Artigo publicado no Caderno de Debates da RBORL:
Vol.60 ed.4 de Outubro-Novembro-Dezembro em 1994 (da página 01 à 16)
Autor: Ricardo Ferreira Bento**, Aroldo Miniti***, Adolfo Leiner******, Tanit Ganz Sanchez****, Milton S. Oshiro*******, Maria Isabel Machado de Campos*****, Maria Valéria Goffi Gomez*****, Carlos A. S. Nunes*******, Helena T. T. Oyama*******
Artigo
O Implante Coclear FMUSP-1: Apresentação de um Programa Brasileiro e seus Resultados Preliminares.*
INTRODUÇÃO

De acordo com a Organização Mundial de Saúde (OMS), a deficiência auditiva afeta cerca de 10% da população mundial, sendo a principal causa de deficiência física crônica sem tratamento no mundo, nos dias atuais. Este percentual varia de acordo com as condições sócio-econômicas de cada pais e com as características da população local, como raça, sexo, hábitos, estado nutricional e imunológico, ocupação profissional, cultura e, principalmente, o grau de informação sobre prevenção.

O Brasil é um país com marcantes diferenças sócio-econômicas, culturais, climáticas, raciais e com graves problemas básicos de saúde pública. Estima-se em cerca de 350.000 o número de indivíduos afetados pela deficiência auditiva severa e profunda em nosso meio.

Dentre as deficiências físicas do indivíduo, sem dúvida a surdez é uma das que menos recebe atenção por parte da sociedade, das autoridades e dos profissionais de saúde. A surdez dificulta uma das condições mais importantes na vida humana moderna que é a comunicação. Por esta razão, muitas vezes estes indivíduos são tratados como deficientes mentais e marginalizados da sociedade. Psicologicamente, tornam-se deprimidos, introvertidos e inseguros. Já os cegos e outros deficientes físicos podem se comunicar perfeitamente e, normalmente, acabam conseguindo ocupação profissional e integrando-se à sociedade. Por estes motivos, o surdo representa um pesado ônus à sociedade e sua família, sendo uma pessoa dependente por toda sua vida.

Até o aparecimento do implante coclear, aos doentes surdos totais só restava a possibilidade de uso de aparelhos convencionais que não satisfaziam em termos de audição de sons da natureza e discriminação de palavras, coadjuvando com terapias de treinamento de leitura labial e fala ou linguagem de sinais que deixavam a desejar quanto a resultados objetivos.

O implante coclear é basicamente uma prótese eletrônica usada para promover uma estimulação auditiva nos indivíduos com disacusia neurossensorial profunda bilateral. A finalidade deste implante é restaurar a sensação de audição útil para melhorar a capacidade de comunicação desses indivíduos1.

O implante coclear pode ser descrito como um conjunto formado por uma unidade de processamento da fala (externa), por uma unidade de suporte para programação e por uma unidade interna (implantável) constituída de uma antena de recepção e dos eletrodos de estimulação. A unidade de processamento da fala é constituída por um microfone, um processador de fala (speech processor), um sistema de acoplamento e um circuito de estimulação implantável. A unidade de suporte para programação é um sistema baseado em um microcomputador, cuja finalidade é programar os parâmetros de fala.



Figura 1. Fotografia de paciente submetido à implante coclear com transmissão por acoplamento percutâneo. Nota-se o "plug "na região retroauricular para adaptação do cabo proveniente da unidade externa.



O implante coclear pode ser classificado nas categorias2-6:

1 - Quanto ao modo de funcionamento do processador da fala: analógico ou digital. Analógico é aquele em que o som convertido em sinal elétrico e amplificado não recebe nenhum tipo de tratamento processual, isto é, ele tem as mesmas características de freqüência e intensidade que o som apresenta.

2 - Quanto à forma de acoplamento: percutâneo ou transcutâneo por rádio-freqüência.

3 - Quanto ao tipo de eletrodo: intracoclear ou extracoclear.

4 - Quanto ao número de eletrodos: monocanal ou multicanal.

5 - Quanto ao modo de estimulação do eletrodo: múltipla simultânea (vários eletrodos são estimulados simultaneamente) ou única (somente um eletrodo recebe o estímulo).

Pequeno histórico evolutivo e estágio atual do implante coclear no mundo.

O primeiro implante coclear foi descrito por Djourno7, na França, em 1957. A primeira cirurgia de implante coclear que obteve sucesso foi realizada por Doylel8, 9, em 1962, e o paciente obteve audição útil por mais de um ano. Em 1973, House e Urban relataram que já haviam realizado uma cirurgia de implante coclear em 1961, porém o paciente apresentou rejeição em menos de duas semanas de pós-operatório10.





Figura 2. Incisão retroauricular em forma de "C".





Figura 3. Elevação do retalho de pele.



O primeiro programa de uso clinico efetivo de implante coclear foi, sem dúvida, o do House Ear Institute de Los Angeles. Tratava-se de sistemas analógicos, monocanais, intracocleares com acoplamento percutâneo, isto é, através de um "plug" retroauricular no qual se encaixava a unidade externa nos eletrodos internos, implantados cirurgicamente. Este implante evoluiu para um acoplamento transcutâneo através de um sistema de transmissão por rádiofreqüência, devido principalmente aos problemas infecciosos da manutenção de um "plug" fixado externamente no crânio do indivíduo (Fig. 1). Com este sistema, foram implantados centenas de casos com resultados muito favoráveis para reabilitação foniátrica dos doentes. O implante foi produzido pela 3MR e vendido a vários serviços em todo o mundo, inclusive ao Brasil. A primeira cirurgia em nosso meio foi realizada por Albernaz11.

Muitos sistemas eletronicamente semelhantes a este foram fabricados e implantados em várias partes do mundo12, 13, 14, 15. O grupo de Viena trabalhou com a mesma unidade externa da 3M, porém com estimulador extracoclear, com eletrodo colocado sobre o promontório. Posteriormente, com a evolução da instrumentação eletrônica e principalmente da informática, começaram a ser desenvolvidos os sistemas multicanais (com vários eletrodos de estimulação e possibilidade de estimular vários pontos dentro da cóclea, enriquecendo a informação oferecida e melhorando sua discriminação). Os primeiros modelos multicanais foram analógicos (IneraidR, da Universidade de Utah, atualmente comercializado pela Richards Corporation)16, seguidos dos digitais (Hortmann; Universidade de Colonia-EMG15; Universidade de Merlborne-Nucleus17; Universidade de São Francisco Clarion18). Os digitais apresentaram a grande vantagem de poder trabalhar os sinais e adaptá-los individualmente a cada paciente, melhorando em alguns casos ainda mais os resultados.

Nos dias atuais os principais implantes encontrados no mercado para uso clínico são:

- Sistema monocanal, acoplamento transcutâneo, processamento analógico, eletrodo intracoclear, estimulação única. A Divisão de Implante Coclear da 3M foi desativada e o implante retirado do mercado. Em nosso meio, tem-se notícia (não há trabalho publicado) de um equipamento semelhante que teria sido fabricado em Porto Alegre.

- Sistema multicanal (4 canais), acoplamento percutâneo, processamento analógico, eletrodo intracoclear, estimulação simultânea.

Sistema multicanal (16 canais), acoplamento transcutâneo, processamento digital, um eletrodo extra ou intracoclear, estimulação única (seqüencial). É o programa de implante brasileiro que será detalhado neste trabalho.

Sistema multicanal (22 canais), acoplamento transcutâneo, processamento digital, eletrodo intracoclear, estimulação única (seqüencial). Ex.: NucleusR.

Sistema multicanal (12 canais), acoplamento transcutâneo, processamento digital, eletrodo intracoclear, estimulação simultânea. Ex.: ClarionR.

O Grupo de Implante Coclear da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo foi criado em 1989 com intuito de introduzir essa terapia em nosso meio. Dele fazem parte o grupo de Otologia da Disciplina de Otorrinolaringologia do Hospital das Clínicas da Universidade de São Paulo, a equipe de Bio-Engenharia do Instituto do Coração do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, a equipe de Fonoaudiologia do Hospital das Clinicas da Universidade de São Paulo e a equipe de Psicologia do Hospital das Clínicas da Universidade de São Paulo.

Este grupo multidisciplinar dispõe de todos os meios necessários para o desenvolvimento das unidades transmissora e receptora do implante coclear, para a sua aplicação em doentes portadores de surdez profunda bilateral, assim como para todo o processo de reabilitação e reintegração destes indivíduos à sociedade.

Houve um grande investimento na formação de recursos humanos (recursos do Banco Interamericano de Desenvolvimento), com intercâmbio de pesquisadores a vários serviços de outros países que já realizavam a cirurgia do implante rotineiramente. Este intercâmbio possibilitou a definição das características do implante coclear nacional. Houve também um grande investimento para o desenvolvimento tecnológico com verbas recebidas da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP), do Centro de Estudos e Desenvolvimento Avançado em Otorrinolarigologia (CEDAO), da Fundação E. J. Zerbini, da Phisics, do Hospital das Clinicas da FMUSP, da Faculdade de Medicina da USP e da CAPES. De todo este esforço resultou o primeiro aparelho de implante coclear de concepção e fabricação nacional que foi denominado IMPLANTE COCLEAR FMUSP-1.

O Programa Implante Coclear propõe o desenvolvimento e consolidação da tecnologia no Brasil. No contexto científico e tecnológico, esse aprimoramento é altamente desejável, pois representará a capacitação para suprir centros de pesquisas, hospitais e médicos para a reabilitação de doentes com surdez total. O projeto apresenta a possibilidade de uma integração de equipes multidisciplinares num objetivo comum.

Objetivos

Os principais objetivos do Programa são:

1 - A reabilitação do doente surdo e inclusão do mesmo em vida social de boa qualidade.

2 - Obtenção de um protótipo e produção de uma série piloto (10 unidades).

3 - Preparo e qualificação de pessoal médico, paramédico e técnico para iniciar a aplicação clínica do programa.

4 - Consolidar a tecnologia do implante coclear através do desenvolvimento dos principais componentes com tecnologia nacional, finalizando a construção do aparelho de implante coclear brasileiro a custo muito mais reduzido do que o importado.

5 - Transferência de tecnologia para uma empresa devidamente capacitada a produzir o implante coclear a um custo compatível à realidade econômica e social brasileira, para distribuição no Brasil e exportação a outros países.

6 - Ter a possibilidade de acompanhar o desenvolvimento tecnológico e seu domínio em uma área que está começando e que terá um desenrolar enorme. Perder esta oportunidade é perder o "bonde" do progresso, e posteriormente será difícil recuperar.

O programa apresenta alta relevância social e grande originalidade de idéia, uma vez que cria um modelo próprio de implante coclear a custo global expressivamente menor e com possibilidade de capacitação técnica de várias equipes no Brasil e no exterior.

Os objetivos desse trabalho são:

- apresentar o Programa Implante Coclear Brasileiro.

- descrever as características do implante coclear nacional.

- relatar o caso do primeiro paciente implantado e os seus resultados preliminares.

CASUÍSTICA E METODOLOGIA

Seleção de Doentes:

Para o Programa, foram selecionados 10 pacientes portadores de disacusia neurossensorial profunda bilateral, com base nos seguintes critérios:

a) já tenham adquirido linguagem antes da perda auditiva (surdez pós-lingual).

b) não tenham obtido beneficio com prótese auditiva convencional (ganho de inserção menor do que 55 dB HL).

c) tenham o nervo coclear com capacidade residual suficiente para obter uma sensação subjetiva de som ao estímulo elétrico apresentado.

d) tenham avaliação psicológica favorável em relação à motivação para usar o implante e se submeter às adaptações do modelo.

e) saibam ler, escrever e ter boa leitura labial, requisitos necessários para um bom aproveitamento na fase de reabilitação.

Serão excluídos, para o projeto atual, os doentes com:

- Menos de 10 anos e com mais de 45 anos de idade.

- Surdez pré-lingual.

- Otites.

- Malformações congênitas do osso temporal.

- Patologias vestibulares com hipertensão endolinfática.

- Deficiência mental.

Todos os pacientes candidatos foram submetidos a uma completa avaliação neuro-otológica com os seguintes testes:

A - No intuito de avaliar globalmente a função auditiva:

- Audiometria Tonal

- Discriminação Vocal

- Impedanciometria

- Potenciais Evocados (Eletrococleografia e BERA)

B - No intuito de avaliar a função vestibular.

- Testes vestibulares e de pares cranianos

- Eletronistagmografia

C - No intuito de avaliar a anatomia do osso temporal:

- Tomografia computadorizada de osso temporal

D - No intuito de avaliar a integridade do nervo auditivo: teste de estimulação coclear, feito com um estímulo elétrico semelhante ao gerado pelo implante, com uma agulha fixada ao promontório para se determinar se o mesmo apresenta sensação sonora subjetiva. O estimulador coclear foi inteiramente desenvolvido pela Equipe de Bioengenharia.

E - No intuito de se avaliar desvios de personalidades e alterações psicológicas significativas: testes psicológicos.

F - No intuito de explicar no que consiste o tratamento, como será a cirurgia e a reabilitação, o que é considerado um bom resultado e finalmente avaliar o grau de expectativa e estímulo para o tratamento: entrevista com a equipe e manual explicativo.

Procedimento Cirúrgico:

Foi montado um protocolo de sorteio aleatório e 5 doentes serão submetidos à colocação do eletrodo de estímulo no ouvido médio sobre o promontório (extracoclear), enquanto outros 5 doentes serão submetidos à colocação do eletrodo intracoclear, introduzido na rampa timpânica da cóclea, através da superiormente ao nervo facial e inferiormente ao anel timpânico, de modo a não se expor o nervo facial neste ponto e nem lesar o anel timpâníco e o tímpano. Com esta via (timpanotomia posterior), é possível visualizarse o promontório e o nicho da janela redonda (Fig. 6). Após esta etapa cirúrgica, é necessário brocar um depressão arredondada no osso parietal, a 4 cm posteriormente ao conduto auditivo externo, medindo cerca de 3 cm de diâmetro, onde será fixada a unidade receptora interna. Para tal, existe um molde com as mesmas medidas da referida unidade, de modo a poder-se realizar o nicho do tamanho necessário para encaixe perfeito do receptor.

superiormente ao nervo facial e inferiormente ao anel timpânico, de modo a não se expor o nervo facial neste ponto e nem lesar o anel timpânico e o tímpano. Com esta via (timpanotomia posterior), é possível visualizar-se o promontório e o nicho da janela redonda (Fig. 6). Após esta etapa cirúrgica, é necessário brocar um depressão arredondada no osso parietal, a 4 cm posteriormente ao conduto auditivo externo, medindo cerca de 3 cm de diâmetro, onde será fixada a unidade receptora interna. Para tal, existe um molde com as mesmas medidas da referida unidade, de modo a poder-se realizar o nicho do tamanho necessário para encaixe perfeito do receptor.





Figura 6. Realização da timpanotomia posterior e individualização da articulação incudo-estapediano, promontório e janela redonda.





Figura 7. Nicho para recepção da unidade interna com sulco para passagem do eletrodo.



A profundidade deste nicho vai variar de acordo com a espessura do osso parietal de cada doente. Vai-se brocando a depressão até o aparecimento, por transparência, da dura máter, sempre procurando deixar-se uma fina camada óssea por sobre ela. Este reconhecimento da dura-máter ocorre através da visualização de uma coloração vermelha-azulada, característica de dura máter. Broca-se também um sulco janela redonda.





Figura 4 - Elevação do retalho de músculo e periósteo.





Figura 5. Mastoidectomia, com exposição do antro, esqueletizado do seio sigmóide parede posterior do conduto auditivo externo e canal semicircular lateral.



Em ambos os casos, a implantação do eletrodo é feita por mastoidectomia com timpanotomia posterior, sob anestesia geral. Para a colocação do sistema receptor, após infiltração da pele com anestésico e vasoconstrictor, é feita uma incisão na região retroauricular (Fig. 2) em forma de "C", com descolamento de um amplo retalho (Fig. 3). Após, procede-se à exposição da escama do osso temporal e parte posterior do osso parietal, através do afastamento dos músculos temporal e parietal e elevação do periósteo da região (Fig. 4). Inicia-se, então, a mastoidectomia, brocando-se a cortical da mastóide com motor de alta rotação, com retirada de suas células até esquelitização do seio sigmóide, assoalho da fossa média, ângulo sino-dural, parede posterior do conduto auditivo externo e bloco labiríntico (Fig. 5). Através da ampliação do aditus ad antrum, realiza-se uma comunicação entre o antro e a cavidade timpânica, de comunicação entre o nicho e a cavidade mastoídea (Fig. 7). O receptor é o mesmo para os implantes intra ou extracocleares. Sua fixação é realizada através de 6 orifícios diametralmente opostos, realizados na borda do sulco com pequena broca cortante, de modo a poder passar um fio de nylon 1-0 (Fig. 8). Em seguida, procede-se à colocação dos eletrodos, que será diferente de acordo com o tipo escolhido (intra ou extracoclear). O eletrodo ativo é insinuado na cavidade mastoídea realizada e passado pela timpanotomia posterior, com fixação do mesmo no sulco previamente brocado, com fio de nylon 1-0. Nos casos de implantes extracocleares, o eletrodo ativo é fixado na janela redonda e estabilizado com um pedaço de músculo temporal previamente retirado. Naqueles casos em que a tomografia computadorizada mostrar que as rampas cocleares estão pérvias, poderá ser realizada a técnica intracoclear. O eletrodo ativo será, então introduzido por 5 mm através da j anela redonda e igualmente estabilizado por músculo temporal (Fig. 9). O eletrodo de referência-terra é colocado sob o músculo temporal. Para ambos os casos, é necessário brocar-se a janela redonda até visualização completa de sua membrana. Uma perfeita hemostasia é requerida para não haver infiltração de sangue entre as camadas do receptor. O fechamento da incisão é feito em 2 planos, com catgut 3-0 para o subcutâneo e nylon 4-0 para a pele, sendo que o retalho não deve ter mais do que 8 mm de espessura em cima do receptor, para não prejudicar a transmissão externa/interna. Recomenda-se a colocação de dreno na incisão para evitar acúmulo de fluidos sob o flap e realização de curativo compressivo que deverá ser removido em 48 horas, juntamente com o dreno (Fig. 10). O pós-operatório é simples e semelhante a qualquer cirurgia otológica, estando o paciente apto para suas atividades normais após 15 dias da cirurgia.

Reabilitação:

Após 30 dias de cirurgia, a Equipe de Fonoaudiologia inicia o trabalho de reabilitação da audição, através de terapias de 45 minutos, 3 vezes por semana, quando o paciente é treinado à percepção dos sons ambientes e da fala. Ele deverá decodificar os sons que receber, já que estes sons chegarão diferentemente aos seus ouvidos.

O treinamento auditivo tem por finalidade desenvolver a capacidade de percepção, reconhecimento e discriminação de ruídos. Esse trabalho é dividido em várias etapas, e uma seqüência deve ser obedecida:

1 - Presença e ausência de ruídos: sem olhar, o paciente deverá informar quando ouve um ruído que será produzido pela terapeuta. Ex.: despertador, batida de porta, rádio, instrumentos musicais, etc.

2 - Percepção de ruídos: devemos apresentar inicialmente dois ruídos e, sem olhar, o paciente deverá informar qual o ruído dado. Ex.: um tambor, uma batida em lata, etc.

3 - Discriminação de ruídos:

a) intensidade: forte e fraco.

b) duração do som: longo e breve.

c) freqüência do som: grave e agudo.

d) discriminação de vozes de animais e vozes humanas como a da mulher, do homem e da criança.

e) discriminação da música em relação à fala: a música orquestrada da música cantada.

4 - Ritmo: usaremos, para isto, instrumento de percussão.

a) iniciaremos com som binário, evoluindo até quaternário, variando apenas a intensidade do som,

b) sons binários e ternários, variando-se a intensidade e duração.

c) ritmo associado à palavra: falamos palavras mono, di, tri e polissilábicas, e o paciente deverá reproduzir o ritmo das mesmas.

5 - Identificação das palavras.

a) vogais: a-é-e-i-ó-o-u.

b) sons onomatopéicos, como vozes de animais.

c) fonemas.

d) 2 palavras com igual número de silabas. Ex.: pato-gato.

e) palavras que se opõem pelo traço de nasalidade oral/nasal das consoantes. Ex.: pão-mão; pato-mato.

f) palavras que se distinguem pela presença ou não do traço de sonoridade. Ex.: faca-vaca; pato-bato.

6 - Identificação de frases. Ex.: O prato quebrou. Paulo não veio hoje porque está doente.

7 - Entonação. Ex.: Que bonito dia! Onde você trabalha?

8 - Percepção figura fundo: discriminar os sons da fala com ruído de fundo (ruído ambiental).

Cada paciente receberá o treinamento de reabilitação pelo tempo necessário e suficiente para obter o máximo de resultado possível.

O IMPLANTE COCLEAR "FMUSP-1"

1- Descrição técnica

O dispositivo completo.de estimulação das terminações nervosas da cóclea pode ser dividido em três partes (Fig. 11):

a) Primeira parte: um dispositivo, conhecido como processador de som, capta o som, faz o tratamento do sinal elétrico resultante (filtragem e retificação) e gera o pulso bifásico que se torna o estímulo na terceira e última etapa. Todo esse conjunto fica contido numa caixa de pequenas dimensões, leve, facilmente portátil para o paciente (Fig. 12).

A captação do som é feita por um mini-microfone ligado a um circuito amplificador e um banco de filtros. Este decompõe o sinal elétrico em determinadas faixas de freqüências. Assim, pode-se extrair da onda sonora, os níveis de energia em algumas freqüências do som original. As freqüências que compõem o banco de filtros são: 200, 250, 315, 400, 500, 630, 800, 1000, 1250, 1600, 2000, 2500, 3150, 4000, 5000 e 6300 Hz.

Após filtrado, o sinal elétrico é retificado. Nesta operação, transforma-se a amplitude do sinal de cada freqüência de um dado som em uma diferença de potencial, ou tensão.

Em seguida, um pequeno microcontrolador, o cérebro eletrônico do processador de som, comanda a digitalização de cada nível de tensão. A partir da freqüência mais alta para a mais baixa, ele busca aquela que primeiro ultrapassar o equivalente a um determinado nível de energia sonora, estabelecido em 50 dB. Portanto, nenhum som abaixo de 50 dB é percebido pelo paciente (ruído de fundo).

Em função do filtro escolhido, um pulso bifásico é gerado. Inicialmente, o microcontrolador passa informações para um conversor digital-analógico que o transforma em um sinal elétrico, o qual será enviado ao transmissor, na segunda parte do equipamento.

Um circuito extra de apoio, porém muito importante, é o sistema de alimentação, responsável por suprir de energia todo o processador de som e o transmissor. O dispositivo é alimentado por uma bateria recarregável de 9V com autonomia de 8 horas de uso.

b) Segunda parte: o estímulo gerado na forma bifásica é transmitido ao receptor implantado.

A técnica de transmissão utilizada é a modulação por amplitude. Em outras palavras, o estímulo modula uma portadora, ou seja, um sinal senoidal puro, de alta freqüência (no caso, 15 milhões de ciclos por segundo). Este sinal é irradiado por uma antena de formato circular, impressa na face do transmissor voltada para a cabeça do paciente.

c) Terceira parte: a onda eletromagnética irradiada é captada por uma antena, na verdade um bobina circular interna ao receptor (Fig. 13). Por demodulação, a onda portadora é retirada do sinal, restando apenas o pulso bifásico. Este é aplicado, através de um eletrodo ativo, à cóclea. Há também um outro eletrodo (referência-terra), cuja função é servir de retorno do estímulo.

2 - Considerações sobre o ajuste ótimo do aparelho para cada paciente

O número ou ordem de colocação do filtro selecionado no banco de filtros serve como índice a uma matriz armazenada internamente. Esta matriz contém informações da amplitude, da largura de pulso e da freqüência do estímulo que deverá ser imediatamente gerada para estimular o paciente. Ela é uma seqüência de dados correspondentes aos 16 filtros. Os parâmetros nela contidos são variáveis de acordo com cada paciente e são determinados após a cirurgia, através de sessões de testes onde investiga-se o melhor ajuste para cada caso.

Os testes são feitos com auxilio de computador (Fig. 14): estimula-se a cóclea do paciente com um sinal continuo. Variando-se a amplitude do estímulo para uma dada freqüência, consegue-se determinar limiares mínimos, confortáveis e máximos (limiar doloroso). Alternando-se entre duas freqüências adjacentes de cada vez, determina-se a discriminação do paciente para cada freqüência do espectro.

Com base nesses testes, consegue-se fazer uma estimativa da condução do nervo auditivo e percepção do sistema nervoso central para o estímulo bifásico. As 16 freqüências melhor discriminadas são escolhidas e programadas para dar ao paciente uma intensidade sonora igual, evitando-se um efeito indesejável de variação do volume para cada estímulo diferente.

3 - Detalhes da confecção do receptor

O receptor é constituído por um disco cerâmico com circuitos eletrônicos, ímã, eletrodos e recipientes (Fig. 15).

No disco são depositados as trilhas do circuito eletrônico, feitas de prata-paládio. Os componentes eletrônicos, que usam tecnologia SMD (vide texto abaixo), são soldados com uma pasta de solda especial em um forno de refusão com injeção de nitrogênio líquido. Utiliza-se este gás inerte a fim de expelir o oxigênio no momento da fusão da solda, evitando-se qualquer tipo de oxidação instantânea. Este disco cerâmico é fixado com resina epóxi ao recipiente. Em seguida, também em ambiente inerte, são soldados os eletrodos de platina-irídio.





Figura 8. Unidade interna na posição. Percebe-se os eletrodos ativo e referência.





Figura 9. Eletrodo introduzido pela janela oval da coclea.



Após esta etapa, a peça é levada a uma capela saturada de gás inerte (Fig. 16) para evitar a presença de oxigênio durante a selagem. O conjunto recebe uma tampa e uma capa de borracha de silicone grau médico envolve todo o receptor do implante coclear.

A peça, portanto, possui ótimo grau de biocompatibilidade. Para se verificar a confiabilidade do dispositivo, submetemos o protótipo a uma série de stress mecânico segundo a norma ISO 5841, a mesma usada para marcapassos implantáveis. Foram realizados testes de vibração e choques mecânicos, assim como ciclos térmicos. Os resultados alcançados foram plenamente satisfatórios: logo após os ensaios, o receptor implantável continua funcionando sem nenhum ponto que denotasse falha ou fadiga.





Figura 10. Ferida cirúrgica, com dreno inferior.



4 - Material utilizado no implante

Alguns dos principais elementos utilizados como matéria-prima na confecção do protótipo nacional estão listados abaixo:

- microcontrolador de última geração, baixo consumo, conjunto de instruções reduzido (tecnologia RISC). É usado como cérebro eletrônico do processador de som.

- ímã de neodmio-ferro-boro, o qual apresenta a maior densidade de campo magnético, ou seja, maior poder de atração quando comparado com os demais materiais com propriedade de ímã permanente. É colocado um ímã no transmissor e outro no receptor com a intenção de alinhar ambas as unidade, além de sustentar o transmissor, que não possui nenhum outro tipo de fixação.

- componentes SMD (Surface Mounted Devices): são componentes para montagem de superfície de dimensões reduzidas. Deste modo, consegue-se redução da área de ocupação física superior a 50% em relação aos componentes convencionais. Capacitores, resístores, diodos e transistores SMD estão presentes tanto no transmissor quanto no receptor. (figura)

- cerâmica biocompatível, da família das aluminas, com pureza superior a 99,8%. É usada no receptor e sua composição é inerte, não provocando nenhum tipo de reação nos tecidos.

- cabos de eletrodo com fio de platina-irídio, multifilamentar, com alta flexibilidade.

RELATO DE UM CASO

O paciente F. C. R. C. J., 34 anos, branco, técnico em eletrônica, apresentou-se ao Serviço de Otorrinolaringologia do Hospital das Clínicas com história de hipoacusia bilateral há 12 anos, após um acidente automobilístico. A etiologia provável da surdez foi uma fratura de osso temporal associada a uma meningite adquirida durante a internação hospitalar ou ototóxico administrado durante a meningite pós-traumática.

O exame físico otorrinolaringológico do paciente era normal. Sua leitura labial era excelente, uma vez que o mesmo havia realizado cursos em escolas especializadas.

A audiometria mostrou anacusia bilateral e o paciente não obteve ganho de inserção maior que 55 dB na tentativa de adaptação de nenhuma prótese auditiva convencional.

A tomografia computadorizada, notava-se fratura de osso temporal, porém com boa permeabilidade das rampas cocleares.

Este paciente, estando dentro dos critérios pré-estabelecidos, foi selecionado para ser submetido à colocação do primeiro implante coclear nacional.



Figura 11. Diagrama de bloco da unidade externa.
Legenda:
1 e 2 - O som é captado e transformado em sinal elétrico.
3 - o banco de filtros separa o sinal elétrico nas 16 freqüências.
4 - a amplitude de cada filtro é comparada com o valor referência.
5 - gera-se um pulso bifásico correspondente ao filtro selecionado.
6 - o pulso bifásico modula uma onda portadora.
7 - após demodulação, o pulso bifásico estimula a cóclea.



O pós-operatório transcorreu sem intercorrências e o paciente apresenta-se, atualmente, em fase avançada de reabilitação fonoaudiológica.

O trabalho fonoaudiológico com este primeiro paciente reforçou a utilização das habilidades auditivas para um melhor aproveitamento da unidade externa do implante coclear.

Foram usados desde sons instrumentais e ambientais até material de fala para trabalhar a criação de pistas auditivas que facilitem sua leitura oro-facial e conseqüentemente sua comunicação.

O ganho imediato do implante coclear foi levar os limiares tonais em campo livre de 120 dB par 55 dB (por exemplo na freqüência de 500 Hz.). A média tonal sem o implante coclear era 110 dB, com as próteses auditivas convencionais testadas durante pelo menos 6 meses (Danavox 787 PP e Siemens 24 ESLPC) eram de 80 e 88 dB, respectivamente e com o implante coclear é de 70 dB, sendo que em 250 Hz seu limiar em campo é 40dB.

Em 4 meses alcançamos progressos no sentido que o paciente detecta sons ambientais, como latidos de cachorros, buzinas, campainhas etc. a 15 metros de distância e fora de casa. Sua performance de leitura oro-facial é melhorada em 20% com as pistas auditivas dadas pelo implante coclear, elevando seu desempenho de reconhecimento de monossílabos sem contexto de 48% para 68%. O paciente refere maior segurança para falar em ambientes estranhos ao seu cotidiano, já que se sente capaz de controlar a intensidade da sua voz; sentiu-se empolgado ao conhecer a voz de seu filho de 1 ano e 6 meses de idade. Embora relate falta de nitidez no som, é capaz de facilmente diferenciar sons complexos entre si de diferente duração e ritmo, sem a pista visual.



Figura 12 A. Detalhe da unidade externa com antena transmissora.



Figura 12 B. Paciente com unidade externa acoplada através de imã (transcutânea).



DISCUSSÃO

Os programas de tecnologia de ponta, como é o caso do implante coclear, são vistos com muita reserva pelos órgãos públicos e mesmo pela classe médica no Brasil. O seu alto custo é contestado em prejuízo de verbas que seriam destinadas a projetos básicos de saúde. Entretanto, o país despende vultosas quantidades de verbas com estes pacientes que, por serem surdos, constituem-se num pesado ônus para a família e órgãos previdenciários.

Até pouco tempo atrás, só tinham acesso ao implante coclear os pacientes que podiam custeá-lo por meios próprios ou através de serviços públicos isolados que dependem de verbas descontinuadas para compras de aparelhos implante, uma vez que nenhum órgão previdenciário e nem os seguros médicos privados se responsabilizam por este tipo de tratamento. Vários procuraram este recurso no exterior e tiveram grandes dificuldades com a parte técnica de manutenção do aparelho e com a reabilitação foniátrica (língua estrangeira) ao retornarem para o Brasil. Por isso, para este tipo de tratamento, o ideal é que o paciente more próximo ao grupo que o implantou ou que possa permanecer no local por alguns meses após a cirurgia. Depois da alta, sempre que possível, deverá retornar para verificações técnicas no equipamento.

O estabelecimento de uma tecnologia própria para o implante coclear nacional foi facilitado pelo fato de haver, entre nós, um setor de bioengenharia altamente capacitado a desenvolver projetos de ponta, especialmente ligados à estimulação, uma vez que o mesmo já trabalhava há vários anos com marcapassos cardíacos, que são igualmente aparelhos de estimulação elétrica. Além disso, estes equipamentos são muito sofisticados do ponto de vista eletrônico e necessitam de manutenção e regulagem periódica, as quais não são feitas no Brasil pelas empresas fabricantes internacionais.

Este programa tem a finalidade de transferir esta tecnologia obtida para a indústria nacional e formar grupos em diversas regiões do país capacitados tecnicamente para realizar todos os passos do tratamento, inclusive manutenção técnica.

O custo do equipamento estrangeiro é também outro ponto de empecilho. Os preços variam de US$ 16.000,00 a US$ 32.000,00 aproximadamente, somente para a unidade implantável, fora o custo necessário de implantação da estrutura com a compra de material de regulagem e teste do equipamento.

O domínio da tecnologia também possibilita o encontro de soluções que diminuam o custo, uma vez que no implante aqui produzido há uma grande taxa de equipamentos nacionais e a mão-de-obra de manufatura é infinitamente mais barata em nosso meio.



Figura 13. Unidade interna, com os eletrodos ativo e referência.



Figura 14. Paciente acoplado computador externo para ajuste do software com o engenheiro eletrônico.



Ao iniciarmos o projeto, enviamos os membros da equipe para vários centros em todo o mundo para observação dos projetos já existentes. Após estas visitas, o grupo chegou a algumas conclusões:

1 - Exceto a Universidade de Köln (Alemanha), todos os outros grupos não permitiram a transferência de tecnologia em forma de transferência de know-how para produção no Brasil, mesmo com pagamento de "royalties".

2 - A importação pura e simples de equipamentos, além de não ser viável do ponto de vista econômico e não ser aconselhável do ponto de vista técnico (manutenção), não era a finalidade de um grupo de pesquisa de uma Universidade, que é a desenvolver conhecimento.

3 - Era possível, dentro da situação técnica do grupo, desenvolver o equipamento e aplicar o treinamento em nosso meio.

4 - Era possível diminuir consideravelmente o custo de produção e confecção (aproximadamente US$ 5.000,00).

5 - Havia possibilidade de dar continuidade à pesquisa no sentido de evoluir na parte técnica do equipamento, que ainda está em sua fase inicial. Apesar dos resultados serem considerados bons, sem dúvida há perspectiva de uma evolução enorme que acompanhará o desenvolvimento tecnológico natural da humanidade e com isso estaríamos já acompanhado estes progressos.

Com base nisso, os parâmetros escolhidos para iniciar o Programa Implante Coclear no Brasil foram:

1) Sistema Monoeletrodo/Multicanal - Sob o ponto de vista técnico, apresenta um grau de complexidade substancialmente menor do que o sistema multicanal/multieletrodo. O sistema FMUSP-1 apesar de ser eletrodo único a estimulação é multifreqüêncial e seqüencial. Este último apresenta uma ligeira vantagem em relação ao grau de discriminação sonora da fala. Entretanto, na análise da relação custo/beneficio, este sistema é a melhor opção. Resumidamente, podemos distinguir tecnicamente essa diferença, afirmando que no sistema monoeletrodo somente uma informação, o estímulo, é transmitida sequencialmente ao mesmo eletrodo, enquanto no sistema multicanal, são transmitidos estímulos, a diferentes eletrodos em diferentes posições na cóclea. Há, ainda, a possibilidade de passar com o mesmo processador para uma segunda fase, usando o sistema multieletrodo com pequenas modificações, assim que esta tecnologia for dominada.

2 - Implante do Eletrodo Extracoclear ou Intracoclear - O extracoclear preserva a integridade da cóclea e será realizado em metade dos casos. O paciente, no futuro, terá a oportunidade de se submeter a um procedimento mais avançado. Já no implante do eletrodo intracoclear, esta possibilidade é mais remota, pois neste procedimento há o risco de lesão definitiva da cóclea durante a introdução, permanência ou retirada do eletrodo. Em alguns casos, também há impossibilidade de introdução do eletrodo na cóclea. Entretanto, tem a vantagem de levar o estímulo mais próximo às terminações nervosas cocleares. Será feito um estudo comparativo de ambos os tipos de eletrodo com a utilização do mesmo processador de fala.

3 - Processamento Digital - Com este processamento, as alterações nas estratégias de codificação da fala são facilmente realizadas, sem modificação do hardware do sistema. Pode ser utilizado tanto como eletrodo intracoclear como extracoclear. 4 - Acoplamento Transcutâneo - Essa abordagem foi preferida por apresentar menor risco de infecção e menor índice de problemas do contato elétrico.



Figura 15. Receptor em datalhe (tecnologia SMD).



Figura 16. Peça sendo trabalhada na capela de gás inerte.



Estas características são semelhantes ao programa da Universidade de Colônia, desenvolvido pelo Prof Banfai, adaptado e modificado pela equipe de Bioengenharia. Os trabalhos no software são todos desenvolvidos aqui.

Inicialmente, este programa foi dirigido somente às necessidades dos adultos pós-linguais, pois eles terão maturidade suficiente para nos dar informações mais precisas quanto ao aproveitamento do implante Coclear. O paciente deverá decodificar os sons que receber, já que estes sons chegarão diferentemente aos seus ouvidos. Com estas informações, teremos as condições necessárias para futuramente aplicar esta terapêutica em crianças ou adultos pré-linguais, portadoras de deficiência auditiva profunda.

Até os dias atuais, o tratamento mais efetivo conhecido para a surdez total é, sem dúvida, o implante Coclear. Os resultados descritos na literatura, e que tivemos oportunidades de acompanhar em visitas a outros serviços, são extremamente promissores. Os pacientes efetivamente recebem um grande impulso em sua comunicação, mudando sobremaneira sua vida.

Como em todo tratamento, existem os resultados considerados excepcionais, em que os pacientes discriminam quase que 100% das palavras sem leitura labial coadjuvante, 100% com leitura labial coadjuvante, comunicam-se ao telefone e têm uma vida muito próxima ao normal, melhorando a qualidade da fala, através do feedback produzido pelo implante. Existem alguns poucos que apresentam resultados praticamente nulos e chegam a pedir para retirar o implante, porém mesmo estes chegam a melhorar pela qualidade de reabilitação que é oferecida naturalmente em programas de implante Coclear e pelo estímulo psicológico que recebem durante sua reabilitação. Os casos intermediários, que são a maioria, sem dúvida se beneficiam sobremaneira com seu implante e apresentam vários graus de resultados, que correspondem ao grau de satisfação pretendido e orientado ao doente.

Certamente uma importante vitória é conseguida pelos programas de implante, talvez tão importante quanto o próprio programa em si. A grande maioria (cerca de 80%) dos doentes com deficiência auditiva que procuram nosso grupo, seja por indicação de médicos, de fonoaudiólogos ou através de informações divulgadas pela imprensa leiga, não têm indicação para uso de implante Coclear estágio tecnológico atual de seu desenvolvimento. Estes doentes são simplesmente mal protetizados e, tendo a possibilidade de tentar uma adaptação de prótese auditiva convencional bem feita, apresentam ganho de inserção que os eliminam do programa pelos critérios de inclusão (ganho de inserção menor do que 55 dB), adaptando-se bem à prótese auditiva e tendo resultados melhores dos que os que seriam obtidos através de estimulação elétrica. Este ponto demonstra claramente que devemos rever algumas posições quanto ao sistema de indicação de próteses auditivas no Brasil.

Há também a indicação clínica de que o resultado do implante em pacientes com surdez pré-lingual não é significativamente diferente com o uso de equipamentos mono e multicanais19. Esta constatação se reveste de importância a partir do momento em que poderemos, com o mesmo equipamento e tecnologia, usar nos pré-linguais um só eletrodo e nos pós-linguais o eletrodo múltiplo com o mesmo processador de fala. Isto barateia sobremaneira o programa, pois o equipamento monocanal é significativamente mais barato.

O grande handicap do equipamento nacional é o processador de fala, que é o mesmo para o mono ou multicanal. Na verdade, mesmo o monoeletrodo apresenta estimulação multicanal, pois existem 16 canais de freqüências que são transmitidas sequencialmente ao mesmo eletrodo.

A diferença com o implante da Nucleus é que as estimulações são transmitidas a diferentes eletrodos, produzindo estimulação em locais diversos dentro da cóclea, porém igualmente seqüenciais.

O implante da Symbion apresenta estimulações a diferentes eletrodos simultaneamente, porém seu acoplamento percutâneo é problemático. No Brasil, as complicações seriam maiores, uma vez que o clima é tropical e a sudorese e a prática de natação são mais freqüentes.

O problema da estimulação simultânea era de difícil resolução na estimulação percutânea, pois há um encarecimento muito grande do equipamento de transmissão e recepção para fazer esta transferência de informações do processador de fala aos eletrodos. O implante recém-lançado da Clarion parece resolver este problema com um menor número de canais, porém o custo elevado. Para se calcular a relação custo/benefício deste tipo de implante, será necessário observar a longo prazo os benefícios reais e as características dos pacientes que se submetem à implantação.

CONCLUSÕES

Os autores concluem que o Programa Implante Coclear da FMUSP atingiu os objetivos iniciais a que se propôs e, atualmente, trata-se da melhor alternativa de auxílio à terapia foniátrica, em nosso meio, aos pacientes com surdez profunda bilateral. Os resultados preliminares do paciente indicam percepção aos ruídos ambientais, melhora da leitura oro-facial e melhor integração sócio-profissional.

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** Professor-Associado da Disciplina de Otorrinolaringologia da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo - Coordenador da Equipe Médica do Programa de Implante Coclear.
*** Professor Titular da Disciplina de Otorrinolaringologia da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo.
**** Doutoranda do Curso de Pós-Graduação da Área de Otorrinolaringologia da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo.
******* Engenheiros da Divisão de Bio-Engenharia do Instituto do Coração do Hospital das Clínicas da FMUSP
***** Fonoaudiólogas do Hospital das Clínicas da FMUSP
****** Diretor da Divisão de Bio-Engenharia do Instituto do Coração do Hospital das Clínicas da FMUSP.

* Trabalho realizado pela Disciplina de Otorrinolaringologia da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (LIM - 32) e pela Divisão de Bio-Engenharia do Hospital das Clinicas da FMUSP. (Verba CNPq).
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