Artigo publicado no Caderno de Debates da RBORL:
Vol.69 ed.1 de Janeiro-Fevereiro em 2003 (da página 11 à 18)
Autor: HUMBERTO GUIMARÃES
Entrevista
Avanço no Diagnóstico Audiológico





HUMBERTO GUIMARÃES (HG)

ENTREVISTA

CLEMENTE ISNARD RIBEIRO DE ALMEIDA (CA)

HG - Nós sabemos que alguns exames podem fornecer dados valiosos para o médico. Um exemplo é a impedanciometria que, talvez, pela sua simplicidade, ainda tem sido mal explorada em sua potencialidade (ausência de resposta, arco reflexo, pesquisa seqüencial, etc.) Qual sua opinião?

CA - A impedanciometria é um exame importante para o otologista. As informações que fornece são bastante seguras, simples e práticas. Logo que, apareceu, suas operações fundamentais foram consagradas. Essas operações são pesquisa da presença do reflexo ipsi e contralateral, com apenas uma freqüência da ponte, fadiga do reflexo e a timpanometria.

A interpretação desses resultados é segura, simples e fácil, e por isso o novo exame foi amplamente difundido e utilizado. Procurando aproveitar o tipo de exame começaram a aparecer estudos de filigramas, como a morfologia do reflexo do estapédio, a variação da freqüência da ponte, a sensibilidade do equipamento e as combinações entre eles. Essas novas modalidades são interessantes, entretanto, por falta das qualidades básicas acima citadas, não alcançaram difusão ampla, nem utilização prática. Uma modificação do aparelho permitiu medir a pressão perilinfática e, portanto, a pressão liquórica através do ouvido. O aparelho foi posto à venda, muitos centros compraram e, em seguida, caiu no esquecimento pela baixa aplicação clínica.

HG - Qual o futuro do ABR por click ou tone bursts, sobretudo no diagnóstico de perdas auditivas?

CA - O ABR é o típico exame que veio para ficar. Sem dúvida, é o potencial evocado auditivo mais prático e seguro. Acho que deve fazer parte de todo exame otoneurológico. Atualmente, começaram a ser comercializados equipamentos muito mais baratos, para obter esses potenciais, e a tendência é a de baratear ainda mais, o que deve difundir o exame em larga escala, em um futuro próximo. Depois que o exame padrão se torna uma rotina simples, o uso de recursos como a variação da freqüência de apresentação de estímulos, da polaridade, mascaramento e tipo de estímulo, começam a ajudar em casos particulares. Mas é necessário que o examinador seja cuidadoso, identifique quando é necessário usá-los, e que saiba como fazer e interpretar. O tipo de estímulo é um desses parâmetros. O click em regulagem padrão do aparelho, desde filtros, freqüência, etc., é o tipo de exame mais útil que, nos próximos anos, certamente fará parte do arsenal do ORL, como a audiometria limiar ou a impedanciometria. O uso de tone bursts não é propriamente uma novidade. Em 1978, quando aprendi como utilizar o ABR, já se ensinava o que é um click filtrado, um Pip e um tone burst, que um examinador sofisticado deveria conhecer e utilizar eventualmente. A obtenção de uma audiometria tonal limiar por potenciais evocados não é muito segura. Mas, sem dúvida, os tone bursts de baixa freqüência podem confirmar os limiares com mais precisão do que com clicks.

HG - Qual sua opinião sobre o teste de altas freqüências, média latência, P300 e mismatch negativity?

CA - A Audiometria de altas freqüências tem sua utilidade reservada para acompanhamento de pacientes que, programadamente, devem ser submetidos a agressores da cóclea. Continuará a ser usado no futuro, mas apenas para serviços muito especializados ou para pesquisas clínicas. As médias latências, como potenciais mistos acústicos e vestibulares, vêm sendo desdobradas e novas utilizações práticas estão sendo desenvolvidas. O VEMP já é utilizado como rotina e acredito que, no futuro, outros desdobramentos desse potencial poderão ser úteis na clínica.

O P300 e mismatch negativity são exames para fronteiras da ORL com a Neurologia e Psiquiatria. Atualmente, estudos neuropsiquiátricos em pacientes portadores de problemas de comunicação, como os esquizofrênicos, estão demonstrando que há semelhança entre os resultados obtidos pela ressonância magnética funcional e os obtidos pela eletrofisiologia, o que confirma a sensibilidade e especificidade desses exames, permitindo que sejam usados de forma mais simples e barata que os exames de imagem para acompanhamento desses pacientes.

HG - Sabemos de seu interesse pelo processamento auditivo central. O que você vê de utilidade no exame, como solicitá-lo, como avaliá-lo e quais suas indicações?

CA - A forma de avaliar o processamento auditivo central vem sendo estudada há muitos anos. O grande problema é a complexidade desse processamento, onde o estímulo sonoro interage com os visuais, somato-sensoriais e neuro-psíquicos. Essas interações fizeram com que numerosas formas de exame fossem elaboradas e, quando aplicadas em conjunto, tornam a avaliação do paciente um verdadeiro cipoal.

A grande utilidade desse exame é a avaliação da comunicação auditiva. Nem sempre escutar perfeitamente os sons quer dizer entender o que se está falando. Sendo um tipo de exame puramente funcional, pode identificar disfunções auditivas cerebrais e, principalmente, acompanhá-las na fase de reabilitação desses pacientes, desde simples casos de atraso escolar até mesmo em casos neurológicos graves. Essa reabilitação, quando estimulada, se dá pela plasticidade e, hoje, sabemos que também pela regeneração neurológica.

Quanto à utilidade prática, é uma forma muito útil para a pesquisa de distúrbio do sistema nervoso central em crianças com dificuldade no aprendizado e em deficientes auditivos em fase de reabilitação. Nas hipoacusias, serve tanto para verificação de qual tipo mais eficiente de prótese como para o monitoramento da reabilitação da comunicação com os exercícios de treinamento.

Como solicitá-lo é uma boa pergunta. "Um bom pintor usa poucas tintas na paleta". Eu uso praticamente só o SSI e PSI que, embora não façam um estudo completo dessas funções, me fornecem informações suficientes para orientação dos pacientes na prática clínica. Entretanto, há serviços que têm mais experiência com outros testes. Acho que a escolha do teste é um pouco como a técnica cirúrgica, ou seja, a melhor técnica é aquela com a qual o examinador tem experiência.

HG - Qual a sua opinião sobre a pesquisa tios potenciais vestibulares, como é feito, seu valor, seu mecanismo e sua confiabilidade?

CA - Os potenciais evocados vestibulares, desencadeados por estimulação sonora da mácula sacular (VEMP), já vêm sendo utilizado como rotina em alguns serviços europeus e asiáticos, por realmente fornecerem informações complementares na avaliação otoneurológica. Sendo um exame de fácil execução, imagino que deva ser incorpora do à bateria de exame: vestibulares no mundo inteiro.

O exame registra, na verdade, não um potencial neural, mas, sim sobreposição de respostas neurais a um enorme potencial muscular desencadeado por reflexo vestíbulo espinal Este é um reflexo vestibular oligosináptico, dependente da integridade da mácula sacular, do nervo vestibular inferior, dos núcleos vestibulares, das vias vestibuloespinais e do músculo efetor. Como avalia o reflexo final, este exame não se presta ao diagnóstico topográfico, mas confirma ou afasta o comprometimento da via envolvida, que não é avaliada pelas demais metodologias de exame otoneurológico.

O significado das respostas elétricas, a circuitária neural envolvida e o comportamento destas respostas em indivíduos normais já foram bem demonstrados. No entanto, apesar da descrição dos achados patológicos deste exame em diferentes afecções otoneurológicas, sua sensibilidade e especificidade ainda não foram determinadas.

Utilizando o VEMP na rotina de avaliação dos pacientes otoneurológicos em meu consultório e concomitantemente aos demais serviços que o utilizam, estamos adquirindo experiência e, em breve, serão determinadas a sensibilidade e especificidade do exame nas diferentes patologias.

HG - O que há de novidade no diagnóstico por imagens das doenças do ouvido? Poderia tecer considerações sobre cada exame CT, MRT, Ultra-Som, SPECT e outros?

CA - A eletrônica e a informática têm tido uma evolução vertiginosa, diria quase diária. As primeiras gerações de tomógrafos forneciam imagens que hoje consideramos como verdadeiras caricaturas. Mas os sofisticados tomográficos heliocoidais de alta resolução ainda não são capazes de resolver todos os nossos problemas das orelhas média e interna. Tenho certeza de que, nos próximos anos, teremos surpresas muito agradáveis em relação ao estudo da orelha. A Ressonância Magnética já permitiu mostrar com precisão indícios de aumento da pressão endolinfática e alteração do órgão de Corti. Entretanto, essa nova técnica só foi aplicada experimentalmente em peças anatômicas por utilizar campo magnético cerca de 10 vezes maior que o empregado atualmente na clínica.

O SPECT e Pet-Scan, como exames funcionais, nos ajudarão muito em problemas da comunicação auditiva central. Mas, ainda estão em fase de pesquisa clínica e são muito caros para entrarem na rotina.

Em relação ao ultra-som, a técnica de Doppler tem evoluído e acredito que, em futuro próximo, poderá nos ajudar bastante em relação ao estudo dos distúrbios circulatórios da orelha interna.

HG - Qual o valor dos exames laboratoriais no diagnóstico das doenças do ouvido e o que vem pela frente nesta área?

CA - Como a saúde da orelha interna depende da higidez sistêmica, os exames metabólicos são sempre interessantes, mesmo em crianças. Em relação aos hormonais, é necessário bom senso para pedir avaliação apenas em casos em que há suspeita de problema. Estes exames podem trazer contribuição importante para o otologista, e esse é um ponto que ainda deverá sofrer evolução importante em um futuro próximo. A viscosidade do sangue foi comprovada como uma das causas de deterioração progressiva da audição, é estudada em poucos laboratórios e ainda de forma sujeita a erros. Ela certamente entrará em nossas rotinas também em um futuro próximo.

É possível que, em breve, novas pesquisas possam modificar e enriquecer nossa conduta para controle de casos muitas vezes dramáticos e incuráveis completamente por cirurgia.

HG - De uma maneira muito específica e metabólicos são sempre interessantes, mesmo em crianças. Em relação aos hormonais, é necessário bom senso para pedir avaliação apenas em casos em que há suspeita de problema. Estes exames podem trazer contribuição importante para o otologista, e esse é um ponto que ainda deverá sofrer evolução importante em um futuro próximo. A viscosidade do sangue foi comprovada como uma das causas de deterioração progressiva da audição, é estudada em poucos laboratórios e ainda de forma sujeita a erros. Ela certamente entrará em nossas rotinas também em um futuro próximo.

É possível que, em breve, novas pesquisas possam modificar e enriquecer nossa conduta para controle de casos muitas vezes dramáticos e incuráveis completamente por cirurgia.

HG - De uma maneira muito específica e ticas se confundem. Dessa forma, vemos que a colaboração de um geneticista é sempre necessária. Como há mais de uma centena de causas genéticas para essas perdas, o trabalho dos geneticistas certamente será facilitado por técnicas de screening da especialidade. Há alguns exames que já foram introduzidos na rotina, como o 30 Del G, responsáveis pela grande maioria desses problemas. A importância de caracterizar exatamente qual é o problema é que, em alguns, a perda auditiva é progressiva e em outros, não, o que é importante para orientar a reabilitação desses pacientes.

Outros exames de rotina nas não sindrômicas são: avaliação da tireóide (T3+T4+TSH), Hemograma, VHS, FTA - ABS, CT (para visualizar Aqueduto vestibular e ápice da cóclea, excluir má formação e estudar cápsula ótica), IgE, sorologia para Citomegalovírus, creatinina, fosfatose alcalina, glicemia, mutação 35 DELG (conexina26), eletrocardiograma (especial atenção ao espaço QT (N<0,45), fundo de olho - especialmente para excluir retinite pigmentar.

HG - O que você vê de moderno no tratamento clínico da Doença de Meniere?

CA - O tratamento clínico da Doença de Meniere compreende fisioterapia, dieta, controle de doenças sistêmicas e drogas especialmente sintomáticas.

As técnicas de fisioterapia para reabilitação foram simplificadas e melhoraram. A dieta e os suplementos dietéticos, embora de ação controvertida, continuam a serem usadas sem evolução. Em relação às drogas, nenhum milagre foi realizado. Notouse que a cinarizina e seus derivados podem desencadear tremores quando usados em longo prazo. Algumas drogas novas como o Beta histina e o Gingko biloba vêm sendo usadas, a meu ver, com resultados semelhantes aos tradicionais.

HG - O que você vê de moderno no tratamento cirúrgico da Doença de Meniere?

CA - O tratamento cirúrgico pode ser dividido em quimio/cirúrgico e cirúrgico propriamente dito. O quimio/cirúrgico, que consta da introdução de aminoglicosídeos no ouvido médio, por diversas técnicas e quantidades de droga, tem se mostrado útil em proporção variável, dependendo da técnica. (veja capítulo próprio do Tratado de Otorrinolaringologia da SBORL).

O tratamento cirúrgico propriamente dito pouco mudou. A introdução da mitomicina na descompressão do saco endolinfático se mostrou útil.

HG - Qual sua opinião sobre a cirurgia para descompressão do saco endolinfático? Ele melhora o zumbido? Melhora a audição? Melhora a tontura? Melhora os três, ou não melhora nada?

CA - É muito difícil o julgamento do sucesso de uma terapia em uma doença que evolui em crises e na qual o tratamento com placebo é eficiente.

Como as crises são constituídas por vertigem, perda auditiva transitória e aumento de zumbido, qualquer terapia que as evite faz melhorar tudo. Portanto, a descompressão do saco endolinfático pode melhorar tudo em cerca de 70% dos casos ou não melhorar nada nos outros 30%.

HG - Qual o futuro do tratamento da Doença de Meniere?

CA - Para tudo que não há uma solução ideal sempre aparece um milagreiro contando prosa.

A bola da vez é um aparelhinho chamado Meniere, que introduz uma vibração de ar por meio de uma oliva, semelhante a do impedanciômetro. No Méd-line existem trabalhos entusiásticos pelos bons resultados, mas não resistem a uma análise crítica. O tempo nos dirá se esse tratamento também vai para a gaveta ou para a ponta do lápis.

Tratando-se de uma doença funcional, com transtorno bioquímico, a saída definitiva será por aí, isto é, melhores esclarecimentos sobre a fisiopatologia mostrarão o caminho correto para o tratamento.

HG - Qual a sua opinião sobre a irradiação estereotáxica dos neurinomas do acústico?

A irradiação estereotáxica tem se mostrado eficaz no controle, mas não na erradicação do tumor. Em curto prazo, seus resultados são bem menos agressivos para o paciente do que a cirurgia. Entretanto, as complicações aparecem cerca de cinco anos depois. É impossível irradiar o conduto auditivo interno e o ângulo ponto cerebelar sem irradiar os vasos vizinhos ao tumor e, anos depois, em muitos casos, começam a despontar problemas de cerebelo, tronco do encéfalo e labirinto. Problemas estes irreversíveis e progressivos.

Mas, como essas observações só podem ser feitas cinco anos após a irradiação, e os aparelhos são aperfeiçoados a cada mês (um computador após cinco anos acaba indo para o lixo) é possível que atualmente, ou no futuro próximo, obtenham-se melhores resultados. De qualquer forma, ainda é interessante indicar com cautela esse tipo de tratamento.

HG - Qual sua opinião sobre irradiação dos tumores glômicos?

CA - Os tumores glômicos não são muito sensíveis à radioterapia, entretanto, ela pode ser usada como tratamento alternativo nos pacientes idosos, naqueles que não apresentam condições cirúrgicas, ou quando são julgados inoperáveis.

HG - Qual a prevenção para a otite? Qual a prevenção para a surdez genética? Qual a prevenção para a otosclerose? Qual a prevenção para a formação do colesteatoma?

CA - A prevenção da otite é um verdadeiro capítulo que começaria com a definição de seus diversos tipos, cada um com sua prevenção. Mas, provavelmente, você está querendo que eu fale sobre a otite média aguda recidivante das crianças consideradas hígidas, que é o quadro mais comum em nossos consultórios. A prevenção consiste em tomar cuidado com algumas condições que podem gerar problemas, especialmente nas crianças menores de 3 anos. Entre essas condições estão: algum grau de refluxo, deficiência imunológica em relação à vida e sociedade, e respostas do tipo alérgico aos agressores físicos e químicos. Quanto ao detalhamento desses itens, cada um pode desenvolver o seu.

A prevenção da surdez genética, por enquanto, é apenas o aconselhamento.

A prevenção para a formação de colesteatoma é extremamente importante. Membranas timpânicas que sofrem retrações repetidas e importantes acabam perdendo sua estrutura sustentadora de colágeno, ficando extremamente finas e sem resistência. Com essas características, freqüentemente são aspiradas para o interior do quadrante póstero-superior da caixa, inicialmente aderindo à bigorna, que pode ser erosada a seguir. O próximo passo é sua aspiração para o recesso do facial, onde evolui para a atelectasia ou para o colesteatoma. Nesses casos, em que essa região póstero-superior da membrana é apenas epitelial e está caminhando para esta evolução, proponho uma miringoplastia, substituindo a região só epitelial por um fragmento de pericôndrio. Esta cirurgia não está indicada para todos os pacientes com membrana delicada, mas também não se deve esperar a atelectasia no recesso do facial ou a formação do colesteatoma para indicá-la.

Em relação à otosclerose, foram feitos trabalhos de Saúde Pública que mostraram uma significante diminuição de otosclerose em regiões em que se passou a fluorar a água potável. Em locais onde a água não tem esse tipo de tratamento, está indicada uma suplementação de flúor na dieta. Além deste aspecto em famílias de otoscleróticos, perdas auditivas progressivas iniciais, sejam condutivas ou neuro sensoriais, devem ser tratadas com fluoreto de sódio, evitando assim o progresso da perda auditiva.

DR. HUMBERTO GUIMARÃES - PRESIDENTE DA SOCIEDADE BRASILEIRA DE OTOLOGIA.

DR. CLEMENTE ISNARD RIBEIRO DE ALMEIDA - PROFESSOR TITULAR DO DEPARTAMENTO DE OTORRINOLARINGOLOGIA DA FACULDADE DE MEDICINA DE JUNDIAÍ E PROFESSOR DO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO E, ORL DA SANTA CASA DE SÃO PAULO
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