Artigo publicado no Caderno de Debates da RBORL: Vol.69 ed.5 de Setembro-Outubro em 2003 (da página 22 à 27) |
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Autor: DRA. TANIT GANZ SANCHES |
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Artigo |
Avanços no Conhecimento e no Tratamento do Zumbido |
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DRA. TANIT GANZ SANCHES
Nos últimos dez anos, houve um grande impulso no desenvolvimento cientifico dos estudos sobre o zumbido, um problema que vem aparecendo com maior freqüência nos consultórios de Otorrinolaringologia. Nos Estados Unidos, pesquisas indicam que 17% da população apresenta alguma forma de zumbido. No Brasil, não há estatísticas precisas sobre a doença. A estimativa é que cerca de 28 milhões de pessoas sofram com o mal no país. Em relação a população idosa, a porcentagem sobe para cerca de 30% dos indivíduos, principalmente por causa dos problemas auditivos ocasionados pelo envelhecimento.
Por causa da alta freqüência, o zumbido deveria merecer ma atenção especial dos otorrinolaringologistas. Mas na realidade, isso não ocorre. As faculdades de Medicina não abordam o tema em seus cursos regulares. Na residência, dependendo do local, o assunto também é negligenciado. Muitos profissionais ainda trabalham com a questão de que não há cura, fazendo com que o paciente perca as esperanças de uma melhor qualidade de vida.
Uma das maiores especialidades no assunto no Brasil, a otorrinolaringologista Tanit Ganz Sanches, que atua no Hospital das Clínicas, em São Paulo, diz que, como os avanços na área são relativamente recentes, muitos profissionais ainda têm dúvidas de como abordar o problema. "Vários profissionais estão se motivando, mas há necessidade de fazer uma formação particular", disse. Para isso, existem cursos de diagnósticos e tratamento do zumbido ministrados por profissionais especializados. "Daqui há alguns anos, a situação certamente estará bem melhor", considera Tanit.
Uma das constatações sobre a doença é que 90% dos casos de zumbido envolvem algum grau de perda de audição, às vezes, até imperceptível. Para Tanit, não é o zumbido que causa a perda de audição. "Nossa impressão é o contrário: depois que algum fator lesa parte das células ciliadas da cóclea, ocorre um aumento da atividade espontânea dentro da via auditiva em direção ao córtex. Como se fosse uma tentativa de compensação. Essa atividade elétrica aumentada é erroneamente interpretada pelo cérebro como um som".
Essa linha de pesquisa, que interpreta o zumbido como uma possível tentativa de compensação do ouvido, surgiu a partir de 1993. Por ser recente, há ainda muito o que explorar nesse campo de estudos. No entanto, a idéia é positiva, pois pode diminuir a carga negativa atribuída a este sintoma. Se 90% das pessoas têm algum grau de perda de audição, significa que 10% dos indivíduos com zumbido apresentam audimetria normal. "É possível que essas pessoas estejam percebendo nada mais nada menos do que a atividade elétrica normal do ouvido em funcionamento", diz Tanit. "De qualquer jeito, só podemos considerar isso depois de desertar outras causas de zumbido".
De acordo com a otorrinolaringologista, 80% das pessoas que têm zumbido não apresentam problemas em seu cotidiano. "O paciente que procura o otorrinolaringologista é justamente aquele que está incomodado, que não dorme bem, que perde a concentração no trabalho. Ou seja, que tem uma interferência na qualidade de vida."
O incômodo na vida da pessoa depende muito da idéia que o indivíduo tem do zumbido. "Se ele achar que o zumbido é uma doença grave, que pode piorar, que está ficando maluco com aquilo, o barulho vai passar a incomodar muito mais", comenta Tanit. Por isso, é importante que o otorrinolaringologista mostre que o problema pode ser amenizado ou resolvido. "O que ajuda o médico é se colocar no lugar dó paciente."
A importância da relação médico/paciente
Um dos problemas evidenciados para o tratamento do zumbido é a dependência do especialista quanto às informações que são passadas pelo paciente "Não é possível examinar o ouvido interno, pois sempre há o risco de surdez." Por isso, Tanit afirma que o médico sempre necessita obter informações adequadas do paciente. "Temos que ter um trato psicológico para perceber os pacientes que estão mais perturbados".
Foi justamente isso que Tanit fez ao receberem seu consultório o economista Elias (que preferiu não ter o sobrenome identificado). Desde 1993, ele notou a presença de um zumbido de baixa intensidade. Foi a um otorrino, que passou alguns remédios, mas não adiantou. O barulho continuava. Elias já havia aprendido a convivem com o problema. "Era uma pequena irritação, mas não me atrapalhava", diz. Em abril deste ano, depois de uma noite mal dormida, com dor de garganta, o paciente acordou assustado, com um terrível barulho em seus ouvidos. A intensidade do ruído tinha ficado insuportável e a sensação era de perda auditiva. "O barulho era tão grande que pensei que não conseguiria mais trabalhar". Procurou um otorrinolaringologista que verificou se o problema não era ocasionado por cera no ouvido. Não era. Tomou remédios que não solucionavam o distúrbio.
Elias acordava no meio da noite e não conseguia mais dormir. Sua rotina de trabalho mudou inteiramente. Cometia erros primários de português e trocava números nos cálculos. Já em pânico, começou a pesquisar na internet, onde tomou contato com os trabalhos desenvolvidos na área pela otorrinolaringologista Tanit Ganz Sanches. "Já nas primeiras semanas tive uma melhora muito boa, só com mudança nos hábitos alimentares", revelou Elias. Em um exame de curva glicêmica, ficou comprovado o aumento de insulina no sangue. Ele cortou os doces e o excesso de sal, e o barulho diminuiu.
Mas não são todos os casos em que apenas uma reeducação alimentar alivia as tensões do paciente. Em momentos onde é difícil precisar a causa da doença, foi desenvolvido um método de tratamento conhecido pelo nome de TRT (Tinnitus Retraining Therapy) ou Habituação. Trata-se de tentar diminuir ou eliminar a percepção do zumbido, mas sem revelar a doença que o causou.
Habituação: um tratamento que requer tempo e paciência
Para desenvolver esse método, é necessário entender os processos neurofisiológicos por que passa o som. Na maioria das vezes, o barulho é gerado na cóclea. Entretanto, para ser percebido, precisa percorrer toda a via auditiva, até chegar ao cérebro. Quando o paciente faz associações negativas com o zumbido, o processo ativará duas estruturas nervosas; o sistema límbico e o sistema nervoso autônomo. O sistema límbico é o centro das emoções. Medo, angústia, ansiedade e depressão estão relacionadas a ele. Já o sistema nervoso autônomo produz determinadas substâncias que provocam o incômodo. Com isso, aumentam as dificuldades de dormir, a pressão arterial sobe, o coração bate mais rápido e há uma sensação de mal-estar físico. "As pessoas que estão mais incomodadas com o zumbido, não são necessariamente aquelas que têm o ruído mais alto, mas as que ativaram essas outras estruturas não-auditivas", comenta Tanit. Ou seja, ao invés do zumbido percorrer toda a via auditiva para chegar ao cérebro, "ele entra também por mais duas portas", exemplifica. "Isso faz com que a pessoa não consiga se desligar do ruído."
O tratamento TRT tenta induzir a habituação ao som do zumbido, processo que ocorre quando o som não provoca nenhuma reação importante no paciente. Para desativar os sistemas, a TRT baseia-se em dois pilares que devem ser sempre seguidos pelos especialistas. O primeiro é a orientação. O médico deve informar ao paciente sobre o problema, na tentativa de apagar as idéias erradas e negativas sobre o zumbido. O segundo passo é evitar o silêncio. É preciso substituir o zumbido por outro som que seja neutro, monótono e mais baio que o ruído como música instrumental, sons da natureza, fontes de água etc. "Isso, aos poucos, auxilia o cérebro a diminuir a percepção do zumbido, melhorando sensivelmente o incômodo causado na vida do paciente", revela Tanit. A altura do som deverá ser diminuída na medida em que se reduz a percepção do zumbido. Existem, inclusive, aparelhos geradores de sons, esteticamente semelhantes a uma prótese auditiva, que podem ser utilizados no tratamento.
A TRT dura por volta de 18 meses. O paciente não estará curado do zumbido, mas o barulho vai tornar-se imperceptível, não mais atrapalhando sua vida diária. No entanto, o tratamento da habituação demanda tempo e paciência, tanto do otorrinolaringologista, como do paciente. Por isso, ele deve ser muito bem indicado. "Se um paciente tem zumbido, há dois meses, eu não vou propor inicialmente um tratamento tão longo como a TRT", diz Tanit. Nesses casos, o mais recomendável é a utilização de remédios específicos, de acordo com a causa, a urgência, e com o que já se tentou fazer a respeito do problema. Entre os medicamentos que podem ser usados no tratamento estão vitaminas, vasodilatadores, bloqueadores de canais de cálcio, estabilizadores de membrana, antiagregantes e moduladores de fluxo, ansiolíticos, antidepressivos e anticonvulsivantes.
Estatísticas de Baltimore e Atlanta, nos Estados Unidos, e Londres, na Inglaterra, mostram que cerca de 80% dos pacientes que completaram o tratamento até o foral observaram uma melhora importante. Atualmente, no Brasil, existem cerca de 40 profissionais capacitados, com curso de formação, para desenvolver esse novo tipo de tratamento.
Como a informação e orientação para o paciente formam um dos pilares básicos do tratamento da Habituação, foi fundado em 1999, em São Paulo, o GAPZ (Grupo de Apoio de Pessoas com Zumbido), com o objetivo de incentivar o contato com as pessoas com zumbido, dar informações atualizadas para homogeneizar os conhecimentos. A reunião, que ocorre toda primeira segunda-feira do mês, entre as 16 e 18 horas, no Hospital das Clínicas, é aberta a qualquer participante. Ela é dividida em duas partes. Na primeira meia-hora, há sempre uma palestra sobre o zumbido, com assuntos já definidos em uma programação que vai de março a dezembro. Todas as palestras são ministradas por profissionais especializados no assunto. Cerca de 50 pessoas comparecem às reuniões, onde cada um pode encontrar apoio e obter ajuda. "É muito importante como opção coadjuvante ao acompanhamento convencional, porque eles vêem o exemplo de pessoas que conseguiram melhorar do distúrbio e renovam a esperança de alcançar o mesmo resultado", diz Tanit.
Apesar dos avanços concretos no tratamento, ainda falta um caminho grande para percorrer. A ciência ainda precisa descobrir o que acontece exatamente dentro da via auditiva de uma pessoa com zumbido. "Ainda há muita coisa para ser esclarecida". Países como Estados Unidos, Inglaterra, França, Alemanha, Japão, Polônia e Austrália já estão bastante adiantados nos estudos sobre o distúrbio. No Brasil, vários centros já investem em um serviço especializado para o tratamento dos pacientes, como o Hospital das Clínicas, a Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), a Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto, a Faculdade de Medicina do ABC, entre outros.
DRA. TANTT GANI SANCHEZ - OTORRINOLARINGOLOGISTA, PROFESSORA DA FACULDADE DE MEDICINA DA USP E COORDENADORA DO GRUPO DE APOIO A PESSOAS COM ZUMBIDO DO HOSPITAL DAS CLÍNICAS DE SÃO PAULO.
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