Artigo publicado no Caderno de Debates da RBORL:
Vol.68 ed.6 de Novembro - Dezembro em 2002 (da página 14 à 17)
Autor: CADERNO DE DEBATES (CD)
Entrevista
O RELACIONAMENTO DA ORL BRASILEIRA COM O MUNDO
ENTREVISTA com DR. ALDO STAMM (AS)

CD - Como o Sr. vê a evolução da ORL brasileira?

AS - A evolução da ORL brasileira pode ser comparada à evolução de um ser humano que adquire status de adulto e se torna uma pessoa comum ou uma pessoa acima da média. Este é o caso da SBORL, nasceu, cresceu, atingiu o status de adulta e passou a ter um desempenho acima da média normal de outras Sociedades no mundo. Hoje, adquirimos uma posição de destaque junto à comunidade internacional.

CD - De onde vem a relação brasileira com os outros países?

AS - A ORL brasileira passou a se relacionar com o mundo através da Europa. Este relacio namento teve início no princípio do século passado, especialmente com Alemanha e França, e se manteve como único canal de intercâmbio, ainda que pequeno, até o fim da Segunda Guerra Mundial. Daquele momento em diante, os olhos do mundo se vetaram para os ELZA, os grandes vencedores da Segunda Guerra; a Medicina americana teve grande desenvolvimento, assim como, evidentemente, a ORL. Os brasileiros tiveram contato com o trabalho americano a partir de 1960 e 1970, bastante tardiamente, quando alguns poucos otorrinolaringologistas foram buscar tecnologia e conhecimento rios ELZA. Tratava se de um número limitadíssimo de profissionais que faziam cursos de Pós Graduação, ou mesmo formação de residência médica. Paralelamente a esta procura pelo mercado americano, havia uma outra busca voltada para a América Latina, mais precisamente pela ORL Argentina que, naquela época, era mais desenvolvida que a ORL brasileira. Havia uma série de Serviços em Buenos Aires e em Córdoba que apresentavam formação em residência e pós residência médica em grau mais avançado do que tínhamos aqui, no Brasil.

CD - Desde quando a ORL brasileira passou a participar ativamente das atividades acadêmicas americanas?

AS - A participação efetiva do Brasil na ORL americana, a mais importante do mundo, teve início na década de 1980, quando alguns otorrinolaringologistas passaram a participar dos primeiros encontros da Academia Americana. Depois destes primeiros contatos, muitos de nós tornaram se membros correspondentes. Esta relação foi evoluindo de tal maneira que o Brasil passou a participar dos eventos internacionais da Academia Americana de maneira ativa e não mais apenas como assistente. Adquirimos um status diferenciado. Os ELZA e o mundo passaram a reconhecer a capacidade e o potencial da ORL brasileira. Os americanos nos vêem como um grande mercado, e o intercâmbio entre as duas Sociedades cresceu. Hoje, nossos otorrinolaringologistas promovem cursos, ganham prêmios e participam de todos os trabalhos e eventos científicos e sociais organizados pela Academia Americana. Um fato decisivo, que consolidou uma posição de destaque na ORL americana, foi a participação de 600 otorrinolaringologistas brasileiros no evento em comemoração ao Centenário da Academia Americana, em xxxx, na cidade de Washington. O impacto gerado por esta presença massiva foi tão marcante que hoje os brasileiros participam de vários Comitês de relacionamento internacional da Academia Americana. A perspectiva é que esta relação se torne cada vez maior.

CD - O Brasil tem sido procurado por latino americanos para atividades acadêmicas?

AS - Em se tratando de América Latina, a procura por estágios, cursos e residência médica no Brasil é muito grande. Uma das maiores demonstrações são os últimos Congressos Brasileiros onde observamos a crescente inscrição de colegas latino americanos, todos os anos. Estes profissionais vêm ao Brasil em busca de novas tecnologias, de aprendizado, de expansão do conhecimento.

CD - E na Europa? Como estamos?

AS - Na Europa continuamos a ter um relacionamento muito bom, especialmente com Alemanha, França, Espanha, Portugal e Inglaterra, países com os quais o Brasil mantém intenso intercâmbio: brasileiros fazem estágios nestes países e europeus participam de eventos realizados no Brasil. Um relacionamento que se expande, cada vez mais, e que deverá proporcionar intercâmbios bastante interessantes, é o da ORL, brasileira com a Ásia, com destaque para Japão e Coréia, e países do Sudeste Asiático, como Malásia, Cingapura, Vietnã e Tailândia. No caso do Japão, a presença da grande colônia japonesa no Brasil facilita um intenso intercâmbio entre os dois países, que cresce a cada ano. Estas são áreas em que a expansão da ORL brasileira está atingindo suas metas, levando tecnologia e convidando profissionais daqueles países a participarem de eventos conosco. A Austrália ainda é um continente distante, onde nosso contato ainda é pequeno, apesar da participação brasileira em Congressos Mundiais realizados em terras australianas.

CD - Quais as perspectivas de infiltração da ORL nacional em outros países?

AS - O crescimento tecnológico e a imensa capacidade profissional e científica de nossos otorrinolaringologistas são fatores decisivos para a captação de importantes eventos internacionais em todas as áreas: Rinologia, Otologia, Laringologia, Cabeça e Pescoço etc. Toda essa credibilidade da SBORL junto a comunidade internacional culminou com a vitória do Brasil para sediar o Congresso Mundial de ORL, em 2009. Este é o resultado de um trabalho que foi realizado paulatinamente: Nossa Sociedade é forte, profissional, e representa um mercado extremamente importante para todo o mundo. Vários motivos fizeram com que o Brasil alcançasse esta posição de destaque. Mas, com certeza, podemos apontar o trabalho realizado por jovens otorrinolaringologistas que, há duas décadas, têm se dedicado à busca por perfeição profissional. O Brasil tem cerca de 5.800 otorrinolaringologistas formados e mais de 3.000 sócios filiados a SBORL. Este grande número de profissionais com anseio de aprender, de expandir conhecimentos, de publicar trabalhos e de melhorar o treinamento, fez com que a nossa Especialidade adquirisse a importância que tem hoje. O Brasil exerce influência em várias áreas. A Rinologia brasileira, por exemplo, desempenha um papel de ponta dentro da ORL mundial, assim como outras áreas. Uma delas, que vem exportando tecnologia para outros países, é a pesquisa básica. Se obtivermos o apoio necessário do Poder Público e do setor privado, a área de pesquisa básica, com inúmeros trabalhos importantes, deve se tornar auto suficiente em um futuro bastante próximo.
Temos vários Centros no país, princi palmente no Estado de São Paulo, que buscam a pesquisa básica como meta principal da instituição. Os investimentos ainda são poucos, falta estímulo tanto de órgãos governamentais quanto da iniciativa privada. A pesquisa básica acontece por iniciativa pessoal de pequenos grupos de pesquisadores interessados no desenvolvimento da ORL e que obtém incentivo por parte de alguns poucos órgãos. Apesar do pouco incentivo, estas iniciativas têm se tornado cada vez maiores, como mostram os trabalhos apresentados em nosso último Congresso, realizado em Florianópolis. Os trabalhos experimentais, especialmente aqueles oriundos de Ribeirão Preto, mostraram que é possível realizar pesquisa experimental básica no Brasil com grande sucesso. Nosso pesquisadores já são convidados por Sociedades de todo o mundo para participarem de eventos e reuniões científicas e de pesquisa. Mas, ainda é pouco. Precisamos de mais estudos experimentais para que o Brasil se torne, realmente, um Centro mundial, não só em pesquisa clínica mas também em pesquisa experimental. Os Prêmios de estímulo à pesquisa são de vital importância, a partir de agora. São prêmios realmente valiosos, em todos os sentidos, que serão fundamentais para estimular novos pesquisadores. Nos próximos anos, a pesquisa básica deve adquirir uma conotação tão importante quanto à pesquisa clínica.

CD - SBORL tem algum papel específico em todo este processo?

AS - O trabalho realizado pela SBORL, nos últimos dez anos, fez com que o mundo passasse a ver a ORL brasileira com grande presente e futuro. A Revista da SBORL é reconhecida internacionalmente, o Tratado Brasileiro de ORL é extremamente importante no contexto internacional, o Brasil possui um grande número de otorrinolaringologistas, nossa produção científica é reconhecida e nossa Sociedade está cada vez mais fortalecida. Todos estes fatores fazem com que a ORL brasileira tenha uma posição de destaque no mundo e que tenha a necessidade de se expandir, de aumentar seu relacionamento, não apenas com os ELZA e a América Latina, mas com a Europa e, principalmente, com a Ásia. Estamos trabalhando para que isso aconteça. Apesar dos problemas de ordem econômica no país e do grande número de profissionais que se forma a cada ano, a Especialidade em ORL continua sendo uma das mais procuradas no Brasil. Temos boas perspectivas científicas, econômicas e grandes áreas geográficas carentes de médicos especialistas em ORL, diferentemente de outras Especialidades. A ORL brasileira oferece grandes possibilidades de sucesso para seus profissionais hoje, e no futuro.

DR. ALDO STAMM - CHEFE DO SERVIÇO DE ORL DO HOSPITAL EDMUNDO VASCONCELLOS, MESTRE E DOUTOR EM ORL PELA UNIFESP EPM
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