Caderno de Debates (Suplementos)

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Artigo publicado no Caderno de Debates da RBORL:

Vol.64 ed.3 de Maio-Junho em 1998 (da página 05 à 10)

Autor: Wilma Terezinha Anselmo Lima*

Artigo

 Tratamento Cirúrgico dos Cornetos Nasais

Introdução

A sensação subjetiva de dificuldade respiratória nasal é uma das queixas mais comuns que faz o paciente procurar o otorrinolaringologista. Muita atenção tem sido dada para o papel que o corneto nasal inferior tem na obstrução nasal.

Para muitos autores a hipertrofia crônica dos cornetos nasais inferiores representa a causa mais freqüente de obstrução nasal, principalmente no grupo etário que vai dos 20 aos 60 anos, devido a fatores anatômicos ou vasomotoras, endócrinos, alérgicos ou irritativos, como por exemplo a fumaça e a poluição do ar.

Segundo Myers1 (1997), a obstrução nasal atribuída ao papel do corneta nasal inferior pode ser provocada por:

1.) - Hipertrofia óssea com mucosa normal: causada por um desenvolvimento anômalo ou traumático.

2.) - Hipertrofia da mucosa: espessamento anormal da mucosa do corneto, que deve ser pelo edema causado por inflamação aguda ou crônica, ou mais comumente rinite alérgica, vasomotora e medicamentosa, bem como pela hipertrofia vicariante do corneto nasal inferior associada a desvios septais contra-laterais e sinusites crônicas.

Seleção de pacientes

Esse é o tópico mais importante quando se discute tratamento cirúrgico dos cornetos nasais. Saber selecionar os prováveis candidatos à cirurgia após criteriosa anamnese e exame físico é fundamental. Uma história de trauma é importante, uma vez que muitos casos de obstrução nasal são devidos a deformidades septais unilaterais nas quais hipertrofia da mucosa do corneto contra-lateral pode também ter seu papel. Pacientes com sintomas sugestivos de rinite alérgica devem ser submetidos a tratamento clinico intensivo, incluindo avaliação alérgica e controle ambiental, bem como tratamento sintomático com anti-histamínicos sistêmicos, esteróides intranasais e antibióticos apropriados nos casos de associação com infecções. Os pacientes devem ser questionados sobre o uso de medicações sistêmicas ou locais, desde que alguns, como a reserpina, estrógenos, propranolol e contraceptivos orais, podem provocar hipertrofia dos cornetos1. A causa mais comum da rinite medicamentosa é o abuso de sprays comprados em farmácias sem receita médica. O tratamento envolve principalmente a retirada dos mesmos, concomitantemente à administração de corticóides sistêmicos ou nasais por um curto período. A rinite vasomotora, na maioria dos casos, está relacionada ao estresse. O diagnóstico deve ser por exclusão. À rinoscopia anterior, quando no exame físico, a mucosa dos cornetos inferiores apresenta um aspecto empalidecido, às vezes violáceo, com a superfície ligeiramente mamelonada; não mais se retrai com aplicação local de efedrina, dando a sensação de consistência mais firme, fibrosa ao toque com estilete. Nesses processos crônicos há acentuada proliferação conjuntiva do córion, hipertrofia glandular e metaplasia epitelial. A proliferação conjuntiva pode localizar-se com mais intensidade no nível da cauda dos cornetos inferiores, a qual, em conseqüência de sua abundante vascularização arterio-venosa, termina por sofrer processo de degeneração, adquirindo aspecto violáceo e mamelonado, tipo couve-flor. Essa degeneração provoca distúrbios respiratórios, sobretudo durante a expiração, atuando como válvula obturadora das coarias e dificultando o sono pelo bloqueio das fossas nasais. Uma complementação com endoscopia nasal e exames de imagem deve ser realizada, principalmente se à rinomicroscopia anterior houver suspeita de presença de pólipos ou doenças inflamatórias.

Quando os pacientes avaliados em nível ambulatorial apresentam rinite hipertrófica crônica, sem resposta ao teste de efedrina, rebelde ao tratamento clinico habitual, a cirurgia dos cornetos pode ser indicada. Existem relatos demonstrando os seus ótimos resultados, independentemente da técnica: a turbinectomia clássica ou a realizada com laser.

O pré-operatório é o mesmo para qualquer cirurgia nasal. Para minimizar o sangramento durante e após a cirurgia, e importante que o paciente não esteja fazendo uso de AAS ou medicações com essa substância ou outras relacionadas com drogas anti-inflamatórias não esteroidais.

A seguir, serão comentadas apenas as técnicas cirúrgicas que temos usado rotineiramente em nossos pacientes no ambulatório do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto. Outros tipos de tratamento podem ser feitos, inclusive infiltração das conchas com corticosteróides, utilização de substâncias esclerosantes, crioterapia e eletrocauterização. Todos oferecem resultados controversos, inclusive os que iremos discutir. Apesar de a turbinectomia ser uma cirurgia de aceitação ampla hoje em dia, ela ainda provoca discussões.

Tratamento cirúrgico do CNI

Turbinectomia parcial

Com o auxilio do espéculo nasal e do fraturador de corneta, luxamos o corneto nasal inferior para cima, deixando-o em posição perpendicular à parede lateral; em seguida, com a ajuda de uma pinça hemostática reta tenta-se obter estrangulamento de estruturas vasculares da região do corneto a ser ressecada, permitindo assim uma secção longitudinal da mesma, com tesoura angulada, de maneira exangue. Porção da cauda restante pode ser retirada com alça fria ou pinça de Takahashi. A parte que permanece na cavidade nasal é refraturada para baixo, em direção à parede lateral do nariz. Pontos sangrantes podem ser cauterizados; e, em seguida, é feito o tamponamento nasal com cadarço embebido em pomada com antibiótico, ou colocado tampão em dedo de luva, ou mesmo o de Merocel, por 48 a 72 horas2, 3, 4.

Essa técnica tem se mostrado útil tanto para as ressecções ósseas quanto às de partes moles. Pode se limitar à porção anterior do corneto ou prolongar-se a toda sua extensão ântero-posterior. Pode ser bastante facilitada com o uso do microscópio ou do endoscópio, com o paciente sob anestesia geral ou local, com sedação.

Existem vários relatos (Mabry5, 1988; Thompson6, 1989; Elwany e Harrison7, 1990; Gobbo8 e cols., 1995) demostrando os ótimos resultados da cirurgia dos cornetos, independentemente da técnica: turbinectomia clássica, ou com laser, ou mesmo a realizada com endoscópio.

Alguns trabalhos encontrados na literatura são contrários à cirurgia dos cornetos nasais, devido à alteração do fluxo aéreo, na umidade, no aquecimento e na filtração do ar inspirado. Outros se opõem a ela alegando o desenvolvimento de complicações como o desenvolvimento de crostas, infecções crônicas e atrofia fibrosa da mucosa.

Bambirra e cols.4 (1994) desenvolveram em nosso Serviço um estudo em 14 pacientes submetidos à turbinectomia parcial do corneto inferior associada à septoplastia. Descreveram os achados histológicos encontrados no nível do corneto inferior, parcialmente removido por ocasião da turbinectomia, e os achados histológicos obtidos de material colhido por biópsia, no nível da porção remanescente de corneto inferior, em área repitelizada após um ano de cirurgia. O estudo foi realizado sob microscópia óptica e mostrou que o epitélio pseudoestratificado cilíndrico ciliado foi o tipo epitelial predominante, estando presente em 42,86% das amostras estudadas na fase pré-operatória. Na fase pós-operatória predominou o epitélio pavimentoso estratificado, presente em 78,57% das amostras estudadas. A avaliação histológica nesta fase revelou ausência de cílios em todos os epitélios analisados, além dos sinais de atrofia destes. Os autores concluíram representar a cirurgia um método eficaz no combate à obstrução crônica por hipertrofia dos cornetos e desvio septal, não responsivos aos tratamentos clínicos habituais, uma vez que a melhora clinica apresentada pelos pacientes um ano após a cirurgia fora evidente. Entretanto, os achados histológicos pósoperatórios revelaram sinais de atrofia sem evidência clinica da mesma, o que alertava para indicação cirúrgica criteriosa e precisa. Esses mesmos pacientes, cinco anos após a cirurgia foram novamente reavaliados por nós em nosso Serviço e biopsiados no mesmo local. A melhora clinica apresentada pelos pacientes agora não era tão evidente; 50% deles já apresentavam novamente queixa de obstrução nasal e hipertrofia dos cornetos inferiores.

Os achados histológicos foram surpreendentes: uma regeneração do epitélio foi observada, com a presença de cílios na grande maioria dos casos. Estudos à microscopia eletrônica serão realizados para se ter certeza de que outras alterações, não percebidas à microscopia óptica, possam estar ocorrendo, impedindo a perfeita função nasal.

Turbinoplastia

A turbinoplastia inferior consiste na incisão da mucosa do CNI em sua borda inferior e ao longo de toda a extensão ântero-posterior do mesmo. Desloca-se a mucosa da face medial do osso do corneto. A mucosa da face lateral e o osso do corneto são, após fratura deste, removidos. A mucosa remanescente é enrolada sobre si, formando um neocorneto. Essa técnica tem sido preferida por vários autores, inclusive por Mabry5, por ser mais fisiológica e menos agressiva aos tecidos2, 4, 5. Nós a temos utilizado principalmente em crianças a partir dos seis anos de idade, quando a cavidade nasal representa a metade do tratamento da cavidade nasal do adulto. No nosso entender, a indicação cirúrgica nas crianças deve se limitar àqueles casos em que a rinite hipertrófica crônica está associada à asma brônquica, sinusites de repetição ou mesmo pneumonias - de difícil controle, mesmo com o uso de corticosteróides sistêmicos.

Tratamento cirúrgico do CNM

Diferentemente do que ocorre em relação ao CNI, o corneto médio apresenta indicações claras de cirurgia: concha bolhosa e doenças inflamatórias crônicas dos seios da face.

A concha bolhosa, que é uma variação anatômica do corneto médio, pode provocar obstrução nasal importante, ou até mesmo cefaléia9 (síndrome da cefaléia do corneto médio), quando pontos de contato entre a concha bolhosa e desvios septais provocam estímulo anormal do trigêmio, liberação de substâncias vasoativas, com congestão da mucosa e dor referida. Em ambos os casos a indicação de turbinectomia parcial média oferece bons resultados. Quanto à técnica utilizada, os tempos cirúrgicos são os mesmos. Stamm3 chama a atenção para que lesões de estruturas importantes do meato médio não aconteçam, para evitar alterações olfatórias.

A abordagem cirúrgica do corneto médio associada à cirurgia dos seios da face, em pacientes portadores de processos inflamatórios crônicos e polipose nasossinusal, principalmente quando no estágio IV da doença, tem sido motivo de discussão há muitos anos, e ainda nos dias de hoje não temos um consenso. Muitos ressecam parte do corneto médio, outros o ressecam por inteiro e existem ainda aqueles que o preservam, com a intenção de evitar o desnudamento completo da área do complexo ostiomeatal, objetivando evitar crostas e infecção da área no pós-operatório.

Existe uma preocupação em relação à ressecção completa do corneto médio, pela perda de um ponto de referência, para possíveis procedimentos secundários, quando necessário.

Mas, sendo o corneta médio parte do complexo ostiomeatal e existindo a doença, um aspecto relevante a ser considerado é se preservá-lo seria uma forma de não erradicar a doença. Milbrath10 e colaboradores (1994) realizaram um estudo histológico do corneto médio em 22 pacientes submetidos a turbinectomia por rinossinusite crônica e polipose, classificando as lesões encontradas como leves, leves/moderadas, moderadas e graves.

Os autores confirmaram, histopatologicamente, que o corneto médio estava cronicamente inflamado - e grau similar à inflamação foi encontrado no etmóide.

Eles sugeriram que a ressecção do corneto médio deveria ser fundamental, especialmente nos pacientes com a doença já no estágio IV, pois, persistindo esta no corneto médio, ela poderia aumentar a tendência de formação de sinéquias com a parede lateral, impedindo o alivio dos sintomas em alguns dos pacientes.

Rocha11 e colaboradores desenvolveram em nosso Serviço um estudo histopatológico de amostras do corneto médio colhidas de pacientes portadores de polipose nasal e sinusite crônica graus III e IV de Stamm. Nossos achados diferem totalmente dos de Milbrath. A manutenção do epitélio respiratório e da densidade glandular do corneto médio encontrada em todos os casos e o infiltrado inflamatório discreto nos permitem alertar que a turbinectomia não está justificada.

Vaporização com raios laser

Segundo Gobbo8 e colaboradores (1995), essa é uma nova técnica incorporada ao arsenal terapêutico e que realmente facilita o ato cirúrgico.

O laser é indicado em rinites vasomotoras e alérgicas com grau acentuado de hipertrofia e hiperplasia de conchas. Tecnicamente, a vaporização se realiza no nível do terço anterior e metade da concha inferior. O procedimento cirúrgico é efetuado em nível ambulatorial e sob anestesia local, não havendo, na grande maioria dos casos, uso do tamponamento nasal3.

Complicações pós-operatórias

Apesar de raras, devem ser consideradas:

1.) - Sangramento nasal: tanto no intra quanto no pós imediato pode ser evitado com o uso de cauterizações e tamponamento. Quando importantes, a recauterização dos pontos ou mesmo a ligadura de vasos devem ser feitas.

2.) - Complicações do tipo crostas e secura, processos infecciosos e mesmo sinéquias podem ser totalmente eliminadas com cuidados pós-operatórios ambulatoriais. Normalmente, nossos pacientes fazem uso de antibiótico sistêmico por sete dias; são avaliados no 7°., 14°., 30°. e 60°. dias após a cirurgia, quando os orientamos a fazerem limpeza local com soro fisiológico e cotonetes oleosos.

3.) - Rinite atrófica: não temos qualquer caso com esse tipo de complicação. Em uma revisão extensa da literatura ela não foi verificada6, 7, 12.

Referências Bibliográficas

1 - Meyers, E. N. - Operative Otolaryngology FINS. Philadelphia. WB Saunders Company, 1997.
2 - Sampaio, P L.; Caropreso, C. A. C; Bussoloti, 1; e Dolei J. E. L. D. - In: Tratado de ORL. Lopes, F. O.; e Campos, C. A. H. São Paulo. Editora Roca, 1994.
3 - Menon, A. D.; e Stamm, A. C. - In: Microcirurgia NasoSinusal. Stamm, A. C. Rio de Janeiro. Editora Revista Ltda., 1995.
4 - Bambirra, S.; Anselmo-Lima, W T; Colafêmina, J. E ; Oliveira, J. A. A.; Melo, V R.; e Soares, E. - Avaliação Clinica e Histológica Pré e Pós-operatória na Associação da Turbinectomia e Septoplastia. Revista Brasileira de ORL - 60 (3): 195-211, 1994.
5- Mabry, R. L. - Inferior Turbinoplasty. Otolaryngol., Head Neck Surg 98: 60-66, 1988.
6 - Thompson, A. C. - Surgical reduction of the inferior turbinate in children extended follow-up. J. Laryngol. Otol. 103: 577-579, 1989.
7- Elwany, S.; e Harrison, R. - Inferior turbinectomy: comparission of four techniques. J. Laryngol. Otol. 104: 206-209, 1990.
8 - Gobbo, J. E; Arteta, L. M. C.; Rodrigues, R. P; e Andrade, J. A. - Turbinectomia Parcial com Laser CO - Relato de 29 casos. - Rev Bras. de ORL 61 (2): 112-113, 105.
9 - Anselmo-Lima, W T; Oliveira, J. A. A., Speciali, J. G.; e Santos, A. C. - Middle Turbinate Headache Syndrome., Headache 37 (2): 102-106, 1997.
10 - Milbrath, M. M.; Maldiedo, G.; e Toohill R. J. - Histopathological Analysis of the Middle Turbinate after Ethmoidectomy. - Am. J. Rhinology 8 (1): 37-42, 1994.
11- Rocha, K. W - Análise histopatológica do Corneto Médio após Etmoidectomia Transnasal. Dissertação de Mestrado- FMRP-USP, 1997.
12- Kimmelman; C. P; e Jablonski. - The Efficacy of Turbinate Surgery for the Relief of Nasal Obstruction. Am. J. Rhinology 7: 25-30, 1992.

(*) Professora Assistente, Doutora da Disciplina de Otorrinolaringologia do Departamento de Oftalmologia e Otorrinolaringologia - FMRP/USP Endereço para Correspondência: Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto. Avenida Bandeirantes, 3900
Monte Alegre - 14049-900 Ribeirão Preto/ SP
Telefone e fax: (016) 633-0186.

 

 

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