Artigo publicado no Caderno de Debates da RBORL: Vol.68 ed.6 de Novembro - Dezembro em 2002 (da página 43 à 44) |
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Autor: DR. LEONARDO SILVA (LS) |
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Crônica |
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HOMENS DE BRANCO
Desde os primórdios, a profissão médica esteve ligada ao lado espiritual. Embora com diferentes nomes, e em várias culturas, o homem medicina, o xamã, ou mesmo o doutor, esta última uma denominação de origem africana, possuía uma posição de destaque na comunidade, contando com um alto posto político social. Era essencial que fosse muito instruído nas tradições do seu povo.
Por vezes, eram únicos em pequenas tribos ou clãs. Nas sociedades maiores, os curadores eram bem organizados, contando com vários membros unidos por pactos secretos. Para tornar se um deles era necessário vivenciar sonhos sobrenaturais, ter algum poder físico inexplicável ou mesmo um forte senso de dever com a causa.
Além da cura, nossos colegas ancestrais promoviam proteção contra catástrofes naturais, tornavam as colheitas mais fartas afastando as pragas, e acreditava se que podiam evitar até mesmo o excesso de chuva, a seca, o calor ou o frio extremos. Todas as cerimônias religiosas estavam também sob sua responsabilidade.
Na América pré colombiana o padre, o bruxo e o curador eram a mesma pessoa. Considerava se a medicina dos astecas tão eficiente que os conquistadores, e mesmo muitos nobres, preferiam seu tratamento ao da tradicional Medicina européia da época. Fatos curiosos nos dão uma idéia da importância que acompanhava os rituais nativos. O rei Felipe II, por exemplo, enviou um médico da corte espanhola ao México para aprender a cura e catalogar as plantas da região.
Na Grécia antiga a convivência harmoniosa da Medicina secular com a religião nos legou alguns costumes como o vegetarianismo, a prática de exercícios físicos e, para alguns, o celibato. Tudo em prol da saúde física e mental.
As bases do pensamento ocidental, em todas áreas, incluindo a medicina, estão na razão e no espírito, originando se, respectivamente, das cidades de Atenas e Jerusalém. Dois elementos de difícil mistura, eles têm trazido aos homens muitos conflitos ao longo do tempo. A maior expressão disto reside no fato de, por vezes, não nos sentirmos fortes como homens de razão e nem como homens de fé. Além da preocupação simultânea com os males do corpo e da alma, há séculos nossos colegas também se dedicaram muito a temas éticos.
A ética Ocidental, aliás, concebida em Atenas sob os questionamentos de Sócrates, passou a ser vista como uma disciplina que educava o caráter em busca da harmonia. Os gregos acreditavam na inseparabilidade entre as condutas do indivíduo e,os valores da sociedade. O ato de educar, para Sócrates e para a cultura grega, significava "tirar de dentro" e não colocar de fora para dentro como se tem preconizado na atualidade. Proliferam escolas onde a "linha de montagem intelectual" acaba com qualquer possibilidade de formação humanística, imprescindível em nossa profissão. A formação fragmentada carece de anos e mais anos de especialização. Um jovem médico, após pelo menos 18 anos de bancos escolares, contando se neles o ensino infantil, fundamental, médio e superior, às vezes nos surpreende com raciocínios circulares e escapismos.
Ethos, em grego, significa costume, daí derivando a palavra ética. Em latim, costume significa mores, surgindo a palavra moral. O grego possui ainda um outro significado para a palavra Ethos que é caráter. O primeiro significado refere se ao conjunto de costumes da sociedade e o segundo as características pessoais que determinam suas virtudes e vícios.
Os dias de hoje têm tornado a magia obsoleta já na infância, a crença transformou se num ato ingênuo e as religiões têm perdido espaço nas camadas intelectualmente favorecidas. Aliado a isso, o inseparável caldo fomentado pela evolução cultural produziu uma Medicina sem a aura mística que a acompanhara desde a origem. O poder de atuar sobre o Ser foi sendo deixado de lado em prol dá Medicina moderna.
A tecnologia tem se tornado um fim em si mesma, autojustificada, autoperpetuada e onipresente. Absorver o universo de informações técnicas disponíveis ao clicar do mouse passou a ser o mais importante. Felizmente, os diagnósticos são mais rápidos, precisos e amparados em métodos de avaliação extremamente objetivos. Entretanto, ao se deixar para um segundo plano os problemas da alma, do espírito, do psiquismo ou como queiram chamar, corre se um risco enorme de não se estar cumprindo o verdadeiro papel do curador. A Medicina integrativa através de ramos como a psiconeuroimunologia tem trazido à luz da ciência dados anteriormente "apenas" intuídos.
Todos que praticam a Medicina e, fundamentalmente, aqueles que se dispõem a ensinala, precisam discutir estas questões incansavelmente.
O ensino e o cultivo dá relação médico paciente, além dos questionamentos éticos, devem ser encarados como uma poupança para que as gerações finuras de médicos ainda tenham algo a resgatar daquela aura mística da Medicina primitiva.
DR. LEONARDO SILVA - OTORRINOLARINGOLOGISTA, DOUTOR EM ORL PELA SANTA CASA DE SÃO PAULO, PROFESSOR INSTRUTOR DO DEPTO DE ORL DA SANTA CASA DE SÃO PAULO.
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