Caderno de Debates (Suplementos)

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Artigo publicado no Caderno de Debates da RBORL:

Vol.64 ed.3 de Maio-Junho em 1998 (da página 11 à 21)

Autor: Mônica A. Menon Miyake*

Artigo

 Polipose Nasossinusal: Diagnóstico e Tratamento

Introdução

A polipose nasossinusal (PN) é bastante comum nos consultórios dos otorrinolaringologistas. Ainda hoje é uma condição clínica mal definida, geralmente associada a determinadas doenças, onde aparece não se sabe se como causa, conseqüência ou simples associação. Muitos, entre os tópicos básicos relacionados à PN, como a patogenia, o tratamento de eleição e a correlação com alergia, são alvo de discussão e controvérsia. É intrigante a existência de um tema a gerar tantas dúvidas numa época de tal desenvolvimento tecnológico facilitando o diagnóstico e tratamento, com tão grandes avanços da imunologia e histoquímica, de novos fármacos e das técnicas cirúrgicas intranasais. Muitas são as considerações; e poucas, as conclusões. Talvez por isso a polipose nasossinusal seja um desafio dos mais estimulantes para nós, especialistas.

Definição

A expressão polipose nasossinusal é usada para designar formações de pólipos múltiplos, em maior ou menor número, contrariamente aos casos de pólipo único. Os pólipos são moles, brilhantes, translúcidos, pálidos, levemente acinzentados ou rosados, pedunculados e presos a uma base no corneto médio, hiato semilunar ou óstio dos seios maxilares ou etmoidais.5 São formações não neoplásicas, causadas por edema, que levam ao quadro nasal obstrutivo bilateral. Quase sempre se originam na região do meato médio, podendo se expandir para a cavidade nasal, nasofaringe, narinas e seios paranasais.

Diagnóstico diferencial

O diagnóstico diferencial inclui a maioria das tumorações nasais: cordoma, quemodectoma, neurofibroma, angiofibroma, papiloma invertido, carcinoma de células escamosas, sarcomas, encefaloceles ou meningoceles. A maioria destas lesões é unilateral, imóvel, dolorosa ou sangra à manipulação. A PN é caracteristicamente bilateral, não sangrante e não sensível ao exame. Destruição óssea é uma característica de tumores malignos, mas também pode ocorrer em alguns casos da síndrome de Woakes, uma polipose mais invasiva.

Pólipos únicos, como o antrocoanal de Killian, projetam-se posteriormente para a nasofaringe, ocorrem com mais freqüência nas duas primeiras décadas de vida e podem ser classificados em três grupos: 1.) - pólipos provindos do antro; 2.) - pólipos provindos de outros seios paranasais; ou 3.) - pólipos que são a parte posterior de pólipos etmoidais múltiplos.5

Histoquímica

Pólipos podem ter quatro diferentes padrões histológicos6. O mais comum é o pólipo edematoso, eosinofilico ("alérgico"), que ocorre em 85 a 90% dos casos. É caracterizado por edema, hiperplasia de células caliciformes no epitélio, espessamento da membrana basal e numerosos leucócitos, predominantemente eosinófilos. O segundo tipo é o pólipo fibroinflamatório, caracterizado por inflamação crônica e metaplasia do epitélio. Os outros dois tipos são bem mais raros: os pólipos com pronunciada hiperplasia de glândulas seromucosas, que se parecem muito com o pólipo edematoso, e também o pólipo com estroma atípico, que requer exame minucioso por se confundir com neoplasia.

Nos pacientes com fibrose cística predominam pólipos com grande quantidade de mastócitos e raramente se observam eosinófilos. Pólipos de pacientes com síndromes de Young e Kartagener e fibrose cística têm infiltrados predominantemente de neutrófilos5. Bumsted reportou que há grande concentração de norepinefrina na base dos pólipos e que há mais histamina na mucosa dos pólipos do que na mucosa normal do nariz. Já nos pacientes com asma induzida por salicilatos, a quantidade de histamina dos pólipos é marcadamente menor, por ação da enzima histamina N-metiltransferase, que degrada aquela substância7. Não se observam diferenças significantes nos pólipos nasais relacionados à alergia ou a infeção:

Na PN, encontram-se presentes muitos mediadores inflamatórios, citoquinas e moléculas de adesão na PN. Entre estas últimas está a P-selectina, que promove a adesão dos eosinófilos ao endotélio dos pólipos. Não se sabe o porquê do acúmulo dos eosinófilos no tecido dos pólipos, mas os eosinófilos produzem substâncias que contribuem para a formação, crescimento e manutenção da PN, atuam sobre o epitélio e matriz extracelular, estimulam a síntese do colágeno, e isto resulta na perpetuação do processo inflamatório.8

Patogenia

A patogênese da PN ainda não foi precisamente explicada. Tos, grande pesquisador do assunto, coletou 10 teorias diferentes e refutou a maioria delas com argumentos obtidos em seus próprios estudos4. Hoje estão sendo mais bem estudadas as citoquinas, as moléculas de adesão e o transporte iônico, com a finalidade de se esclarecer a patogenia dos pólipos nasais.

Citamos alguns importantes fatores de discussão: 1.) - Inflamação e infecção crônica e recorrente nasossinusal produzem edema; entretanto, nem sempre produzem polipose. Existe edema de mucosa nasossinusal em várias doenças locais ou sistêmicas, mas só em algumas a PN está associada. 2.) - Na intolerância a salicilatos, existe uma resposta vasomotora anormal e hiper-sensibilidade vascular produzindo edema. Mas esta resposta existe também na rinite medicamentosa, sem contudo haver produção de pólipos. 3.) - Existe bloqueio da corrente aérea no local de origem dos pólipos, como no meato médio, corneto superior etc. (Alguns estudos em animais reproduzem a formação de pólipos em cavidade sinusal e no ouvido médio, após obliteração do óstio de drenagem). Mas a hiperplasia polipóide ou papilar também pode ocorrer na cauda do corneto inferior, que é uma região bem aerada.

Bernstein9 propõe uma teoria multifatorial para a patogênese da PN.

Alterações na corrente aérea ou a interação com vírus ou bactérias produzem um processo inflamatório na parede lateral do nariz. Seguem-se ulceração e prolapso da submucosa com repitelização e neoformação glandular. Células estruturais do pólipo, como as epiteliais e os fibroblastos, produzem RNA-mensageiro para a produção de citoquinas como o GM-CSF e outras, com capacidade de amplificar a reação inflamatória no local. A alergia pode ser um dos fatores que desencadeia essa cascata ele eventos. Esta reação inflamatória microestrutural afeta o transporte iônico nos canais de Na+ e Cl-, na superfície do epitélio respiratório. A alteração da absorção de Na+, demonstrada em estudos do autor, resulta na retenção de Na+ e água no compartimento intracelular e no liquido intersticial. O edema resultante leva ao crescimento do pólipo. A rápida recorrência dos pólipos apesar dos tratamentos cirúrgicos adequados pode refletir alguma característica intrínseca, geneticamente determinada, na resposta da parede lateral do nariz.

Epidemiologia

A polipose incide em 1 a 4 % da população em geral2, com a proporção aproximada de 1:1 homens/mulheres, mas aumenta em determinados grupos de pacientes, como demonstrado no Quadro 1. Não há estudos sobre a prevalência da polipose na população em geral, só em grupos clínicos. Alguns trabalhos em cadáveres mostram porcentagens surpreendentemente altas e variadas (entre 26 e 42%), sugerindo que muitos pacientes com polipose sejam assintomáticos, ou que haja alta reversibilidade dos pólipos.10 A PN é encontrada em 36% dos pacientes com intolerância a salicilatos, 7% dos asmáticos adultos, 0,1% das crianças e cerca de 20% dos pacientes com fibrosa cística. Outras condições clinicas são associadas a PN, como síndrome de Churg-Strauss, sinusite fúngica alérgica, síndrome da discinesia ciliar (ou de Kartagener) e síndrome de Young. A PN é estatisticamente mais comum em pacientes com asma intrínseca (não alérgica) do que extrínseca (alérgica).2

QUADRO 1

Freqüência de associação das doenças sistêmicas com polipose

Intolerância à aspirina - 36%
Asma intrínseca - 13%
Asma extrínseca (alérgica) - 5%
Fibrose cística - 20%
Sinusite crônica - 5%
Rinossinusite alérgica - 1%
Outras: sinusite fúngica alérgica, síndromes de Young, Churg-Strauss, Kartagener - 66-100%

Adaptado de Settipane, G A. - Epidemiology of nasal polyps - Allergy Asthma Proc., 17:5, 231-6/1996.


Correlação core doenças sistêmicas

Asma e intolerância o salicilatos

A PN está presente em várias doenças sistêmicas, sendo a asma intrínseca ou não alérgica a associação mais comum nos adultos e muito raramente em crianças. Este tipo de asma tem aparecimento após os 30 anos de idade, e a polipose aparece ao redor dos 40. Os eosinófilos estão aumentados no citograma nasal, IgE total é normal, há eosinofilia, associação com sinusite e também pode haver um componente familiar.

É freqüente a "tríade de Samter": asma, polipose e intolerância a aspirina."Nestes casos, a asma costuma ser grave, corticodependente. Os pneumologistas devem estar atentos a estes pacientes, encaminhando-os para exame otorrinolaringológico periodicamente, pois a polipose costuma aparecer mais tardiamente. Esta asma pode ser precedida por um quadro de rinossinusite perene refratária a tratamentos, de aparecimento nos adultos, que pode ficar sem diagnóstico etiológico, caso o otorrinolaringologista não avente esta hipótese. A freqüência de intolerância a salicilatos em pacientes com rinite perene é de 6,18% e com polipose é de 14,68%.

Quando há intolerância a aspirina, há reação cruzada com a maioria dos antiinflamatórios não asteróides (AINE). Pode se seguir uma intolerância a tartrazina - que é um corante alimentar -, outros aditivos de alimentos, álcool, narcóticos e anestésicos locais.

Estudos imunológicos mostram hiper-reatividade dos eosinófilos devida a ativação de linfócitos Th-1. (Nos pacientes alérgicos, existe predomínio de Th-2). Um evento importante na intolerância a salicilatos é a alteração da via dos leucotrienos no metabolismo do ácido aracdônico, com liberação de grandes quantidades de leucotrienos LTC4, LTD4 e LTE4, efetivos ativadores de células inflamatórias.11

Para se fazer o diagnóstico da intolerância a salicilatos, são importantes a história clinica e provas de provocação. A terapia se baseia na exclusão dos salicilatos e substâncias que provoquem reação cruzada. Alguns autores preconizam dessensibilização a aspirina.

São descritos alguns casos de crianças com polipose, sem fibrose cística, com intolerância a salicilatos. Nestes casos, existe um padrão atópico mais evidente, com ocorrência de mais testes cutâneos positivos, aparecimento de urticária e relação de 2:1 homens/ mulheres, ao contrário do que ocorre nos adultos.

A grande discussão na prática clinica otorrinolaringológica recai sobre a indicação cirúrgica nos casos de polipose relacionada a asma. Em grande parte, os autores, incluindo Settipane, relatam melhora, ou não se referem a piora da asma, após a polipectomia. É plausível que, dada a diminuição do fator inflamatório e da sinusite resultante, haja diminuição da hiper-reatividade brônquica.12 Contudo, observam-se, em alguns casos, aparecimento ou piora inexplicável de sintomas brônquicos no pós-operatório. Até o momento, não está bem definido a que tipo de variante se pode atribuir tais resultados: se à técnica operatória mais invasiva ou mais conservadora, ou qualquer outra condição ou medicamento pré ou pós-operatório. É necessário, portanto, que o paciente seja devidamente orientado nos casos em que a cirurgia for indicada.

Polipose e alergia

Existem vários argumentos que afastam a alergia como fator determinante de PN: a polipose é encontrada em pacientes com rinite e asma, com testes cutâneos mais freqüentemente negativos do que positivos, e em alguns pacientes com teste de provocação com metacolina negativo. Já se sabe que a polipose não é uma manifestação de alergia, assim como o são a urticária, a rinite etc.13

Contudo, os pólipos podem ser recorrentes e os principais fatores associados à recidiva são infecções das vias respiratórias superiores e atopia. Sendo assim, nos pacientes alérgicos pode haver maior chance de recidiva da polipose após a cirurgia. Também é observada maior recorrência dos pólipos nasais nas estações polinicas, em indivíduos sensíveis. Nos alérgicos, a concentração de IgE total e específica é bem mais alta no tecido do pólipo do que no soro, assim como a IgA.

Alguns autores referem alta positividade dos testes cutâneos em pacientes com polipose (56%), enquanto que a média estatística é semelhante à da população em geral. Isto realmente pode ocorrer se a amostragem for obtida em clinicas de alergia, onde a positividade de testes cutâneos é de aproximadamente 77%.2

Quando ocorrem junto polipose e alergia, é importante tratar a alergia, através da identificação e eliminação dos antígenos pelo controle ambiental, medicamentos incluindo corticosteróides tópicos, além de hipossensibilização nos casos resistentes.

Polipose e inflamação

A formação e o crescimento do pólipo são perpetuados por um processo que envolve o epitélio da mucosa, a matriz epitelial e células inflamatórias, cujo início pode ser estimulado por um processo inflamatório alérgico ou não alérgico. 12Estudos com microscopia eletrônica demonstram que a seqüência inicial de formação do pólipo envolve rupturas epiteliais múltiplas com proliferação de tecido de granulação, para onde há migração de "ramos" de epitélio tentando cobrir o defeito da mucosa. Outros destes ramos se aprofundam para o tecido conectivo, onde microcavidades intraepiteliais com uma camada epitelial diferenciada separam o corpo do pólipo em desenvolvimento da mucosa que lhe é adjacente.

Quando a PN coexiste com sinusite, torna-se difícil determinar qual dos fatores iniciou o processo. O estreitamento dos óstios de drenagem e retenção das secreções pode causar sinusite crônica ou recorrente, e levar ao processo descrito acima. Alguns determinantes possíveis deste quadro podem ser alergia, deficiência imunológica, virulência de microorganismos, danos causados previamente na mucosa, tratamento antibiótico insuficiente, enfim, o que possa causar uma sinusite complicada ou cronificada.

É extremamente importante o controle da sinusite, associada a piora dos quadros de asma em 70 a 95% dos casos12. Uma sinusite pode desencadear asma por uma estimulação nervosa no seio infectado, que resulta num estímulo parassimpático à árvore brônquica, na contração da musculatura lisa. E fundamental tratar este processo infeccioso no pré-operatório, assim controlando o estado geral do paciente com a melhora da asma, e também tratando as condições locais da mucosa, para não ocorrerem intercorrencias no ato operatório.

Polipose e sinusite fúngica

Na última década, a comunidade médica reconheceu a sinusite fúngica alérgica como entidade clínica muito freqüentemente associada a PN.15, 16, 17 A sinusite fúngica alérgica é uma doença sinusal benigna não invasiva, devida a uma hipersensibilidade a antígenos fúngicos. A maioria dos fungos determinantes pertence à família Dematiaceae, mas muitos outros podem estar implicados.

Esta suspeita deve ser levantada nos casos de polipose refratária a tratamentos, em pacientes imunocompetentes e não diabéticos. É necessário um diagnóstico diferencial adequado da sinusite fúngica alérgica, distinguindo-a das outras formas de sinusite fúngica. A tomografia computadorizada e a ressonância podem ajudar na identificação do quadro, mas não mostram imagens típicas. O diagnóstico é, histopatológico, sendo demonstrada a mucina alérgica característica. Hifas podem aparecer em certas manchas fúngicas ou ser confirmadas em cultura positiva.

Na cirurgia, este diagnóstico pode ser levado em conta quando for encontrada a mucina espessa, típica dos alérgicos. Deve ser colhido material para cultura; e o patologista, alertado para o diagnóstico. A técnica cirúrgica pode ser conservadora, mas inclui retirada total da mucina. No pós-operatório são recomendados corticosteróides por via sistêmica por um período curto, seguidos por corticosteróides nasais tópicos.

A persistência dos sintomas e recorrência dos pólipos verificam-se principalmente quando há retirada incompleta da mucina.

Mesmo quando o paciente melhora completamente, a recorrência pode acontecer, presumivelmente pela reexposição aos antígenos fúngicos. Por isso, reavaliações clínica, endoscópica e radiológica periódicas tornam-se importantes.

Polipose e fibrose cística

A fibrose cística (FC) é considerada uma das doenças hereditárias mais fatais.

As manifestações nasossinusais não são tão incapacitantes se comparadas com as do trato respiratório inferior.

A opacificação de todos os seios paranasais é comum, mesmo nos pacientes que não apresentam sintomatologia. O diagnóstico se faz através do exame de Cl- no suor. 18, 19

O melhor conhecimento da fisiopatologia da FC tem melhorado significativamente as condutas nesta doença, aumentando a longevidade dos pacientes e sua qualidade de vida. É uma das primeiras doenças em que será aplicada a terapia gênica, em futuro próximo.

De 10 a 20% dos pacientes com fibrose cística requerem tratamento cirúrgico nasossinusal.

A cirurgia endoscópica é um procedimento seguro e efetivo quando indicado nas crianças com FC. Recomenda-se que seja a mais conservadora, até para minimizar a ocorrência de iatrogenias, ainda mais indesejáveis nestes casos. Todos os tratamentos disponíveis levam a melhora transitória, mas não são curativos.

Polipose e doenças mais raras

A síndrome de Churg-Strauss é uma doença bastante rara, de difícil diagnóstico, muito associada a PN20. É um tipo de vasculite alérgica. O quadro inicial inclui asma e rinite alérgica, e pode evoluir com manifestações cardíacas, renais e pulmonares. A polipose está acompanhada de formação de muitas crostas, que mostram, à histologia, granulomas necrotizantes e muitos eosinófilos. Na literatura, foram descritos pouco mais de 200 casos, incluindo pacientes com PN recidivante e asma que foram controlados após feito diagnóstico e tratamento para a vasculite. São usados corticosteróides sistêmicos e, por vezes, citotóxicos.

A síndrome de Kartagener manifesta-se por uma discinesia ciliar primária e é uma doença genética bastante rara.2, 21 Os pacientes apresentam bronquectasia, otites médias e sinusite crônica. Na sua forma completa (em 50% dos casos), a síndrome manifesta-se em situs inversus, uma reversão completa de todos os órgãos, como o coração à direita, fígado à esquerda etc. Aproximadamente 27% dos pacientes apresentam polipose. A discinesia ciliar ocorre em todo o organismo, incluindo o trato respiratório e esperma, e é devida a alteração estrutural dos cílios, tornando-os imóveis ou muito lentos. Infecções causadas por Pseudomonas aeruginosa são freqüentes nestes pacientes, assim como na fibrose cística.

A síndrome de Young consiste em doenças respiratórias recorrentes, azoospermia e polipose2. Sinusite crônica importante pode se associar a bronquectasia. Os pacientes apresentam estrutura dos cílios conservada. A espermatogênese é normal, mas há bloqueio no epidídimo. Doença menos rara que a fibrose cística ou Kartagener, responde por cerca de 7% dos casos de infertilidade masculina.

Avaliação clínica

Quando o paciente com PN procura tratamento médico otorrinolaringológico, deve ser feita uma anamnese minuciosa, levando-se em conta a importância do diagnóstico etiológico no prognóstico do paciente. Todas as informações sobre as doenças já citadas são essenciais.

Ao exame físico ORL, já podemos verificar se existe alargamento na pirâmide nasal, indicativo de polipose extensa. A rinoscopia anterior é importante, mas só ao exame com endoscópio20 rígido ou flexível poderemos precisar a extensão do processo, e o estado da mucosa dentro das fossas nasais. Ainda no consultório, podem ser efetuados os testes cutâneos de leitura imediata, como um screening para a avaliação alergológica.

Radiologicamente, o exame que pode trazer mais subsídios é a tomografia computadorizada23, que mostra a extensão da doença nos seios paranasais. Em se tratando de pacientes asmáticos, uma avaliação através de RX simples ou TC de tórax pode ser recomendável. Quanto a testes laboratoriais, é importante solicitar um hemograma completo + coagulograma, já como avaliação pré-operatória. Também, imunoglobulinas + IgE e RAST, quando se suspeita de alergia. O citograma nasal geralmente mostra predomínio de eosinófilos na PN, com exceção de algumas doenças mais raras, como fibrose cística.

O espermograma é requerido em adultos jovens com história de infertilidade, para constatar síndrome de Young. A pesquisa de cloro no suor se faz na suspeita de fibrose cística. Nos pacientes asmáticos, recomendamos solicitação de PPD, já que a incidência de tuberculose tem aumentado bastante.

Fatores prognósticos

A proposta no Quadro 2 é identificar quais são os, principais fatores que influem no resultado final do tratamento cirúrgico em um paciente com PN.

Como fatores pré-operatórios, destacamos o estadiamento, além do estudo radiológico e endoscópico da mucosa, que dá uma idéia precisa ao cirurgião sobre a extensão do processo para programar a cirurgia, e até de variações anatômicas (por exemplo, n. óptico dentro do seio esfenoidal).23 Corticóides sitêmicos, tópicos e/ou antibióticos podem melhorar o estado da mucosa e diminuir o edema, para minimizar intercorrências no ato cirúrgico. A partir da história pregressa de várias cirurgias, dependendo do histórico, podemos prever perda de referências anatômicas importantes durante a cirurgia, além da maior probabilidade de recorrência.

Como fatores prognósticos transoperatórios, destacamos a técnica operatória. Sabidamente, as técnicas que propiciam visualização intranasal (endoscópicas, microscópicas) favorecem a retirada mais precisa da área de mucosa doente. É óbvio que a experiência do cirurgião é um diferencial, seja qual for a técnica. Também, a interação do cirurgião com o anestesista deve ser a mais perfeita possível, para que não haja sangramentos indesejáveis, ou que se possa usar vasoconstritor tópico quando necessário.

No pós-operatório, são importantes para um bom resultado final os curativos sob endoscopia, quando inicialmente se removem crostas, observa-se a integridade da cicatrização e até se pode visualizar (e retirar) áreas de granulação ou, de formação de pequenos pólipos. Deve se pedir ao paciente para fazer retornos sistemáticos, estabelecidos conforme o critério de cada cirurgião, até para uma estatística pessoal. Corticóides tópicos são recomendados por um período longo (mais ou menos seis meses), iniciando-se logo que as crostas parem de se formar. A avaliação alergológica e o tratamento de alergia nasal são imprescindíveis, dada a maior recorrência nos alérgicos.

Estadiamento

Segundo Settipane, aproximadamente 40% dos pacientes submetidos a polipectomia cirúrgica têm recorrência, sendo o grupo de pacientes alérgicos com PN o mais sujeito e o grupo com intolerância a salicilatos o menos sujeito às recidivas.

QUADRO 2

Fatores prognósticos da polipose nasossinusal

Fatores pré-operatórios:

Estudo endoscópico e radiológico.
Corticosteróides sistêmicos e tópicos /antibióticos.
Estadiamento.
Cirurgias prévias.

Fatores cirúrgicos:

Técnica operatória.
Experiência do cirurgião.
Anestesia.

Fatores pós-operatórios:
Curativos sob endoscopia.
Corticóide tópico.
Avaliação alergológica.
Retornos sistemáticos.






Existe muita variação estatística nos relatos sobre resultados de tratamento, em conseqüência da introdução recente de várias técnicas operatórias. Através de sistemas de classificação, podemos valorizar estes dados estatísticos de maneira adequada, como no estadiamento proposto por Stamm24, que se baseia na extensão do processo determinada pela endoscopia e tomografia computadorizada (Quadro 3). Parece óbvio que não se deve misturar pacientes com polipose pouco e muito extensa, operados por técnicas diversas - menos ou mais invasivas, por cirurgiões menos ou mais experientes, com diferentes índices pré-operatórios de recidiva e de reoperações. O estadiamento permite subdividir os pacientes segundo a extensão do processo25 e, levando-se em conta as variantes, avaliar resultados de forma mais equâ-

Tratamento

Os principais objetivos do tratamento da PN devem ser: 1.) - eliminar os sintomas devidos aos pólipos e a rinite; 2.) - restabelecer a respiração nasal e olfação; 3.) - prevenir a recorrência dos pólipos26.

Na maioria dos pacientes, o tratamento é clínico-cirúrgico. Antibióticos podem ser usados para tratar as complicações da PN, como a sinusite, mas, entre os fármacos, somente corticosteróides têm provado sua eficácia no tratamento dos pólipos. Entre seus múltiplos efeitos, reduzem o número e a ativação de eosinofilos, e atuam sobre sintomas de rinite alérgica ou não alérgica associada a PN.

Os corticóides tópicos têm sido bastante estudados: diminuem o tamanho dos pólipos, melhoram a respiração nasal, mas não são eficazes na melhora do olfato e das sinusites. Assim, esteróides tópicos por longos períodos podem ser usados em casos de polipose menos extensa. Também, na seqüência (ou em associação) de tratamentos com corticóides sistêmicos por período curto. Alguns autores têm preconizado, ao invés de cirurgias amplas e invasivas, polipectomias simples, apenas para desobstrução das fossas nasais, seguidas da administração de corticosteróides tópicos27.

Os corticóides sistêmicos atuam melhor sobre o olfato, são eficazes na diminuição dos pólipos, mas causam os graves e conhecidos efeitos colaterais se usados por longa data. Corticosteróides sistêmicos em altas doses por curto período produzem o que se descreve na literatura como "polipectomia medicamentosa". Polipectomia por si só não piora asma. Estudos têm mostrado, no entanto, que a melhora clinica na evolução da asma nem sempre está relacionada à melhora da função pulmonar21.

O grande objetivo da cirurgia é restaurar as propriedades fisiológicas do nariz, retirando os pólipos e restabelecendo a drenagem dos seios paranasais. Técnicas cirúrgicas por via intranasal têm a vantagem da visualização direta, e o cirurgião pode ser mais seletivo e preciso. Grupos pioneiros nas cirurgias microscópicas e endoscópicas (FESS - functional endoscopic sinus surgery) já publicam estatísticas com grande número de casos, muito poucas complicações, longo follow-up, e resultados bastante satisfatórios29. Outros procedimentos cirúrgicos mais extensos podem ser necessários, dependendo da extensão da doença1, 30.

O tratamento complementar da polipose é sempre necessário, já que o tratamento cirúrgico não consegue tratar o componente inflamatório da mucosa. Assim, os cuidados pós-operatórios meticulosos são insistentemente recomendados, como essenciais aos bons resultados descritos, e incluem acompanhamento clinico com corticosteróides tópicos, não só para prevenir recorrências, mas também para tratar o processo inflamatório31.

Concluindo: deve se individualizar o tratamento, usando-se corticosteróides tópicos e sistêmicos e cirurgia, na combinação que se fizer necessária. Os critérios para utilizar estas modalidades terapêuticas serão melhor estabelecidos se estadiarmos cuidadosamente cada um dos casos.

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(*) Otorrinolaringologista e Alergista do Hospital Sírio-Libanês de São Paulo e do Centro de Otorrinolaringologia e Fonoaudiologia de São Paulo/ SP (COF /SP); Responsável pela Divisão de Alergologia Otorrinolaringológica do COF/ SP Endereço para correspondência: Rua Afonso Brás, 525 - cjt°. 21 - Vila Nova Conceição. 04511-011 - São Paulo /SP Telefone: (011) 822-4288 / Fax: (011) 822-0861.

 

 

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