Caderno de Debates (Suplementos)

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Artigo publicado no Caderno de Debates da RBORL:

Vol.68 ed.6 de Novembro - Dezembro em 2002 (da página 03 à 07)

Autor: CADERNO DE DEBATES (CD)

Entrevista

 ONDE O PRESENTE E O FUTURO SE, MESCLAM NA ORL

ENTREVISTA com DR. LUC WECKX (LW)

Caderno de Debates - Quais são suas principais preocupações com o futuro da ORL Brasileira?

Luc Weckx - Existem problemas que me preocupam em relação ao futuro de nossa profissão. Primeiro a "super produção" de médicos, ás custas de 111 escolas médicas do Brasil, formando 11.000 novos médicos ao ano, contra uma necessidade de apenas 4.000 profissionais. Destes, 40% não conseguem vaia na residência médica, tornando se "mão de obra" barata para os planos de saúde. Outra questão: 2007 é o ano de abertura do Mercosul para livre intercâmbio profissional de especialidades médicas, e a única barreira para não haver uma invasão, ainda é a diferença da língua. O Managed Care, que abrange nos ELZA cerca de 92% dos médicos, tem funcionado e comprado empresas de seguros e planos de saúde estabelecidos no Brasil através de firmas americanas, além de adquirir hospitais e laboratórios. Neste sistema que privilegia o generalista em detrimento do especialista, a contenção de custos começa pelo médico. E para piorar o quadro, o número crescente dos processos judiciais por erro médico. Embora a ORL não esteja entre as 10 especialidades mais acionadas, o número tem aumentado de maneira preocupante.

CD - Mas não há regiões no Brasil sem otorrinolaringologistas?

LW - Sim, há várias cidades brasileiras, até com 50.000 habitantes, sem otorrinolaringologista, como demonstra o Censo de ORL elaborado pela SBORL (sob o comando do Dr. Roberto Eustáquio Guimarães). Porém, existem vários municípios que, além do otorrinolaringologista, não têm clínico geral. Se nem esgoto estas cidades possuem, que dirá um serviço de saúde decente. Apenas 50% dos domicílios no Brasil têm banheiro e sistema de esgooto sanitário.

CD - Na sua opinião, qual é o grande problema do Brasil?

LW - Para mim, um dos maiores desafios ainda é a taxa anual de crescimento da população. Embora a taxa de natalidade tenha caído de 5.8 filhos para 2.3 filhos por mulher, existe a necessidade de se gerar 2.500.000 novos empregos ao ano para atender esta demanda. Como conseguir isto? Nenhum país no mundo conseguiria. O Brasil, em 2001, conseguiu criar 350.000 novos empregos, o que já é muito se considerarmos que a maior fábrica brasileira tem 40.000 funcionários. Com tudo isto, o Brasil já ocupa o 5°. lugar no ranking da população mundial, estando atrás apenas da China, índia, Estados Unidos e Indonésia. Grandes cidades, grandes problemas! Além do quê, a expectativa de vida do idoso brasileiro aumentou e o Brasil conseguiu baixar sua taxa de mortalidade infantil de 45.3 óbitos para cada 1000 nascidos vivos ao ano para 29.6 em 2000. Ponto para o Brasil! Outro grande problema é a desigualdade social. Somos ao mesmo tempo 82° lugar em renda per capita e o 12° país com maior número de bilionários, sendo que 20% da população brasileira compra 50% de tudo que é vendido. A violência urbana e a falta de perspectivas para o jovem brasileiro da periferia não podem ser esquecidas: 40.000 assassinatos ao ano (superando a Colômbia) e 40.000 mortes por acidentes de trânsito ao ano (contra 50.000 mortes na guerra do Vietnã em 5 anos).

CD - Os dirigentes da classe médica brasileira tem atuado a contento na defesa dos interesses da classe?

LW - A meu ver, sim. Desde que a AMB (EI euses Paiva) e o CFM (Edson O. Andrade)uniram seus esforços, o poder de mobilização e de pressão dos médicos junto aos planos de saúde e órgãos governamentais aumentou bastante. Podemos citar como exemplo o projeto de lei sobre o Ato Médico que tramita no Senado, em que profissionais paramédicos querem opinar sobre a milenar atuação do médico. Além disso, a nova Lista de Procedimento Médicos, elaborada com a assistência da FIPE, deverá ser implantada com cautela para não ser apenas mais uma "tabela". Em relação a áreas fronteiras da Medicina, como é o caso da Fonoaudiologia e da ORL, devemos sempre procurar o "trabalhar" em conjunto, pelo bem do paciente, desde que o ato médico (diagnóstico e tratamento da doença) seja da responsabilidade do médico.

CD - Como o progresso científico poderá intervir na profissão de ORL?

LW - O progresso científico, exemplificada nos avanços da Biologia Molecular e da Engenharia Genética, e rapidamente repassado aos profissionais pela Internet, deverá alterar o curso de algumas doenças otorrinolaringológicas. As vacinas, pelo menos em teoria, diminuirão o número de otites médias e de sinusites, embora não em quantidade considerável em um primeiro momento. Como exemplo, estima-se que a vacina contra o pneumococo conjugada 7 valente diminuirá em 20,1% a colocação de tubos de ventilação. A identificação dos genes responsáveis por surdez hereditária possibilitará um rastreamento pré natal; o conhecimento do gene responsável por patógenos infecciosos levará a novos tratamentos e vacinas (tbc, aids). A terapia gênica no câncer, substituindo um gene defeituoso por um gene supressor de tumor, usando um vírus como vetor, ou, a terapia anti angiogenese, impedindo a formação de novos vasos sangüíneos responsáveis pelo crescimento do tumor, fará com que o câncer de cabeça e pescoço seja cada vez mais tratado clinicamente (QT e RxT) e menos cirurgicamente. Com a Biologia Molecular o prognóstico de algumas entidades será melhor, como o câncer de laringe, se detectarmos micrometásteses nas margens cirúrgicas com maior eficiência. A Terapia Celular (clonagem terapêutica), injetando células tronco totipotentes na cirçulação ou no local da lesão para substituir células que não funcionam adequadamente devido a um defeito genético, irão diminuir o número de transplantes, que são procedimentos invasivos, caros e com complicações. Para quem não acredita no potencial destas novas terapias, basta lembrar que a terapia gênica poderá curar a hemofilia até o ano de 2010.

CD - O que a SBORL faz pensando no futuro?

LW - Primeiro, nós precisamos saber quem somos e do quê precisamos. Este ano, com o trabalho coordenado pelo Roberto E. Guimarães conseguimos estabelecer tanto o "Censo do Otorrinolaringologista", mapeando o Brasil agora um R3 pode saber quantos otorrinolaringologistas existem em cada cidade brasileira como o "Perfil do Otorrinolaringologista" com as sub áreas de atuação mais executadas (Rinologia, Otologia, Laringologia etc...) e os equipamentos disponíveis nos consultórios médicos de cada um (fibra óptica, audiometria etc ...). A partir daí, já estabelecemos uma parceria com o Banco do Brasil para financiar de uma maneira simples e barata o equipamento mais importante para o jovem otorrinolaringologista. É de se ressaltar também o aumento das mulheres em nossa Especialidade, assim como na Medicina em geral. Em segundo lugar, é necessário manter o caráter técnico e não político das Comissões de Título de Especialistas e a de Ensino e Treinamento e Residência da SBORL, atuando na formação do otorrinolaringologista, dizendo não à residência que usa o residente apenas como mão de obra barata, dizendo que só presta Título de Especialistas, Residente aos credenciados pelo MEC ou especializados reconhecidos pelo SBORL. Como exemplo recente de atuação da SBORL, o MEC incluiu o terceiro ano objetivo de residência médica em ORL. Mas, acho que o ideal seria ter também o 4° ano de residência opcional, como por exemplo, em Cirurgia Oncológica ORL ou em Traumatologia da Face. Desta maneira, estaremos aumentando a área de atuação do otorrinolaringologista. A SBORL, através de seu braço social, a ONG Organização Saúde Otorrino (OSO), tem como uma de suas missões mapear as doenças ORL no Brasil, e vem desenvolvendo este projeto junto às crianças da periferia de São Paulo.

Como pleitear ajuda do governo se não conhecemos nossas necessidades quantitativamente? Embora uma das funções de uma sociedade científica seja a atualização científica do seu sócio, no quê a SBORL tem um currículo respeitável (RBORL, Congresso, Tratado, Jornadas, Caderno de Debates, Programas de Créditos em Educação Médica Continuada), não há ciência sem o pão. Nesta área, a Defesa Profissional da SBÒRL é pioneira e respeitada por toda a classe médica (Termo de Consentimento Informado, Central de Convênios do Rio de Janeiro, Cooperativa de ORL do Ceará, Departamento Jurídico, Ato Médico em ORL, Credenciamento Universal). Além disso, nós não esperamos os protocolos de condutas do Managed Care. Todas baseadas em evidências, foram elaboradas as nossas Diretrizes êm Otites Médias, Sinusites, Rinite, Amigdalite, "Ronco e Apnéia, e Vertigem. É o otorrinolaringologista determinando as condutas em sua área!

CD - O que mais que a SBORL está realizando em favor da ORL?

LW - Não podemos esquecer que 74% da população brasileira é atendida pelo SUS e que o governo Lula deverá tentar melhorar a consistência médica a esta população carente. Como objetivo de trazer de volta o interesse dó ototrinolaringologista em operar pelo SUS, e diminuir as filas de espera para cirurgia, entramos com um pedido junto à Secretaria de Assistência da Saúde do Ministério para atualizar os valores pagos por procedimentos cirúrgicos mais freqüentemente realizados em ORL, além de solicitar a introdução dos procedimentos diagnósticos e cirúrgicos mais modernos. A reavaliação do Título de Especialista, através de um moderno sistema de crédito (Clemente Isnard Ribeiro de Almeida), manterá o otorrinolaringologista como um dos profissionais mais atualizados em nossa Medicina. As campanhas de informação ao público, esclarecendo que diagnósticos e tratamento de distúrbios de audição e de voz são de competência do otorrinolaringologista, por exemplo, são e serão fundamentais para evitar que sejamos comidos "pelas bordas".

CD -E para terminar?

LW - Gostaria de assinalar que, embora o futuro científico da Medicina seja promissor e às vezes assustador, não se pode esquecer que vivemos em um mundo onde 826 milhões de pessoas passam fome, 1,2 bilhão vivem com 1 dólar por dia, e em um país onde a tuberculose mata quinze pessoas por dia e o mosquito da dengue ameaça toda a população brasileira. Por fim, devemos ter sempre em mente que nosso maior triunfo, nosso maior tesouro, é a "relação médico paciente". E, para que nenhum plano de saúde acabe com esta relação, é necessário garantir o direito de escolha do médico pelo paciente!

DR. LUC WECKX - PROFESSOR ASSOCIADO DO DEPTO DE ORL PEDIATRIA DA UNIFESP ESCOLA PAULISTA DE MEDICINA. MESTRE E DOUTOR E LIVRE DOCENTE PELA UNIFESP ESCOLA PAULISTA DE MEDICINA.

 

 

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