Caderno de Debates (Suplementos)

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Artigo publicado no Caderno de Debates da RBORL:

Vol.64 ed.6 de Novembro-Dezembro em 1998 (da página 12 à 21)

Autor: Lidio Granato*, Maristela Q. Ribeiro**.

Artigo

 Urgências Nasais

Introdução

Considerando todas as urgências na área da otorrinolaringologia, aquelas que afetam as cavidades do nariz situam-se entre as mais freqüentes. Este fato se deve à condição anatômica do nariz, que constitui uma proeminência no andar médio da face; e por esta razão, sujeito a traumas com suas conseqüências, a rica vascularização das suas cavidades predispõe à epistaxe de causas variadas. Processos inflamatórios agudos por si só podem trazer o paciente ao atendimento de urgência; ou, como ocorre com os tumores, pelo sangramento nasal.

Outra urgência em otorrinolaringologia são os corpos estranhos, pois as crianças têm grande tentação de colocá-los não só nas cavidades do nariz, mas também nos condutos auditivos externos. No nariz, a situação é mais complexa que no ouvido, pois, dependendo da forma do corpo estranho e da sua localização, ele pode trazer dificuldades na sua retirada; e até mesmo ocorrer a sua aspiração para a via aérea inferior. No adulto é raro corpo estranho nasal, observado apenas em situações especiais (problemas psiquiátricos e acidentes). Às vezes, observa-se epistaxe desencadeada por algum corpo estranho.

Serão descritos a seguir os quadros que exigem atendimento de urgência e a conduta terapêutica, da forma mais prática possível.

As principais urgências nasais são: epistaxe, hematoma e abscesso septal, vestibulite nasal, sinusite aguda, corpos estranhos e imperfuração coanal.

Epistaxe

Epistaxe é a denominação reservada a sangramento das cavidades nasais. Do grego, epi é um prefixo que significa posição superior. De acordo com Mangabeira-Albernaz (1963), hemorragia nasal pode corresponder a sangramento de outras áreas, além das cavidades do nariz. Na prática, hemorragia nasal e epistaxe têm o mesmo significado.

Sendo várias as causas de epistaxe, utilizaremos uma classificação simplificada, dando ênfase às ocorrências mais freqüentes.

I- Causas locais:

1) Espontânea

2) Traumas

a) digito-ungueal

b) fraturas

o nasal

o maxilar

o assoalho da órbita

o base do crânio

o osso temporal

c) trauma cirúrgico

d) modificações barométricas

3) Inflamações

4) Tumores

II- Causas sistêmicas:

1) Yasculopatias

2) Origem medicamentosa e coagulopatias

I- Causas locais

1) Espontânea

A epistaxe é uma ocorrência que com frequência traz o paciente com certa ansiedade ao atendimento. Embora se tenha de procurar coibir logo o sangramento, é importante que o profissional procure, numa breve história clinica, ter uma boa noção da etiopatogenia. Em alguns casos, a causa primária da epistaxe é logo definida; porém, outras vezes o desencadeamento do quadro não tem uma explicação convincente, uma vez que não se encontra anomalia vascular ou qualquer outra lesão predisponente.

Pessoas hígidas são às vezes surpreendidas com sangramento nasal na ocorrência de um espirro mais forte, crise de tosse, assoando o nariz ou na vigência de quadros inflamatórios da mucosa nasal. Esta forma de épistaxe é denominada idiopática.

2) Traumas

a) digito-ungueal

Este sangramento, provocado por trauma auto-infligido, ocorre principalmente com as crianças; e geralmente a lesão se situa na porção anterior do septo nasal. Algumas destas crianças têm predisposição genética, com a distribuição das artérias e veias muito superficialmente na mucosa da cavidade do nariz. Isto pode ser inferido quando na história familiar um dos pais ou os dois apresentam antecedentes de epistaxe, repetidamente, na infância.

São quadros benignos, que geralmente desaparecem na puberdade.

Os sangramentos com freqüência são desencadeados por pequenos traumas na área de Kiesselbach ou Little, que corresponde à região septal anterior, zona bastante irrigada. Neste ponto há um verdadeiro novelo de vasos terminais das artérias etmoidais anterior e posterior, ramos da artéria esfenopalatina, da palatina maior e da labial superior.

Em algumas das crianças que apresentam sangramentos repetidos, em algumas situações, não se consegue definir se a causa é traumática ou espontânea.

No caso de disgenesia vascular, com ou sem trauma nasal, o melhor tratamento local, a nosso ver, é a cauterização química, uma vez que a tentativa de cauterização elétrica, em geral, provoca reação negativa na criança, com recusa à terapêutica.

A anestesia tópica, com algodão embebido em Lidocaína a 4%, seguida pela cauterização com ácido tricloroacético a 80% no vaso sangrante, em geral, traz bom resultado.

Naqueles pacientes em que não se consiga identificar a artéria responsável pela epistaxe, basta saber qual a cavidade do nariz que sangra, para se cauterizar quimicamente a área septal anterior, com possibilidade de solucionar o problema.

Orientação deve ser dada aos pais quanto aos hábitos das crianças, principalmente aquelas que removem crostas nasais hemáticas, provocando traumas repetidos na mucosa nasal e levando a um verdadeiro ciclo vicioso. Tratamento de afecções concomitantes, tais como rinite alérgica ou rinossinusite, complementam a terapia.

b) fraturas

Fratura nasal ou de quaisquer estruturas, tais como os seios paranasais, assoalho de órbita, base de crânio e mesmo o osso temporal, pode determinar hemorragia no nível das cavidades do nariz. Nestes casos, assim como nos politraumatizados, a conduta é sempre tentar coibir a hemorragia nasal. Naturalmente, há que se prionzar procedimentos nos casos graves. A avaliação com a radioimagem ajuda na identificação da área lesada. Na fratura do osso temporal, o sangue eliminado pelas narinas surge através da tuba auditiva.

Nos casos de fratura, quando clinicamente há desvio da pirâmide, torna-se necessária a redução das estruturas alteradas. O estudo radiológico ajuda na orientação diagnostica e terapêutica. Em geral, até a primeira semana após o acidente, pode se tentar corrigir o defeito sob anestesia local ou geral, dependendo da gravidade do quadro e da cooperação do paciente. O paciente com trauma nasal geralmente apresenta, concomitantemente, epistaxe associada.

c) trauma cirúrgico

A hemorragia pós-operatória pode acontecer depois de qualquer tipo de intervenção na cavidade do nariz e seios paranasais.

São elas: rinosseptoplastia, septoplastia, rinoplastia, sinusectomia, turbinectomia, ressecção tumoral ou mesmo pós-punção transmeática (rara). Elas podem ocorrer logo após a cirurgia ou tardiamente; e a intensidade do quadro pode variar de grau leve a grave, exigindo, além do procedimento local, cuidados gerais como reposição da perda sangüínea.

Quando o sangramento ocorre logo após a cirurgia, ou nos primeiros dias subseqüentes, é importante remover o coágulo, que geralmente provoca uma falsa proteção sobre a área sangrante.

Quando o ponto de sangramento é localizado, pode se atuar sobre ele de várias maneiras. A cauterização seria a forma ideal. Quando se dispõe de um aspirador-cautério, este trabalho é facilitado.

Outra forma seria o tamponamento, com a utilização de vários tipos de material. Na maior parte, estas hemorragias pós-operatórias resolvem-se com tamponamento nasal anterior. O não sucesso deste procedimento pode ser corrigido pelo tamponamento nasal posterior.

Esta conduta tem sido usada nas hemorragias rebeldes de conchotomia, quando a cauda do corneto nasal é ressecada mais amplamente.

d) modificações barométricas

Quando a pressão atmosférica sofre diminuição brusca, e, por algum motivo venha a ocorrer falha no nível do óstio que regula a entrada de ar nos seios, poderá surgir pressão negativa no interior dos mesmos, provocando descolamento da sua mucosa e sangramento nasal. Em geral, o paciente refere desconforto doloroso, na região comprometida, precedendo o sangramento. Este evento compromete pessoas em geral com resfriados, nas viagens aéreas ou em mergulho aquático, quando não conseguem equalizar á pressão da cavidade sinusal com a do meio exterior.Descompressão brusca, por problemas de pressurização dos equipamentos em vôos, é às vezes responsável por epistaxes em passageiros. A orelha média está sujeita a este fenômeno, caso a tuba auditiva não consiga desempenhar regularmente sua função, levando à formação de hemotímpano (Campos e Lopes Filho, 1994).

3) Inflamações

Neste grupo, em geral, as hemorragias surgem na parte anterior da cavidade nasal e são mais benignas quando comparadas com as que ocorrem na parte posterior. Ocorrem na vigência de resfriados, na presença de corpos estranhos em adultos deixados em cirurgias prévias, acidentes ou por rejeição de material heterólogo em cirurgias estéticas. Antes da sua eliminação, provocam uma reação inflamatória acompanhada de sangramento. A utilização de substâncias químicas (ácido crômico, fosfatos, gasolina etc.) e o uso de cocaína, por viciados, podem levar a alterações isquêmicas e inflamatórias, com sangramento.

4) Tumores

Os tumores vascularizados na área da otorrinolaringologia têm tendência a sangramentos. Em geral, processos inflamatórios adjuvantes ulceram a superfície dos mesmos e provocam hemorragias, que podem ser de pequena intensidade, cedendo com pequenas manobras, ou apresentar gravidade. Estas, por exemplo, podem ocorrer no angiofibroma juvenil, da puberdade masculina (Figura 1). Neste caso, a maneira mais adequada de resolver o problema é a administração de hormônio estrogênico em doses decrescentes e tamponamento nasal suave, de maneira a não ulcerar ainda mais a superfície do tumor. Internação do paciente e controle geral são básicos para assegurar a parada da hemorragia.



Figura 1 - Angiofibroma juvenil: tumor sangrante em fossa nasal.



Tumores malignos apresentam sangramentos por necrose de tecido, pela rapidez de crescimento da neoplasia, e evidenciam o sinal de malignidade.

II - Causas sistêmicas

1) Vasculopatias

A mais importante neste grupo é sem dúvida aquela que ocorre nos pacientes com hipertensão arterial. Pode estar associada a arteriosclerose e geralmente tem origem na região posterior da cavidade do nariz. As epistaxes posteriores são mais severas que as anteriores, pois são dependentes de vasos mais calibrosos, território da artéria maxilar. Este vaso, mesmo antes de atravessar o forame esfenopalatino, no interior da fossa pterigopalatina, bifurca em dois ramos terminais: a artéria septal e a artéria nasal lateral posterior. Outras artérias que estão envolvidas nas alterações vasculares e que complementam a irrigação das cavidades do nariz são as etmoidais anterior e posterior, ramos da artéria oftálmica e dependentes da artéria carótida interna.

A artéria septal, ao alcançar o septo nasal, emite ramos que se irradiam subperiosteal e subcondrialmente; um desses ramos é a artéria nasopalatina, que desce na junção vômer-etmoidal. Outros ramos menores alcançam o assoalho do nariz. Os ramos ascendentes da artéria septal, quando se aproximam do teto do nariz, podem fazer anastomose com as artérias etmoidais anterior e posterior, constituindo o plexo etmoido-septal responsável por epistaxes importantes. A artéria nasal lateral posterior, logo que deixa o forame esfenopalatino, emite um ramo bem calibroso que adentra a concha média por debaixo da lâmina óssea deste corneto, irrigando toda a concha e distribuindo-se pelos demais meatos do nariz. No meato superior, estes ramos se anastomosam com os ramos das artérias etmoidais anterior e posterior, também formando um plexo arterial, semelhante àquele constituído pelas terminações da artéria septal (Navarro, 1997).

O conhecimento desta distribuição arterial é importante para o diagnóstico da localização do sangramento, assim como de sua terapêutica.

O tratamento visa inicialmente a compensação hemodinâmica do paciente, com cuidados gerais, dando especial atenção ao nível pressórico arterial. Em geral, por se tratar de grandes hemorragias, o paciente é internado, recebendo, além de drogas anti-hipertensivas, medicação tranqüilizante e drogas que contribuem para a coagulação sangüínea.Com muita freqüência, estes pacientes necessitam de cuidados locais. A localização do ponto sangrante deve ser individualizada através da retração da mucosa, com a utilização de vasoconstritores e boa iluminação, e pela utilização do microscópio cirúrgico ou do endoscópio. A cauterização do vaso sangrante é o ideal; porém, nem sempre é possível. Utilizamos então o tamponamento, que se inicia pelo posterior e é complementado pelo anterior (Figuras 2 e 3).



Figura 2 - Demonstração esquemática do tamponamento nasal anterior em forma de sanfona.



Figura 3 - Tamponamento nasal posterior bem justo no nível da coana e ocupando o terço posterior de fosse nasal.



Com relação ao tamponamento posterior, é muito freqüente deparar-se com paciente tamponado apresentando, mesmo assim, sangramento posterior. Dada a dificuldade da colocação adequada do tampão na porção posterior da cavidade do nariz, é muito comum este tampão ficar na rinofaringe. Este procedimento não ajuda a debelar a epistaxe posterior e incomoda demais o paciente, por se tratar de uma área reflexógena, trazendo desconforto e agravando a situação do doente. O tamponamento posterior pode ser feito com anestesia local ou geral. Obviamente, o paciente sob narcose sofre menos e facilita o trabalho do cirurgião. O paciente que ingeriu muito sangue - e isto é comum nos sangramentos posteriores de grande volume -, se submetido a anestesia geral, deve receber um cuidado especial do anestesista, pois na indução anestésica ele pode vomitar e aspirar o próprio sangue. Uma vez intubado e feito o tamponamento, o estômago deve ser esvaziado por aspiração cuidadosa com sonda gástrica. Alguns desvios de septo dificultam o tamponamento nasal, tornando-se necessário a sua correção para a efetividade plena da hemostasia dada pelo tamponamento.

O tampão posterior deve ter o diâmetro da coana, ou pouco maior, e adentrar cavidade do nariz sob pressão. Em geral, avalia-se o diâmetro do orifício coanal por comparação com o dedo polegar do paciente, que guarda uma certa relação de tamanho. Antes da colocação do tampão, é importante que a cavidade seja bem limpa, lavada com soro fisiológico, retirando-se todos os coágulos. O ideal é utilizar o tampão feito de material de superfície lisa, que adentre facilmente a cavidade do nariz, e seja retirado com facilidade 48 horas depois de cessado o sangramento. Metade de um dedo da luva cirúrgica contendo uma gaze no seu interior, do tamanho do provável diâmetro da coaria, será fixada por fio de algodão 2-0 na sua extremidade anterior, que ficará fixada na pele da bochecha com micropore. O fio será utilizado para tracionar o tampão para a frente após ter sido amarrado na extremidade da sonda de polietileno, que, adentrando o nariz, foi pinçada na orofaringe. Não há necessidade de fixar um outro fio na parte posterior do tampão, pois este incomoda o paciente e é dispensável na retirada do tampão pela orofaringe.

Com relação ao fio que mantém o tampão na sua posição, ele é transfixado não só no plástico da luva, como também na gaze através de fio de algodão agulhado. Vale a pena chamar a atenção para o fato de que o tampão adentra inteiramente a cavidade nasal e isto é ajudado pelo dedo indicador do cirurgião, sendo evitada assim a pressão do tampão sobre o palato mole. O tampão, quando bem ajustado, comprime os vasos posteriores e evita até mesmo a descida do soro fisiológico, quando colocado anteriormente na cavidade nasal. Este procedimento serve de teste quanto ao ajuste do tampão. Em seguida, complementa-se com o tamponamento nasal anterior, protegendo-se a mucosa da cavidade nasal com fragmentos de Gelfoan®, e em seguida utiliza-se a gaze bem fina e untada com pomada de antibiótico ou vaselinada, de forma a preencher todos os espaços, principalmente na parte superior, onde com freqüência ocorrem os sangramentos originários das artérias etmoidais anterior e posterior. A gaze, para ficar ajustada, deve ser colocada de forma sanfonada na cavidade do nariz.

Existem outros tipos de tampão nasal: Merocel® (compressas estéreis expansíveis), balões emborrachados contendo no seu interior ar, liquido, gaze e esponja, entre outros. Alguns cirurgiões continuam usando tecidos com lubrificantes.

Esse procedimento, feito com critério, tem resolvido praticamente todos os casos, mesmo aqueles que às vezes pareciam difíceis de solução, tendo sido os pacientes tamponados previamente por mais de uma vez. A cobertura de antibiótico é importante e os tampões são retirados 48 horas após cessado o sangramento.

Outro método utilizado para coibir sangramentos graves é a embolização. É utilizado raramente e exige a cooperação de profissionais bem treinados em radiologia neurovascular.

Quando falham os métodos mais utilizados (a cauterização nasal e tamponamentos), pode se recorrer à ligadura da artéria maxilar na fossa pterigopalatina, que é feita através de uma antrostomia maxilar (técnica de Calwell-Luc) e retirada da parede posterior, com abordagem da fossa pterigopalatina. A ligadura pode ser feita com clipe de prata ou fio de algodão. Este método, embora eficiente, tem sido raramente utilizado em nossas mãos, pois deve se dar preferência àqueles que atuam mais próximo aos pontos de sangramento (cauterização endonasal).

Com a recente melhoria do material para cirurgia endoscópica, e contando-se principalmente com o aspirador-cautério, pode se debelar o sangramento. O conhecimento da vascularização da cavidade nasal orienta o cirurgião a buscar os pontos de emergência dos vasos sede, freqüentes de grandes hemorragias.

Existe uma vasculopatia hereditária que é caracterizada pela presença de telangiectasias comprometendo a mucosa do aparelho respiratório e digestivo. Trata-se da doença de Rendu-Osler-Weber. Por pequenos traumas, ou mesmo espontaneamente, desencadeiam-se hemorragias repeti das. O tratamento deve ser feito através de manobras delicadas, para comprimir ou cauterizar o ponto sangrante. A cura dessa doença é difícil, já que a causa é genética, e hoje utiliza-se o laser (KTP e o Nd: YAG) como tentativa de tratamento mais eficiente.



Figura 4 - Hematoma septal.



Figura 5 - Vestibulite nasal com celulite peri-nasal.



2) Origem medicamentosa e coagulopotias

As discrasias provocadas pelo uso de alguns medicamentos e as coagulopatias foram incluídas num mesmo grupo porque, nestes casos, o otorrinolaringologista atua num papel secundário, pois o tratamento é essencialmente clínico.

Qualquer procedimento no tratamento local dessas afecções, quer sejam cauterizações, tamponamentos ou outras, deve ser realizado com cautela, para não agravar o quadro clinico do paciente.

As drogas mais envolvidas no desencadeamento dessas discrasias são: o ácido acetil-salicílico (AAS), que provoca hipoprotrombinemia; penicilina em altas doses; cloranfenicol; quimioterápicos etc.

As coagulopatias mais freqüentes são: hemofilia, doença de Von Willebrand, doença de Christmas (fator IX) e as alterações hepáticas. Os alcoólatras com epistaxes oferecem muitas vezes grandes dificuldades para a resolução do quadro, por apresentarem múltiplas alterações clínicas, incluindo, além das alterações dos fatores de coação, arteriosclerose e hipertensão arterial.

A introdução de vitamina K é interessante no tratamento desses pacientes.

Pacientes idosos e que apresentam revascularização do miocárdio, portadores de discrasias sangüíneas pelo uso de salicilatos, representam os casos mais complicados para se solucionar.

Hematoma e abcesso septal

O hematoma septal geralmente ocorre depois de trauma nasal. A presença de sangue afastando o folheto mucopericondral, que irriga o septo cartilaginoso, traz conseqüências importantes, levando à necrose do mesmo caso não seja tratado rapidamente. O hematoma pode ser unilateral ou bilateral, como acontece mais freqüentemente (Figura 4).

O hematoma em geral evolui para abscesso, caso não seja drenado. A cartilagem septal, por falta de irrigação, pode ser absorvida.

O tratamento do hematoma ou do abscesso que compromete as duas cavidades nasais é feito através da drenagem submucopericondral e submucoperiosteal, bilateralmente, procurando se incisar em níveis diferentes, para evitar a perfuração septal. Em seguida, fazem-se tamponamento anterior bilateral, bem compressivo, e cobertura com antibióticos de amplo espectro.



Figura 6 - Radiografias simples mostrando nível líquido em selo frontal,e pansinusite à direita.



Vestibulite ou folieute nasal

E uma afecção de origem bacteriana e muitas vezes provocada por trauma digital (Figura 5). Surge quadro de celulite no vestíbulo e áreas vizinhas, em geral provocada pelo Staphilococcus aureus ou mais raramente por outros germes como o Pneumococcus, Streptococcus beta-hemolítico, Haemophilus influenzae. Em função de a drenagem venosa caminhar para o seio cavernoso através das veias angular e oftálmica, este quadro oferece um perigo potencial de complicação grave. O tratamento se baseia na cobertura antibiótica e drenagem se houver abscesso constituído.

Sinusite aguda

O quadro de sinusite aguda pode surgir de forma abrupta, após resfriado comum ou como reagudização de um processo crônico. No primeiro caso, muitos pacientes tiveram seu quadro agravado após mergulho aquático ou após viagens aéreas ou mesmo sem qualquer fator agravante evidente. Basicamente, o que ocorre é o bloqueio do óstio de drenagem, sendo que quaisquer seios da face podem estar acometidos.

As bactérias mais prevalentes na sinusite aguda são: Pneumococcus, Haemophilus influenzae, Staphilococcus aureus, Moraxella catarrhadzs e, com menor incidência, os anaeróbios. Quando o seio maxilar está comprometido de forma súbita, o sintoma que leva o paciente a procurar socorro é a dor localizada na área do seio afetado. Em geral, a dor está localizada na arcada dentária superior, levando o paciente a procura do dentista para o primeiro atendimento. Secreção nasal geralmente mucopurulenta unilateral e obstrução nasal dão a pista para o diagnóstico.

A sinusite frontal aguda é extremamente dolorosa, impedindo até a compressão digital do seio afetado. Às vezes, nem mesmo se observa secreção drenando pelo óstio, devido ao bloqueio do ducto nasofrontal (Figura 6).

A esfenoidite aguda é muito rara; porém, quando presente, simula quadro de meningite, por apresentar febre e cefaléia no vértex da cabeça.

O seio etmoidal é o mais afetado na infância e adolescência, na fase aguda da doença, levando a complicações que, muitas vezes, além dos sintomas mencionados anteriormente, pode revelar sinais externos, como edema ou abscesso palpebral, além de outras complicações orbitárias mais graves (Figura 7). Pacientes com complicação da sinusite aguda, ou seja, com manifestação clínica que ultrapasse os limites do seio, devem ser internados, para a instituição de medicação endovenosa.

O tratamento pode ser logo preconizado, com base apenas nos sinais clínicos que geralmente são bem evidentes, ou se possível complementar o diagnóstico com estudo radiográfico. Antibióticos de amplo espectro, corticóide, gotas nasais com vasoconstrictores, inalação e analgésico constituem a base do tratamento.



Figura 7 - Sinusite aguda etmoidal com complicação orbitária.



Figura 8 - Manobra do Professor Moraes para a retirada de corpo estranho.



Figura 9 - Presença de corpo estranho metálico (radiopaco) em cavidade nasal.



Em alguns casos, há necessidade de complementar o tratamento clinico, quando esse não foi suficiente para debelar o processo. A drenagem do seio frontal, realizada no canto interno da órbita, é fundamental quando o paciente continua com dor na área afetada após tratamento clinico bem orientado.

Deixa-se um pequeno dreno externo, para drenagem, arejamento e irrigação com soro fisiológico. A abordagem por via endonasal, com a utilização do telescópio, pode drenar o frontal quando se libera o dueto nasofrontal.

Essa conduta também é válida para o acesso ao etmóide, em caso de insucesso no tratamento clínico, podendo ser por via externa ou por via endoscópica intranasal. Os adolescentes são mais afetados nesse tipo de complicação. O seio maxilar pode ser drenado através da punção transmeática ou por via endoscópica. Atualmente, pacientes adultos com sinusite maxilar aguda, que recebem medicação antibiótica bem indicada, dificilmente necessitam de qualquer tipo de drenagem complementar.

Corpos estranhos

Os corpos estranhos da cavidade do nariz são encontrados quase que exclusivamente em crianças. Qualquer material que esteja ao alcance de suas mãos pode servir de corpo estranho. Os de formas esféricas ou arredondadas são os mais difíceis de serem removidos, pois nos seus casos o uso da pinça está contra-indicado, devido à possibilidade de empurrar o objeto para posterior. Deve se lembrar que o muco nasal favorece este deslizamento. A forma mais prática é a utilização da sonda de ltard (Mangabeira-Albernaz, 1963), que, com sua parte curva, passa por trás do corpo estranho; movimentando-a para o anterior, traciona-se o objeto (Figura 8).

Em algumas situações, há necessidade de anestesia geral para se retirar corpos estranhos - por exemplo, ponteagudos ou pérfuro-cortantes, que exigem manobras mais delicadas para sua remoção, evitando-se trauma maior nas paredes da cavidade nasal (Figura 9).

Quando o corpo estranho não for esférico - como, por exemplo, papel ou esponja -, pode se retirá-lo com pinça. Antes de manuseio do corpo estranho, borrifar um anestésico tópico tipo Lidocaína a 4%, associado a um vasoconstritor, para facilitar as manobras endonasais. Em adultos, ás vezes somos solicitados para retirar algum corpo estranho, em caso de paciente com distúrbio de conduta ou, como ocorreu recentemente, numa paciente com epistaxe de repetição com prótese de silicone sobre o dorso nasal. O sangramento surgia na região da incisão intercartilaginosa e a prótese dava sinais de extrusão.



Figura 10 - Radiografia axial Hirtz com contraste evidenciando bloqueio bilateral no nível das coanas.



Imperfuração coanal

Trata-se de malformação congênita que afeta na proporção de 2:1 (feminino: masculino), sendo mais comum a unilateral. Quando bilateral, torna-se uma urgência para o neonatologista, pois o recém-nascido não apresenta padrão respiratório bucal (Figura 10). Deve se promover a respiração oral, quer através de intubação oro-traqueal, pela colocação de cânula de Guedel, ou por "chupeta" fenestrada, que é fixada por cadarço em torno da cabeça do bebê. A manutenção da boca aberta do recém-nascido é uma solução simples para um grande problema de dificuldade respiratória. Assim, preservando a respiração oral, o pequeno paciente pode aguardar alguns dias até que alcance condições satisfatórias cirúrgico-anestésicas para a realização da correção definitiva da imperfuração.

Referências Bibliográficas

CAMPOS, C. A. H. & LOPES FILHO, O. - Hemorragia nasal In Otacílio & Campos - Tratado de Otorrinolaringologia. São Paulo, Roca, 1994, p. 337-52.
MANGABEIRA ÀLBERNAZ, P - Otorrinolaringologia Prática. São Paulo, Procieux, 1963. NAVARRO, J. A. C. - Cavidade do nariz e seios paranasais. Anatomia Cirúrgica 1. Editora Aldent, 1997.

(*) Professor Doutor Chefe de Clinica do Departamento de Otorrinolaringologia da Santa Casa.de São Paulo.
(**) Professora Instrutora do Departamento de Otorrinolaringologia da Santa Casa de São Paulo.
Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo.
Endereço para correspondência: Lidio Granato - Rua Dr. Cesário Mota júnior, 112 - 4° Andar - 01277-900 São Paulo/SP - Brasil - Telefone e Fax: (011) 222-8405.

 

 

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