Artigo publicado no Caderno de Debates da RBORL:
Vol.71 ed.3 de Maio - Junho em 2005 (da página 33 à 36)
Autor: Patricia Ciminelli Linhares Pinto1, Geraldo Gomes2, Felippe Félix3, Luzia A. El Hadj4, Shiro Tomita5
Relato de Caso
Schwanoma da cavidade nasal
INTRODUÇÃO

Os schwanomas são neoplasias benignas, encapsuladas originárias da proliferação das células de Schwann, dentro da bainha de mielina, que envolvem os axônios dos nervos periféricos.1-5

Os schwanomas podem surgir de qualquer nervo periférico, exceto dos nervos ótico e olfatório, que não possuem células de Schwann. A região da cabeça e pescoço encontra-se comprometida por estes tumores em cerca 25-45% dos casos, porém, os schwanomas nasais e paranasais são responsáveis por menos de 4% destes tumores da cabeça e pescoço. Os schwanomas representam aproximadamente 5% de todos os grandes tumores otorrinolaringológicos5. Excluindo o oitavo par de nervos cranianos, que representam a localização mais comum dos schwanomas da cabeça e pescoço (80%), os outros locais são representados por: pescoço (8%), glândula parótida (7%), bochecha (7%), língua (6%), couro cabeludo (6%) e região nasossinusal (3-4%).1-9

Raramente encontramos schwanomas na cavidade ou vestíbulo nasais1-3. Devido à raridade do tumor nesta região, realizamos, neste trabalho, revisão da literatura sobre o assunto e ilustramos com a apresentação de um caso clínico.

REVISÃO DA LITERATURA

Os tumores que comprometem as fossas nasais e cavidades paranasais apresentam diagnóstico diferencial muito extenso. As causas de massa nasal podem ser neoplásicas, anomalias do desenvolvimento, infecciosas ou inflamatórias (Tabela 1). Neoplasias benignas provenientes do epitélio da cavidade nasal são comuns; porém, aquelas provenientes das bainhas dos nervos periféricos da cavidade nasal são bastante incomuns. Os tumores benignos provenientes da bainha dos nervos periféricos incluem os schwanomas e os neurofibromas1-4.



O schwanoma nasal foi descrito inicialmente por Verocay em 1908; a localização nasossinusal é a menos freqüente, e raramente a cavidade nasal ou o vestíbulo nasal são identificados como origem do tumor. Além do nervo olfatório (que não contém células de Schwann, assim como o nervo ótico), qualquer terminação nervosa que supre o nariz ou as cavidades paranasais, seja ela somática ou autonômica, pode ser a origem do tumor. Na maior parte dos casos não é possível identificar o nervo de origem da lesão.1-5.

Os schwanomas são normalmente solitários, de aspecto branco-acinzentado, forma nodular, consistência firme e são encapsulados2,6,7. Como são bem vascularizados, sangram facilmente ao toque4. O tumor não apresenta predileção evidente por raça, sexo, e não há outros elementos predisponentes evidentes2,5-8. Ocorre normalmente em indivíduos entre 30 e 60 anos de idade7. Os sintomas relacionados ao tumor são variados e inespecíficos e dependem do local anatômico comprometido, do nervo de origem e da compressão e expansão local. Pode ocorrer obstrução nasal, epistaxe, sinais de rinossinusite, edema e abaulamento da face, proptose, dor, hiposmia5,6. É extremamente difícil determinar o nervo de origem do tumor, já que os sintomas relacionados são raros e a retirada cirúrgica normalmente não causa hipofunção do nervo comprometido. A origem neural dos schwanomas nasossinusais pode ser de fibras nervosas simpáticas, parassimpáticas ou dos ramos oftálmico e maxilar do nervo trigêmeo1,2,4. A anamnese, o completo exame otorrinolaringológico, a fibroscopia nasal são de fundamental importância. A tomografia computadorizada (TC) e a ressonância nuclear magnética (RNM), além de auxiliarem no diagnóstico, são úteis na avaliação da extensão do tumor, na sua relação com estruturas adjacentes e na programação cirúrgica1-6. A TC permite melhor avaliação das estruturas ósseas e permite avaliar comprometimento de estruturas adjacentes ao tumor. O uso de contraste venoso evidencia comprometimento intraorbitário, intracraniano e de partes moles. Erosões ósseas podem ser observadas na tomografia e ocorrem secundariamente à necrose por pressão e não por destruição óssea pela lesão4,6. A RNM identifica melhor as estruturas neurais e do sistema nervoso central e o uso do gadolíneo permite maior definição dos limites da massa4,6. Apesar da importância dos exames de imagem, o diagnóstico definitivo do tumor só pode ser realizado após exame histopatológico.

Em 1920, Antoni descreveu dois tipos histológicos para os schwanomas: Antoni tipo A e tipo B. O Antoni tipo A é caracterizado por tecido fibroso compacto, composto por células finas e longas, com núcleo ovóide central sem anomalias mitóticas. Há regiões onde o núcleo está organizado em paliçadas, chamadas corpúsculos de Verocay. Esta forma histológica não é muito vascularizada e é hipercelular. O grupo Antoni tipo B parece ser a forma degenerativa do tipo A, há presença de degeneração hialina e lipídica. Este tipo é bastante vascularizado, ao contrário do tipo A, e tem uma aparência mixóide1-8.

A excisão cirúrgica completa é o tratamento de escolha, definitivo e curativo pela característica benigna do tumor e por sua resistência à radioterapia1-6. Se completamente retirado, a recorrência é extremamente rara. A abordagem cirúrgica vai depender da localização do tumor; na maior parte dos casos descritos na literatura foi realizada rinotomia lateral1-4,6.

APRESENTAÇÃO DO CASO CLÍNICO

E.F., sexo masculino, 35 anos de idade, solteiro, natural e morador do Rio de Janeiro. Queixa principal: sangramento nasal à direita

H.D.A., há 2 anos paciente com queixa de epistaxe e obstrução nasal com piora progressiva à direita. Nega outros sintomas nasais associados. Procurou outro hospital meses após o início dos sintomas, onde foi diagnosticado schwanoma nasal após exame histopatológico. Relata já ter sido submetido a 4 cirurgias para ressecção do tumor nasal, sempre com recidiva dos sintomas e sem resolução do caso. Encaminhado ao Hospital Universitário para avaliação; apresentando as mesmas queixas.

H.P.P.: Sem comorbidades. Quatro cirurgias com anestesia geral (SIC) para ressecção de schwanoma nasal.

H.S.: Nega etilismo ou tabagismo.

Ao exame: Orofaringoscopia: sem alterações. Rinoscopia anterior: Lesão vegetante, com limites bem definidos, superfície irregular, no assoalho da fossa nasal direita, na região da válvula nasal, medindo aproximadamente 2cm no seu maior diâmetro, endurecida à palpação. Fossa nasal esquerda sem alterações. Otoscopia: sem alterações.

Endoscopia nasal: Lesão vegetante em assoalho de fossa nasal direita, pequena, irregular e endurecida. Sem outras alterações ao exame. Realizada biópsia da lesão e material enviado para histopatológico.

Tomografia computadorizada (TC): Pequena lesão nodular com densidade de partes moles, localizada no intróito nasal à direita que se impregna de forma homogênea pelo meio de contraste.

Laudo histopatológico da biópsia: Microscopia: Biópsia de lesão vegetante de fossa nasal. Lesão nodular revestida por epitélio ora escamoso, ora respiratório, composta por células fusiformes dispostas em diferentes direções com predomínio de área de maior densidade celular, onde por vezes notam-se Corpúsculos de Verocay. Diagnóstico: Schwanoma.

O paciente foi submetido à cirurgia para exérese do schwanoma nasal; realizada rinotomia lateral direita, com levantamento da asa nasal e ressecção da lesão. O tumor encontrava-se entre o assoalho e a parede lateral nasal à direita, na região da válvula nasal, com contato com corneto inferior e septo nasal.


A


B


C


D

Figura 1. A: Espécime retirado; B: TC axial da lesão; C: Rinoscopia anterior; D: Exposição cirúrgica


DISCUSSÃO

Os schwanomas das cavidades nasais e paranasais são responsáveis por somente 4% dos schwanomas de cabeça e pescoço, sendo, portanto, tumores bastante incomuns1-9.

Nosso paciente já apresentava, em sua história, o diagnóstico de schwanoma nasal, tendo sido realizada biópsia, em nosso hospital, somente para confirmação diagnóstica. O diagnóstico diferencial das massas nasais é extremamente amplo e importante, pois diferentes condutas terapêuticas são requeridas em cada caso.

No nosso caso observamos que o paciente apresentava obstrução nasal e epistaxe como principais sintomas. O tumor encontrava-se na porção anterior da fossa nasal direita, na região da válvula nasal e media aproximadamente 2cm em seu maior diâmetro. Tumor solitário, de consistência firme, como descrito na literatura.

Em nosso estudo só utilizamos a tomografia computadorizada, já que não dispomos de exame de ressonância magnética. O exame de imagem mostrou tumor de pequenas dimensões com impregnação homogênea do meio de contraste e sem invasão ou acometimento de estruturas adjacentes.

O diagnóstico final foi realizado pela biópsia da lesão e realização de exame histopatológico.

O tratamento definitivo e curativo é a excisão cirúrgica. Caso não seja completamente retirado, a chance de recidiva é grande. No nosso caso, o paciente já havia sido submetido a quatro cirurgias para retirada do tumor, sem sucesso, com recidivas. A retirada completa do tumor torna a recidiva extremamente rara. A cirurgia realizada no Hospital Universitário foi realizada há poucos dias, ainda não sendo possível a avaliação adequada dos resultados pós-operatórios. Durante a cirurgia, a lesão apresentava limites bem definidos e superfície um pouco irregular, era proveniente da região entre o assoalho da fossa nasal e a parede nasal lateral, apresentando apenas contato com o septo nasal e a cabeça do corneto inferior; foi totalmente ressecada com margem ao redor de toda a lesão.

Dos tumores originários das células de Schwann, além dos schwanomas, temos também os neurofibromas. Os dois tipos de tumores podem ser diferenciados clínica e histologicamente. Os schwanomas são normalmente solitários, endurecidos e ocorrem em regiões periféricas. Neurofibromas podem ser múltiplos (associados à doença de von Recklinghausen), freqüentemente com localização central e não apresentam consistência endurecida. Histologicamente, os schwanomas são encapsulados, contêm vasos sangüíneos hialinizados e não contêm axônios. Os neurofibromas não são encapsulados, normalmente contêm mastócitos e os axônios atravessam a massa tumoral. Degeneração maligna é mais comum nos neurofibromas2,4. No caso objeto de nosso estudo, clínica e histologicamente temos confirmação diagnóstica de schwanoma nasal. A histologia é aquela da biópsia nasal, pois ainda não temos o laudo da peça cirúrgica.

COMENTÁRIOS FINAIS

Os schwanomas nasais são tumores raros, sendo importante o diagnóstico diferencial com outras massas nasais. A história, exame clínico e exames de imagem são todos importantes na suspeita diagnóstica e planejamento da abordagem terapêutica, porém, o diagnóstico definitivo é feito através do exame histopatológico. Apesar das duas diferentes classificações histológicas, a conduta terapêutica é sempre a mesma, ressecção cirúrgica do tumor. A completa ressecção do tumor é curativa, com rara chance de recidiva.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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1 Residente de otorrinolaringologia (ORL) do terceiro ano do Hospital Universitário Clementino Fraga Filho (HUCFF) da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).
2 Residente de ORL do segundo ano do HUCFF, UFRJ.
3 Residente de ORL do primeiro ano do HUCFF, UFRJ.
4 Médica e preceptora dos residentes do serviço de ORL do HUCFF, UFRJ.
5 Chefe do serviço de ORL, HUCFF, UFRJ.
Instituição: Hospital Universitário Clementino Fraga Filho. Universidade Federal do Rio de Janeiro.
Endereço para correspondência: Patrícia Ciminelli L. Pinto - Rua Dias da Rocha 35/1002 Copacabana Rio de Janeiro RJ 22051-020.
Tel: (0xx21) 2236-5190 - (0xx21) 9963-8747 - E-mail: patrícia@linhares.com.br
Artigo recebido em 10 de fevereiro de 2004. Artigo aceito em 26 de março de 2004.
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