez as expressões "afonia espástica" e "disfonia espástica", considerando tratar-se de uma doença orgânica. Fraenkel (1887) usou o termo "mogifonia" para o desenvolvimento progressivo de uma desordem vocal caracterizada por fadiga vocal crescente, constrição espasmódica dos músculos da laringe e pescoço e dor ao redor ela laringe. De modo bastante inteligente, o autor comparou essa desordem laríngea à "mogigrafica" ou "cãimbra do escrivão", que seria reconhecida posteriormente como uma forma bastante comum de distonia de torção da mão e do braço. Em 1899, Gowers descreve o espasmo laríngeo funcional, contrastando-o com o quadro de paralisia da prega vocal. É interessante comentar que, quase 70 ,mos depois, a paralisia da prega vocal viria a ser induzida como forma de alívio da própria condição espasmódica da laringe.
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