Artigo publicado no Caderno de Debates da RBORL:
Vol.69 ed.3 de Maio-Junho em 2003 (da página 06 à 08)
Autor: DR. AURÉLIO VILLAFRANCA SAEZ
Opinião
A indústria farmacêutica nacional no contexto da produção de novos fármacos
Diretor médico da Farmasa, um tradicional laboratório farmacêutico do País, o dr. Aurelio Villafranca Saez fala sobre os prós e os contras da indústria farmacêutica brasileira. O médico, formado pela Universidade de São Paulo, mostra porque o Brasil é considerado um país com grande potencial de produção, mas que, em contrapartida, ainda não tem condições de realizar pesquisas para criação de medicamentos 100% nacionais.

"Acostumado a passar por momentos de muita oscilação, o mercado farmacêutico do Brasil vive hoje sob um controle de preços mais rigoroso", afirma o dr. Saez. Mas, apesar de haver diálogo, o que dá margem a negociações, o setor sofre com a falta de subsídios por parte dos governos, tanto os Estaduais como o Federal.

Obrigados a importar matéria-prima, os laboratórios se vêem na difícil missão de gerar recursos sem contar com uma balança comercial favorável. "Além de comprar as substâncias básicas para a produção dos medicamentos, temos que pagar royalties, impostos e intermediários. Exportar, quase nada", diz Saez, referindo-se ao fato de que as empresas precisam manter-se baseadas no consumo nacional, já que não têm condições de competir com os grandes fabricantes internacionais, que possuem fábricas distribuídas por todo o mundo.

Para o executivo, que ocupa o cargo há 3 anos, os gastos com distribuição, lucro das farmácias e impostos têm reflexo direto no preço final do remédios, prejudicando o consumidor. "Os laboratórios são comerciantes e precisam ter lucratividade para sobreviver", analisa Saez, acrescentando que, se o Governo comprasse os medicamentos diretamente dos fabricantes para distribuí-los, os preços poderiam cair em até 60 por cento.
Esses argumentos podem ser apontados como razões para o grande déficit do setor, farmacêutico brasileiro, que atingiu quase 4,5 bilhões de dólares em 2002.

Se por um lado o Brasil tem demonstrado grande capacidade de produção, já que a indústria nacional vende entre 10 e 12 bilhões de reais por ano, por outro, encontra dificuldades para desenvolver produtos totalmente nacionais. "O investimento em pesquisas como essas é enorme. Um único estudo poderia custar cerca de trezentos milhões de dólares. E se falarmos de pesquisas mais complexas de biotecnologia, esse valor poderia chegar a oitocentos milhões", explica o diretor da Farmasa. A pouca conveniência é clara. "Sem escala de vendas global não há como obter retorno. E sem subsídios, não há como nos inserirmos no processo de globalização", diz.

Mesmo diante das dificuldades impostas por este círculo vicioso, a indústria tenha se renovar. Muitos laboratórios possuem centros de pesquisas, que desenvolvem novas fórmulas a partir do produto já conhecido. "A indústria nacional pode criar novas concentrações de medicamentos específicos, ou fazer associações de substâncias que resultarão em uma novidade. Por exemplo: para que uma cápsula de 100 miligramas passe a ser vendida com 150 miligramas, é necessário um estudo que garanta sua qualidade e eficiência. Essas análises são feitas nos centros de pesquisas", explica Saez.

Outros exemplos são o Fonergin e o Descon, medicamentos adaptados no departamento de Pesquisa e Desenvolvimento Galênico da Farmasa, e relançados no mercado pelo laboratório. No caso do Fonergin, usado para irritação da garganta, duas grandes mudanças foram realizadas. O açúcar foi retirado da composição e suas pastilhas foram melhoradas, transmitindo sensação mais agradável ao paladar. Já o antigripal Descon, passou por um processo mais complicado. Um de seus componentes, a fenilpropanolamina foi proibida no Brasil, e a Farmasa teve de encontrar outra substância para substituí-la.

Pesquisas sobre a utilização de elementos naturais como medicamentos, a chamada Fitoterapia, é outro ramo que vem crescendo nos últimos tempos. "Muitas delas são realizada por ONGs que recebem incentivos", conta Saez, que ressalta as facilidades para estudos nessa área. "O baixo custo e o conhecimento pré-adquirida através de comunidades que consomem a planta há tempos são pontos importantes". conta.

Mas, apesar das vantagens apresentadas, a Fitoterapia têm suas restrições. A biodiversidade brasileira é uma delas. A variedade de elementos naturais é enorme e, portanto, não seria possível plantar milhões de espécies para uma produção de fitoterápicos em grande escala. Sem contar as dificuldades em comprovar seus efeitos.

O futuro

Com o intuito de conseguir recursos do Governo e aproximar a; universidades da indústria, para incentivar a pesquisa dentro da área privada, o setor está criando o Instituto de Pesquisa e Desenvolvimento da Indústria Farmacêutica, o IPD Farma. De acordo com o diretor médico da Farmasa, o modelo de pesquisa brasileiro tem que sofrer uma mudança radical. "Nosso modelo não é apropriado. Enquanto nos Estados Unidos 90% das patentes de medicamentos são feitas pela iniciativa privada em convênio com as universidades, no Brasil essa mesma porcentagem é feita pelas universidades que não tem qualquer contato com as empresas particulares", relata Saez, ressaltando a importância desse relacionamento.

Nos Estados Unidos, existem em torno de duas mil pequenas empresas de biotecnologia, graças aos subsídios de fundos de investimentos. Com esses recursos, elas são capazes de desenvolver uma nova molécula e vendê-la para os futuros fabricantes que, por sua vez, cuidarão de distribuí-la mundialmente. "O Brasil tem grandes cabeças para criar medicamentos inéditos. Com investimentos e apoio do governo, podemos crescer", conclui Aurelio Saez. Portanto, o caminho está aberto. Falta apenas um empurrão...

FORMADO EM MEDICINA PELA UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO, O DR. AURÉLIO VILLAFRANCA SAEZ É DIRETOR MÉDICO DA FARMASA, E O ATUAL DIRETOR DAS ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE MÉDICOS DA INDÚSTRIA FARMACEUTICA (ABMAIF). ANTES DE INGRESSAR NA FARMASA, SAEZ PASSOU POR IMPORTANTES LABORATÓRIOS COMO A AVENTIS PHARMA BRASIL, ONDE TAMBÉM DESEMPENHOU A FUNÇÃO DE DIRETOR MÉDICO.
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