Artigo publicado no Caderno de Debates da RBORL:
Vol.71 ed.4 de Julho - Agosto em 2005 (da página 43 à 45)
Autor: Soraya Alves Pereira1, José Miranda de Araújo Júnior1, Juliana Altavilla van Petten Machado1, Sânzio Tupinambá Valle2, Marconi Teixeira Fonseca3
Relato de Caso
Corpo estranho iatrogênico de seio maxilar: relato de caso
INTRODUÇÃO

A ocorrência de corpo estranho (CE) em Pronto Atendimento de Otorrinolaringologia é freqüente, sobretudo em crianças que introduzem voluntariamente qualquer espécie de CE inanimado1. Estabelecido o diagnóstico a remoção deve ser o mais prontamente possível.

Corpos estranhos iatrogênicos representam um problema para cirurgiões de qualquer especialidade. O local mais freqüente, segunda a literatura, é a cavidade abdominal2.

A presença de CE em seios paranasais é rara. Quanto à origem, os iatrogênicos correspondem a 60% dos casos, seguidos pelos acidentes industriais (25%)3,4. Os iatrogênicos são resultados de procedimentos cirúrgicos otorrinolaringológicos, odontológicos e oftalmológicos. Os materiais comumente removidos são implantes metálicos dentários, silicones, silastic, teflon, gaze1,5-10. O seio mais acometido é o maxilar (75%), seguido pelo frontal (18%) e, raramente, o etmóide e esfenóide3.

As manifestações clínicas nasossinusais relacionadas com CE geralmente são agudas, podendo ocorrer obstrução nasal e rinorréia purulenta unilaterais, epistaxe, dor facial11. Podem ser, no entanto, assintomáticos por longo período e os sintomas surgirem tardiamente como rinossinusite crônica8.

A avaliação radiológica envolve a radiografia simples e tomografia dos seios da face. O raios-X dos seios paranasais nas três incidências clássicas (Waters, Cawdell e perfil) é um exame de sensibilidade moderada, mas pode dar uma informação sobre o estado dos seios: espessamento de mucosa, nível líquido, opacificação e destruição óssea12.

A Tomografia Computadorizada é o exame de escolha para avaliação das doenças dos seios paranasais (padrão ouro), entretanto, seus achados radiológicos são inespecíficos, mostrando geralmente sinais indiretos de sinusopatia crônica8. Em alguns casos nota-se a presença do CE, mas, habitualmente, são confundidos com sinusite fúngica devido às calcificações que ocorrem em 24% dos casos7.

O tratamento consiste em exploração cirúrgica do seio acometido com conseqüente remoção do corpo estranho.

O objetivo deste trabalho é apresentar um caso de um paciente com sinusite crônica maxilar unilateral secundário a CE em seio maxilar, discutir métodos propedêuticos e terapêuticos para a solução do problema.

RELATO DE CASO

G.P.S., 61 anos, masculino, origem urbana, procurou atendimento otorrinolaringológico com queixa de halitose, cacosmia, secreção pós-nasal amarelada persistente há aproximadamente 7 meses. Negava obstrução nasal, espirros, rinorréia ou epistaxe.

História pregressa de tratamento cirúrgico para Rinite Atrófica Ozenosa há 25 anos. Exame ORL mostrava secreção mucóide em hipofaringe. Solicitamos de imediato uma radiografia dos seios da face que evidenciou, na incidência de Waters, velamento de seio maxilar esquerdo. Exame de fibronasoscopia evidenciou secreção purulenta drenando de meato médio esquerdo. Tratado com amoxicilina 500 mg em intervalos de 8 em 8 horas, durante 14 dias associado à budesonida tópica nasal. Evoluiu com melhora parcial do quadro mantendo cacosmia e gotejamento pós-nasal leve. Nova radiografia da face evidenciou espessamento de seio maxilar esquerdo. A seguir foi realizada tomografia computadorizada dos seios da face que demonstrou espessamento mucoso de seio maxilar esquerdo com obstrução do complexo óstio-meatal ipsilateral, presença de calcificações em antro maxilar.

Diante disso, aventaram-se as seguintes hipóteses diagnósticas: sinusite fúngica e/ou corpo estranho de seio maxilar. A hipótese de sinusite odontogênica foi descartada visto que o paciente não tinha passado de patologia dentária nem achados tomográficos compatíveis.

Foi realizada exploração cirúrgica pela técnica de Caldwell-Luc. Após ampla exposição do seio acometido - maxilar esquerdo - foram identificados dois fragmentos de silicone de aproximadamente 2cm no antro maxilar. Removido o CE, a cavidade foi lavada com soro fisiológico 0,9% morno. Sutura da mucosa sublabial com fio vicryl 4.0, em pontos separados.

O follow-up de 8 meses, examinado com videofibroscopia, não revelou novas alterações nos seios paranasais do paciente.


Figura 1. TC seios da face em corte coronal.


Figura 2. Tiras de silicone.


DISCUSSÃO

No diagnóstico diferencial dos velamentos de seio paranasal único incluem os rinolitos, bola fúngica (micetomas), sinusite odontogênica, tumores nasais benignos ou malignos e os corpos estranhos5,6,8,9,11.

No caso apresentado o diagnóstico tardio foi devido ao longo período de evolução assintomática do paciente. Geralmente, os corpos estranhos nasossinusais, iatrogênicos ou não, provocam alterações inflamatórias agudas, o que leva o paciente a procurar atendimento mais precoce1. Quando os sintomas aparecem tardiamente, as queixas nasossinusais são inespecíficas e sugestivas de rinossinusite crônica (rinorréia purulenta, secreção pós-nasal, cacosmia, dor facial)11. Os sinais radiológicos do paciente em questão evidenciaram uma alteração restrita ao seio maxilar esquerdo, resistente ao tratamento clínico, que nos fez aventar os diagnósticos diferenciais já relatados. Tingsgaard et al.8 publicaram dois casos de sinusite crônica associados a CE de seio maxilar - amálgama dentário e esponja de silastic para tratamento de fratura facial. Iida et al.6 e Liston et al.5 também descreveram casos de corpo estranho em seio maxilar.

A TC demonstrou sinais de sinusite maxilar crônica (espessamento de mucosa e obstrução de complexo óstio-meatal) com calcificações no antro maxilar, que sugeririam uma sinusite fúngica, apesar dessas alterações não serem específicas para esta patologia6. A favor da suspeita de CE havia a importante informação de o paciente ter sido submetido a uma cirurgia para tratamento de Rinite Atrófica Ozenosa. Nesta cirurgia são implantados pequenas tiras de silicone no espaço subperiostal da parede lateral do nariz. O principal inconveniente destes enxertos é a sua extrusão13.

A história clínica e os dados radiológicos sugeriam, portanto, duas hipóteses: corpo estranho iatrogênico ou sinusite fúngica. Foi necessário uma exploração cirúrgica propedêutica e terapêutica que confirmou a primeira hipótese diagnóstica. Neste caso houve migração dos fragmentos de silicone para a cavidade maxilar, determinando reação de reação de corpo estranho ao entrar em contato com a mucosa sinusal.

Os seios paranasais têm limites anatômicos estreitos com algumas estruturas que sofrem manipulações cirúrgicas freqüentemente como a cavidade nasal, órbita, dentes, crânio, ossos da face. Em qualquer procedimento que utilize implantes metálicos e plásticos pode ocorrer a migração destes materiais para as cavidades sinusais4.

COMENTÁRIOS FINAIS

Uma história clínica bem detalhada, pesquisando antecedentes cirúrgicos e odontológicos, é essencial para orientação diagnóstica nos quadros nasossinusais crônicos que comprometem apenas um seio paranasal, lembrando que corpos estranhos podem provocar sintomas tardios.

Exames radiológicos são importantes na avaliação, porém o diagnóstico só pode ser confirmado através de exploração cirúrgica.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

1. Pillar RS, Lisboa IN. Corpo estranho iatrogênico simulando tumor de fossa nasal. Arq Otorrinolaringol 2002; 6 (3): 235-8.

2. Silva LM, Bahia PRV, Tatagiba E. Diagnóstico tomográfico de corpo estanho intra-abdominal: relato de três casos. Radiol Bras 2000; 33(1): 63-5.

3. Krause HR, Rustemeyer J, Grunert RR. Foreign body in paranasal sinuses. Mund Kiefer Gesichtschir, 6(1): 40-4, 2002.

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5. Liston PN, Walters RF. Foreign bodies in the maxillary antrum: a case report. Aust Dent J 47(4): 344-6, 2002.

6. Iida S, Tanaka N, Kogo M, Matsuya T. Migration of a dental implant into the maxillary sinus. A case report. Int J Oral Maxillofac Surg 29(5): 358-9, 2000.

7. Braun JJ, Bourjat P. TDM des sinusites caseuses fongiques et non fongiques. J Radiol 81(3): 227-31, 2000.

8. Tingsgaard PK, Larsen PL. Chronic unilateral maxillary sinusitis caused by foreign bodies in the maxillary sinus. Ugeskr Laeger 1997; 7(28): 4402-4.

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11. Pinheiro SD, Freitas MR. Obstrução nasal. In: Campos CAH, Costa HOO. Tratado de Otorrinolaringologia. São Paulo: Editora Roca; 2003. Volume 3, p. 166-74.

12. Hungria H, Epistaxes, corpos estranhos, imperfuração coanal. In: Hungria H. Otorrinolaringologia. 8ª edição. Rio de Janeiro: Editora Guanabara Koogan S.A.; 2000: 79-85.

13. Meirelles RC, Atherino CCT, Rinites atróficas In Campos CAH, Costa HOO, Tratado de Otorrinolaringologia São Paulo: Editora Roca; 2003. Volume 3. p. 82-7.

1 Médico Especializando do Serviço de Otorrinolaringologia e Cirurgia de Cabeça e Pescoço do Hospital Socor.
2 Médico Assistente do Serviço de Otorrinolaringologia e Cirurgia de Cabeça e Pescoço do Hospital Socor.
3 Coordenador do Serviço de Otorrinolaringologia e Cirurgia de Cabeça e Pescoço do Hospital Socor.
Instituição: Trabalho desenvolvido no Serviço de Otorrinolaringologia e Cirurgia de Cabeça e Pescoço do Hospital Socor, Belo Horizonte MG Brasil.
Endereço para correspondência: Dra. Soraya Alves Pereira - Av. Augusto de Lima 1121 ap. 904 Bairro Barro Preto Belo Horizonte MG 30190-002.
Tel. (0xx31) 3292-7353 - Fax (0xx31)3295-1941 - Cel (0xx31) 9182-6122 - E-mail: sorayaalves@yahoo.com.br
Trabalho apresentado como tema livre no III Congresso de Otorrinolaringologia da USP, realizado dias 7 a 9 de Agosto de 2003 e como pôster no III Congresso Triológico de Otorrinolaringologia, realizado dias 8 a 11 de outubro de 2003.
Artigo recebido em 06 de janeiro de 2004. Artigo aceito em 18 de fevereiro de 2004.
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