Caderno de Debates (Suplementos)

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Artigo publicado no Caderno de Debates da RBORL:

Vol.64 ed.1 de Janeiro-Fevereiro em 1998 (da página 11 à 31)

Autor: Carlos A. Herrerias de Campos* Ivo Bussoloti Filho** José Eduardo Lutaif Dolci** Otacílio Lopes Filho***

Artigo

 Anatomia e Fisiologia do Nariz e dos Seios Paranasais - Parte 2

Fisiologia nasal

O nariz é o sensor do olfato, condicionador do ar respirado e iniciador das respostas imunes para antígenos inalados e patogênicos.

A respiração nasal é, portanto, de grande importância, porque atua como um receptor sensorial primário, influencia na oxigenação celular em todas as partes do organismo e ajuda a manter a homeostase nos freqüentes contatos com antígenos estranhos.

O organismo necessita de uma variação considerável de oxigênio e depende de vários fatores, mesmo em repouso. Fatores intrínsecos e extrínsecos determinam a extensão e a natureza da respiração nasal. De um lado está a necessidade variável de oxigênio para as células; e do outro, a necessidade de reagir a situações climáticas e ambientais. A resposta da mucosa nasal a estes vários fatores internos e externos geralmente é mediada pelo sistema aceticolina-colinesterase e com liberação de aminas vasoativas pela reação antígeno-anticorpo. O estimulo antigênico pode também ser viral ou bacteriano, e nestes casos uma resposta inflamatória soma-se à atividade vasomotora.

Assim, o caminho e o fluxo do ar respirado são determinados principalmente pela reação da mucosa nasal que proporciona a sua umidificação, aquecimento e purificação.

A resistência à inspiração cria uma pressão diferencial que gera o fluxo de ar e inicia reflexos através da estimulação do nervo trigêmeo e sua conexão central. A resistência à expiração é essencial para a expansão do pulmão e eficiência cardiopulmonar.

O ar é direcionado à fenda olfatória, onde pode iniciar reflexos salivares, gástricos e outros, sendo alguns apenas subliminares.

Um conhecimento detalhado das funções do nariz é requisito necessário para diagnóstico e tratamento das doenças nasais.

Desta forma, podemos esquematicamente dizer que o nariz possui nove funções:

I. Reflexógena

Reação vasomotora nasal - normal e patológica.

1. Controle nervo-endócrino da mucosa nasal:

a) Sistema acetilcolina-colinesterase.

b) Função do hipotãlamo.

c) Significado clinico dos mediadores químicos.

2. Fatores que influenciam a resposta vasomotora nasal:

a) Reflexos nasais (espirros, luz, dor, fadiga).

b) Reflexos nasopulmonares.

c) Aspectos psicossomáticos.

II. Corredor de drenagem

- Muco.

- Transporte mucociliar.

- Clearance nasal.

III. Tubular

- fluxo aéreo nasal

IV. Aquecimento

V. Umidificação

VI. Filtração

VII. Olfato

VIII. Fonação

IX. Estética

Função reflexógena

Reação vasomotora nasal

O controle da respiração nasal é de importância considerável para todos os órgãos do sistema, porque regula e modifica o recebimento do oxigênio nos pulmões.

As necessidades de oxigênio dos vários tipos de células do corpo estão na dependência de um sistema altamente complexo de reguladores, os quais na maior parte são mediados por mensageiros químicos, agindo tanto à distância (hormonal) quanto na superfície da célula ou diretamente nas terminações nervosas.

O hipotálamo controla essa atividade, assim como faz em muitos outros fenômenos basais, como por exemplo em relação ao apetite, comportamento, sede, fome, atividade sexual e reações de defesa, como medo e raiva. Algumas destas são claramente definidas como reflexos viscerais e outras incluem comportamentos complexos e reações emocionais, mas todas envolvem uma resposta independente para cada estímulo.

As múltiplas funções reguladoras neuro-endócrinas do hipotálamo são importantes, porque explicam como as secreções endócrinas são alteradas mediante as necessidades do meio ambiente. O sistema nervoso central recebe informações a respeito das mudanças no meio interno e externo através dos órgãos dos sentidos. Sabe-se que estes ajustes sobre referidas mudanças realizam-se por meio de mecanismos que incluem não somente estimulação direta, mas também alterações na velocidade em que os hormônios são secretados. A resposta da mucosa nasal para vários estímulos é vista como uma ação integrada do sistema nervoso central e o controle do nariz não difere de qualquer maneira de outros sistemas de células que são altamente organizados para uma função específica.

A reação vasomotora nasal é a manifestação percebida da soma das reações. Caracteriza-se por edema do revestimento mucoso do nariz, que resulta em obstrução nasal, aumento da área superficial, aumento de secreção e algumas vezes espirros. Portanto, pode se concluir que a mucosa nasal está constantemente mudando, mesmo sob condições normais. Embora estas mudanças tenham sido demonstradas em várias ocasiões, a razão para isto não foi ainda adequadamente explicada.

Também uma explicação dos sintomas e sinais que ocorrem nestas reações pode ser formulada com base nas reações químicas que acontecem nos tecidos, para ter-se em conta tais fenômenos como obstrução nasal em báscula, restauração da respiração através do exercício e crises de espirros matinais e na luz solar.

Essas explicações também avaliam a reação vasomotora que ocorre durante a gravidez, puberdade e menstruação, assim como durante a fadiga, náusea e vômito.

A complexidade da resposta da mucosa nasal é tal que, mesmo com a finalidade de elucidar, é desaconselhável tentar unificar todas as interações que ocorrem.

Reação vasomotora patológica

Qualquer droga vasodilatadora pode causar uma reação vasomotora nasal. Em infecções bacterianas, vasodilatadores potentes também fazem parte da resposta inflamatória.

Os metabólitos intermediários de muitas infecções virais têm o mesmo efeito, -e é por esta razão que prurido e irritação nasal, seguidos por uma rinorréia aquosa, são os sintomas prodrômicos de muitas infecções virais, nas quais os vírus chegam ao organismo através do trato respiratório superior, como, por exemplo, no caso do resfriado comum, gripe (influenza) e sarampo.

Na alergia verdadeira, a reação antígeno-anticorpo resulta na liberação de vários vasodilatadores potentes; os mais comuns são histamina, serotonina e substâncias de reações lentas. A resposta nasal em todas estas circunstâncias é uma reação de defesa contra um patógeno, que por sua vez pode produzir uma resposta vasomotora, e resulta em proteção do trato respiratório inferior, determinando também se um alérgeno invasor produz efeito sistêmico. Caso isto aconteça, uma resposta vasomotora local ocorre e soma-se à resposta vasomotora normal.

Controle neuro-endócrino da mucosa nasal

Sistema acetilcolina-acetilcolinesterase (Ac AcE)

- A substância vasodilatadora mais importante, tanto em condições normais quanto patológicas, é a acetilcolina, que é constantemente produzida nas terminações nervosas parassimpáticas. Somente através de um perfeito entendimento dos fatores que produzem, controlam e influenciam esta substância é que o mecanismo da reação vasomotora nasal pode ser entendido com seus sinais e sintomas.

As terminações nervosas parassimpáticas na mucosa nasal, como já foi visto anteriormente, são distribuídas ao septo e conchas através dos nervos trigêmeo e facial, que recebera estás fibras do núcleo salivar superior. A acetilcolina produzida nestas terminações nervosas é um vasodilatador tão potente, e sua influência tão dominante, que em condições normais ela é destruída em 30 ms pela acetilcolinesterase. Entretanto, a acetilcolinesterase sofre influências que alteram sua capacidade de destruir a acetilcolina. Assim, os íons cálcio e magnésio aumentam a potência de ação da esterase; já os hormônios estrogênicos e, em menor proporção, a testosterona reduzem a quantidade de acetilcolinesterase funcionante. O equilíbrio entre a produção da acetilcolina e a destruição por suas enzimas é denominado nível de atividade da acetilcolina - e é isso que determina o grau de extensão da resposta da reação vasomotora.

Função do hipotálamo - A acetilcolina e sua esterase são controladas de modo notável pelo hipotálamo. Juntos, eles constituem um sistema que serve praticamente a todas as necessidades do corpo, expresso pela atividade do complexo hipotálamo-pituitária. O mesmo estimulo hipotalâmico que libera a acetilcolina na mucosa nasal também caminha pelo trato hipotálamo-hipofisário para a glândula pituitária posterior. A glândula pituitária anterior é estimulada pelo sistema portal-hipofisário (pituitário) para produzir hormônios estimuladores - entre os quais, os gonadais. Então, pequenas quantidades de estrógenos e testosterona são produzidos, não só pelas gônadas, mas também por todas as células do corpo. Esses hormônios são seletivamente concentrados quase mil vezes na mucosa nasal e aí conseguem inibir a função da acetilcolinesterase.

Portanto, um mínimo estímulo hipotalâmico provoca uma resposta vasomotora máxima, porque o mesmo estímulo produz a acetilcolina e protege-a de ser destruída.

Significado clínico dos mediadores químicos - Uma explicação racional pode agora ser dada sobre certos fenômenos que têm sido reconhecidos por muitos anos. Na gravidez, por exemplo, especialmente no último trimestre, pode ocorrer uma intensa reação vasomotora. Na puberdade, tanto em meninos quanto em meninas, na menstruação e na menarca, um fenômeno semelhante é observado - e tudo devido ao alto nível de estrógeno. Sob condições normais, o estrógeno é metabolizado no fígado e excretado na urina. Em doenças hepáticas severas, este procedimento ocorre com dificuldade e o alto nível de estrógeno resulta em uma reação vasomotora nasal. Durante tratamento com estrógeno e uso de anticoncepcionais orais uma reação semelhante pode ocorrer.

Nas condições anteriores, teríamos o aumento da vascularização da mucosa nasal, sendo mais provável o aparecimento de epistaxes, especialmente no terceiro trimestre da gestação.

O tratamento com cálcio foi, durante um certo tempo, bastante popular para a rinite vasomotora e funcionou em muitas situações, porque esse elemento potencializava o efeito da esterase de destruir a acetilcolina que estava produzindo a reação.

Fatores que influenciam na resposta vasomotora nasal

Reflexos nasais - No nariz originam-se vários reflexos que envolvem outros órgãos. O mais comum é o espirro, que provém da irritação da mucosa nasal por uma variedade de estímulos, incluindo infecção viral, irritantes como fumaça do cigarro, amônia, alérgenos e, em algumas pessoas, exposição à luz intensa. Estes vários estímulos produzem espirros por estimulação da aferência do arco reflexo, que são as terminações nervosas sensoriais do nervo trigêmeo.

A via eferente desse arco reflexo completa-se com os nervos para os músculos respiratórios.

A estimulação experimental da mucosa nasal em animais causa reflexos de apnéia, fechamento glótico, bradicardia e vasoconstrição. O ramo aferente do arco reflexo é o trigêmeo, e a parte eferente é feita pelo vago e outros nervos para os músculos respiratórios.

Reflexo nasopubnonar - A existência desse reflexo foi primeiramente sugerida em 1930 por Sercer, nos seus estudos de expansão do hemitórax em pacientes laringectomizados, durante respiração espontânea. Sercer relatou um aumento homolateral da amplitude da expansão do hemitórax, através da insuflação de ar na narina do mesmo lado.

O estímulo do ar ao passar através do nariz expande o pulmão do mesmo lado por meio de um arco reflexo centrado no hipotálamo.

Ao contrário, a compressão do pulmão produz obstrução nasal do mesmo lado. Isso explica o fenômeno da obstrução nasal que ocorre à noite, quando uma reação vasomotora acontece na narina do lado do pulmão comprimido pelo decúbito lateral. Virando-se para o outro lado, alivia-se o pulmão comprimido e o fluxo nasal é restaurado.

Nos idosos e pessoas com enfisema ou bronquite crônica, algum grau de obstrução nasal é muito comum. A obstrução parece estar associada a uma redução da capacidade vital e reduzida expansão do tórax, as quais são freqüentemente vistas nestas condições. Restrições aos movimentos torácicos por roupas apertadas são outra causa não rara de resposta vasomotora nasal produzida pelo reflexo nasopulmonar.

Desta maneira, acredita-se que estímulos que atingem o nariz também afetam as vias aéreas inferiores. Isto é fortemente sustentado através dos estudos experimentais de Kaufmam e cols., nos quais a broncoconstrição ocorreu em indivíduos depois de poeira de dica ter sido inalada pelo nariz e aspirada pela boca. Em um indivíduo que tinha uma secção unilateral do nervo trigêmeo, a broncoconstrição ocorreu apenas quando a poeira de sílica foi colocada no lado do nariz com vias neuronais intactas.

Portanto, embora não totalmente estabelecido, acredita-se que o reflexo nasopulmonar exista e tenha função de coordenar as respostas das vias aéreas superiores e inferiores, para o mesmo estímulo ambiental.

Aspectos psicossomáticos - À primeira vista, talvez seja difícil estabelecer a relação entre o estado emocional e os sintomas nasais, mas está bastante claro que o comportamento emocional, através do hipotálamo, afeta muitos sistemas do corpo. As reações da mucosa gástrica e nasal frente a situações de estresse, por exemplo, são muito semelhantes, pois ambas são inervadas pelo sistema parassimpático.

Estímulo erótico, por exemplo, pode produzir intensa reação vasomotora nasal - e esta é a explicação para a chamada rinite da lua-de-mel.

Também durante vômito intenso, náusea e esforço para evacuação ocorre, através do hipotálamo e sistema parassimpático, uma intensa reação vasomotora nasal.

Fadiga e dor provocam forte estimulação hipotalâmica; e, usualmente, ambas estão associadas com dilatação das pupilas. Portanto, o resultado da resposta vasomotora nasal é intensificado pela luz (estimulação via radiação óptica e hipotálamo). É por esta razão que a fotofobia está freqüentemente associada com a enxaqueca e a reação vasomotora nasal unilateral do mesmo lado da hemicrania.

Podemos concluir, portanto, que os aspectos psicossomáticos da reação vasomotora nasal são extraordinariamente importantes - e os resultados do tratamento da rinite vasomotora estarão muitas vezes na dependência de um perfeito relacionamento médico-paciente e não apenas do uso de um medicamento.

Corredor de drenagem

Muco

Uma camada de muco de 10 a 15 µm de espessura, com pH entre 5,5 e 6,5, recobre totalmente a cavidade nasal. Este lençol de muco apresenta duas camadas: uma periciliar, que é delgada e de baixa viscosidade (fase sol) e que envolve os cílios, e outra camada mais espessa, que desliza sobre a carrada periciliar (fase gel) e que também pode ser vista como placas descontínuas de muco.

A extremidade distal dos cílios entra em contato com esta placa quando aqueles estão bem distendidos.

As partículas insolúveis que são depositadas nas placas de muco movem-se com elas, como conseqüência dos batimentos ciliares. Deste modo, o muco filtra e remove quase cem por cento das partículas maiores que 4 pm de diâmetro.

Cerca de 1 a 2 litros de muco nasal são produzidos por dia, compostos de 2,5 a 3% de glicoproteínas, 1 a 2% de sal e K 95% de água.

A glicoproteína consiste de uma cadeia de um único polipeptídeo no centro, com cadeias laterais de açúcar unidas - por ligações covalentes. A mucina, uma das glicoproteínas, tem uma cadeia molecular muito pesada (2,3 x 10 daltons); porém, compõe apenas uma pequena porção do conteúdo total de proteínas, e dá ao muco uma qualidade única de proteção e lubrificação da superfície mucosa.

As fontes de secreções nasais são múltiplas: glândulas serosas e seromucosas, células epiteliais secretrias, tanto do tipo mucoso (células caliciformes) quanto seroso. A presença de albumina e outros componentes serosos indica que, mesmo em condições saudáveis, existe transudação dos vasos, que aumenta em condições patológicas, como resultado do efeito dos mediadores inflamatórios que aumentam a permeabilidade vascular.

Lágrimas alcançando o nariz através do dueto nasolacrimal também contribuem para a secreção nasal. Existe um hiato no conhecimento sobre a relativa contribuição de cada uma das fontes previamente citadas, para a composição do muco nasal em pessoas saudáveis e doentes. Diferentemente do soro, as imunoglobulinas compõem a maior parte das proteínas no muco; outras substâncias na secreção são: lactoferrina, lisozima, antitripsina, transferrina, lipídios, histamina e íons (cloro, sódio, cálcio e potássio), além de células e bactérias.

O transporte mucociliar não será adequado para a limpeza das substâncias nasais se não houver muco, mesmo que a função ciliar esteja normal. Além disso, o muco proporciona proteção imunológica e mecânica da mucosa e tem importante função na umidificação do ar inspirado.

Transporte mucociliar

O transporte mucociliar é unidirecional, baseado nas características peculiares dos cílios.

Nos mamíferos, os cílios batem de modo bifásico, ou de frente para trás. Estes batimentos consistem de um movimento rápido e efetivo, durante o qual o cílio alonga-se, fazendo contato com a fase gel do muco, e uma fase recuperadora, lenta, durante a qual o cílio estendido retorna à camada periciliar, ou fase sol do muco, propulsionando-o portanto para uma determinada direção.

Gibson & Rowl (1965) descobriram que os braços de dineina (pontes moleculares) dos cílios contêm um ATPase de magnésio ativado com peso molecular de 600 mil daltons. Sem as pontes moleculares os cílios não se movimentam, como foi observado em pacientes com síndrome de Kartagener. A adição da proteína dineína e magnésio induz o movimento e o reaparecimento do braço do cílio, O substrato de ÁTP para a atividade da ATPase dos braços de dineína estão difusos na haste dos cílios através da grande quantidade de mitocôndrias localizadas próximo à superfície das células ciliadas. Na presença de malmésio ela é degradada a difosfato de adenosina (ADP) e ácido fosfórico, proporcionando a energia para o movimento.

A coordenação do batimento de um cílio individual, que previne colisão entre os cílios em diferentes fases de movimento, é chamada de metacromia, e resulta no transporte do muco. Impulsos mecânicos transferidos entre as células insinuam que os cílios produzam coordenação metacrômica.

Diferentes grupos de chios no nariz batem em diferentes fases; portanto, nem todos os batimentos ciliares são parte da mesma onda. A metacromia ajuda a coordenar estas diferentes ondas de batimento, para adquirir fluxo unidirecional de muco. Os batimentos ciliares produzem urna corrente na camada superficial do fluido periciliar (fase sol), no sentido do batimento efetivo.

A placa mucosa (fase gel) move-se pelo resultado do movimento da camada do fluido periciliar e do movimento das pontas estendidas dos cílios nestas placas. Portanto, a espessura do fluido periciliar é o fator chave do transporte mucociliar: se excessivo, as pontas estendidas dos cílios falham no contato com as placas de muco, e a corrente do fluido periciliar (fase sol) proporciona o único meio de movimento. O controle da espessura do fluido periciliar não está esclarecido.

Clearance nasal

O transporte mucociliar move o muco e seus constituintes para a nasofaringe, onde são periodicamente deglutidos, com exceção da porção anterior das conchas inferiores, onde o transporte é anterior, evitando que muitas partículas depositadas nesta área progridam para o interior da cavidade nasal. O transporte mucociliar, entretanto, não é o único mecanismo que remove partículas e secreções do nariz.



Figura 28: Movimento ciliar



O fungar e o assoar o nariz ajudam a movimentar as secreções doa via aérea para trás e para frente, respectivamente.

O espirro resulta de uma explosão de ar seguida de aumento de secreções aquosas nasais, as quais são então eliminadas pelo assoar e o hangar. Limpeza manual, digital ou com gaze, remove materiais acumulados na porção anterior do nariz. Os cílios respiratórios batem aproximadamente mil vezes por minuto, significando que os materiais da superfície são movidos numa velocidade de 3 a 25 mm/min. Tanto o número de batimentos quanto a velocidade de propulsão variam.

Muitas substâncias têm sido usadas para medir o clearance mucociliar nasal, e as mais utilizadas são: sacarina , de sódio, corantes e partículas marcadas. Este último método utiliza a partícula aniônica de resina de aproximadamente 0,5 min de diâmetro, marcada com íon 99Tc, colocada na região trais anterior da mucosa nasal - e permite a monitoração contínua do movimento.

Vários estudos têm mostrado que 80%, dos adultos apresentam taxa de clearance de 3 a 25 mm/min (média de 6 mm/min), com valores mais baixos nos 20%, restantes, que são denominados slow cleans (limpadores lentos).

Em pessoas doentes o clearance lento pode ser devido a uma certa variedade de fatores, incluindo a imobilidade dos cílios, lesão transitória ou permanente do sistema mucociliar por trauma físico, infecções virais, desidratação ou secreções excessivamente viscosas, como na fïbrose cística.

A eficiência do transporte do sistema mucociliar e, portanto, o clearance de substâncias do nariz dependem tanto dos batimentos sincronizados dos cílios quanto da natureza dos fluidos presentes na superfície das paredes nasais. Outros fatores influenciam este processo, como pH, temperatura ambiente e umidade relativa do ar.

O aumento da temperatura de 20 pata 40 graus centígrados proporciona um aumento dos batimentos ciliares até o máximo de 35 graus centígrados. Para temperaturas entre 35 e 40 graus centígrados, a umidade relativa doar ambiente deve estar em níveis próximos a 60 ou 70% para função ciliar máxima.

Fluxo aéreo nasal - função tubular

O nariz é o principal caminho pelo qual o ar inalado chega e sai das vias aéreas inferiores.

Existem dois pontos de resistência no fluxo aéreo, próprios da anatomia: a válvula nasal e a mucosa na corrente aérea principal.

A secção transversal da corrente aérea diminui consideravelmente na válvula nasal, para aproximadamente 30 a 40 mm². Este estreitamento separa o vestíbulo cia corrente aérea principal e é o responsável por mais da metade do total da resistência do fluxo do ar ambiente para o alvéolo.

A forma e tamanho do vestíbulo e a estreita fenda da válvula nasal são modificados pela atividade elos músculos alares (dilatadores) que diminuem a resistência do fluxo aéreo.

Depois de passar pela estreita válvula nasal, o ar inspirado caminha em direção a uma região mais larga, com diâmetro de 1 a 3 mm e cujos limites são, medialmente e septo e lateralmente, as conchas média e inferior, formando a corrente aérea principal. Esta porção da corrente aérea, revestida pela mucosa nasal com sua rica rede de capilares, shunts arteriovenosos e plexos cavernosos, constitui o segundo segmento de resistência para o fluxo aéreo respiratório. Mudanças na quantidade de sangue destas estruturas vasculares ocorrem espontânea e ritmicamente, resultando em redução do volume do lúmen alternadamente nas duas cavidades nasais. Este fenômeno, chamado de ciclo nasal, foi inicialmente descrito por Kayser em 1895, e ocorre inconscientemente em mais de 80% dos adultos, variando de 50 min a 4h (quatro a 12 horas, segundo outros autores). Está ausente em indivíduos laringectomizados e pode ser alterado por vários fatores como: alergia, infecção, exercício, hormônios, gravidez, emoção e atividade sexual. Usando-se a rinomanometria para medir a resistência nasal, notou-se que a reciprocidade das mudanças entre os dois lados do nariz mantém inalterada a resistência nasal total.

A velocidade do fluxo aéreo nasal varia de acordo com o diâmetro de cada região. Assim, temos que na válvula nasal ocorre a velocidade máxima, ao redor de 12 a 18 m/s, diminuindo após a válvula para cerca de 2 a 3 m/s, exatamente onde o diâmetro aumenta.

Direção e velocidade do fluxo aéreo

A mudança na direção do fluxo aéreo, assim como as irregularidades existentes nas paredes nasais, tende a quebrar o fluxo aéreo laminar e promover turbilhonamento, aumentando o contato da corrente de ar com a mucosa nasal. Esta interação permite ao nariz realizar suas funções de troca de calor e umidade e a limpeza de partículas suspensas e solúveis no ar inspirado. A preferência pela respiração nasal começa em recém-nascidos, que são obrigatoriamente respiradores nasais até a idade de cinco a seis meses, e persiste na idade adulta, com mais de 80% dos adultos respirando pelo nariz.



Figura 29: Direção e velocidade oro fluxo, aéreo.



Preparação do ar inspirado

o Aquecimento. o Umidificação. o Filtração.

A respiração proporciona oxigênio para o metabolismo e remove dióxido de carbono. Estas trocas ocorrem fundamentalmente nos alvéolos pulmonares, e através da função nasal modificando o ar tão necessário para esses propósitos; as trocas podem ocorrer sem causar danos aos alvéolos.

Aquecimento

O ar inspirado é rapidamente aquecido e umidificado, principalmente na cavidade nasal; e, em menor extensão, no restante das vias aéreas superiores e pulmões.

A temperatura do ar inspirado pode variar de menos 50 graus centígrados a mais 50 graus centígrados - e o nariz se modifica para adaptar-se às temperaturas ambiente locais. Assim, na inspiração, o ar é aquecido de uma temperatura média, ao redor de 20 graus centígrados, na entrada do nariz, para 31 graus centígrados na faringe e 35 graus centígrados na traquéia. Isso é facilitado pelas características de turbilhonamento do fluxo aéreo nasal, o qual maximiza o contato cio ar inspirado e expirado com a superfície da mucosa nasal.

O nariz pode ser considerado como um sistema de troca de calor, em que dois fluidos - o ar inspirado e o sangue - estão em contato térmico, mas não em contato direto.

O suprimento sangüíneo principal vem da artéria maxilar, cujos ramos caminham para a frente do nariz, particularmente sobre as conchas.

Durante a inspiração, o fluxo do sangue é oposto à corrente do fluxo aéreo e, portanto, mais eficiente em aquecer o ar inspirado. A eficácia do sistema pode ser medida comparando-se a diferença de temperatura entre os dois fluidos (sangue e ar).

Umidificação

Como o ar inspirado passa através do nariz, ele dá calor para a mucosa nasal mais fria. Este resfriamento causa condensação de vapor de água, gerando um terço da quantidade de água necessária para umidificar o ar na inspiração seguinte.

Desde que a recuperação do calor do ar expirado ocorre principalmente no nariz, mudanças do fluxo sangüíneo nasal afetam o condicionamento do ar respirado.

A maior fonte de água para umidificação do ar inspirado resulta das secreções glandulares inibidoras de atropina. Outras fontes incluem a água contida no ar ambiente, vias lacrimais e duetos nasolacrimais, secreção dos seios paranasais e salivação (durante a respiração nasal), assim como secreções das células caliciformes e glândulas seromucosas da mucosa respiratória. Não inibida pela atropina, mas também provavelmente importante como origem de água para a umidificação do ar inspirado, é a transudação dos fluidos dos vasos sangüíneos do nariz.

Filtração do ar

Uma das funções do nariz é filtrar partículas do ar inspirado, para proteger as vias aéreas inferiores.

As partículas maiores, em torno de 1 µ, ficam retidas nas vibrissas e as menores são impulsionadas contras as paredes das fossas nasais e principalmente para a rinofaringe, através dos movimentos brownianos e principalmente pela inércia.

O nariz é capaz de realizar este nível de filtração graças à sua morfologia. O ar inspirado caminha de uma extremidade para a outra, numa variação de 180 graus, e durante esse tempo muda de direção e velocidade, caindo bruscamente logo após a válvula. A turbulência existente no fluxo aéreo vai aumentar a deposição de partículas (movimento browniano); porém, aquelas que estiverem em movimento laminar tenderão -a manter-se na mesma direção (inércia) - e, quanto maior for a massa, tanto maior será a tendência.

Uma vez aderidas ao muco, qualquer que seja a localização, essas partículas passam a sofrer a ação biológica do mesmo, e no caso das bactérias e vírus, ou mesmo partículas alergênicas, sofrem uma neutralização. Caso tal não ocorra, estas partículas são apenas transportadas peio fluxo aéreo (função tubular) em direção ao cruzamento da via aérea com a via digestiva, onde podem ser expelidas ou passarem para outra barreira biológica, que é o estômago.

Olfação

O olfato é uma função primária que nos animais auxilia na busca do alimento, identifica as condições ambientais adversas e participa das funções reprodutivas. No homem, ajuda na identificação de gases tóxicos, influencia na escolha dos alimentos, ajudando a determinar o gosto e identificar substâncias deterioradas.

Pela localização do epitélio olfatório no nariz e por sua pobre ventilação, esta área é grandemente influenciada pelas alterações na anatomia das conchas, do septo e da pirâmide nasal. Desta forma, os procedimentos cirúrgicos que promovem melhora no fluxo respiratório, como por exemplo a cirurgia das conchas e do septo, podem beneficiar na olfação.

O espirro proporciona um aumento de fluxo aéreo e conseqüentemente aumenta a quantidade de partículas odoríficas em contato com a área olfatória, gerando um ganho funcional momentâneo de 5 a 20% na capacidade olfatória. Para atingir os receptores olfatórios, as partículas odoríficas, além de vencer as barreiras anatômicas, devem ser solúveis em água e lipídios. Esta dupla solubilidade é facilitada por uma proteína de ligação específica (OHP), identificada apenas em animais, que leva as moléculas odoríficas a vencer melhor a capacidade lipídica da mucosa e chegar aos receptores olfatórios. Como a grande maioria das funções nasais, a olfação também diminui com a idade.

Função de ressonância

No ato da fonação, existem momentos em que a cavidade nasal comunica-se com a cavidade oral. Embora isso não interfira na emissão da voz, funciona corno uma câmara de ressonância para algumas consoantes nasais, corno M, N e N. Assim, quando pronunciamos certas palavras com estas consoantes, como música, nariz etc., o palato mole não toca a parede posterior da faringe (a porção velofaríngea fica aberta) e o som é emitido mais pelo nariz do que pela boca. Desta forma, se por algum motivo o nariz estiver obstruído, origina-se uma fila nasal.

Função estética do nariz

À estética do nariz nunca foi atribuída muita importância por parte dos otorrinolaringologistas, talvez pela sua formação, voltada fundamentalmente para abordar a função e as doenças nasais.

O nariz participa marcadamente da beleza da face e é sobretudo importante na determinação das características raciais. Os indivíduos com imperfuração coanal bilateral e os laringectomizados vivem praticamente serra todas as funções nasais anteriormente descritas.

Em contrapartida, os pacientes que tiveram suas pirâmides nasais removidas em razão de tumores, por doenças ulcerogranulomatosas ou acidentes são bastante rejeitados pela sociedade, e ficam incapacitados de exercer qualquer função social até que usem prótese ou se submetam a cirurgia reparadora.

A correção dos defeitos estéticos menores repercutem muito tas vezes, de forma fundamental, na auto-estima das pessoas, tornando-as mais felizes e produtivas para a sociedade.

Estas reflexões devem servir para questionar o valor da estética nasal e motivar o otorrinolaringologista a abordá-la cada vez mais.

Fisiologia dos seios paranasais

O revestimento mucoso dos seios paranasais é do tipo respiratório, ou seja, colunar ciliado pseudo-estratificado; porém, é mais delgado do que na fossa nasal, e contém poucas células caliciformes e glândulas, as quais são encontradas principalmente próximo aos seus óstios ou duetos de drenagem. É menos vascularizado e não contém seios cavernosos; porém, uma resposta vasomotora pode ocorrer, aumentando a superfície mucosa. Como ocorre no nariz, isso proteje o revestimento dos seios contra invasão bacteriana ou viral.

Enzimas bacterianas também estão constantemente presentes em sua secreção. A ausência de ar corrente que causa evaporação permite ao seio manter uma umidade superficial suficiente para a ação ciliar, e também para o transporte de certa quantidade de secreção para a fossa nasal.

Clearance de muco

Sob condições normais, os seios paranasais são capazes de autodrenagem de qualquer muco que possa estar acumulado em seu interior. Os fatores responsáveis por isso são: a direção do batimento ciliar, sempre em direção à fossa nasal; e, no caso do seio frontal e das células etmoidais posteriores, a força da gravidade. O muco do etmóide e esfenóide é transportado diretamente para o óstio, enquanto que no frontal e maxilar o muco atravessa um caminho espiralado. Depois de transpor o óstio ou dueto de drenagem, o muco é levado para trás, em direção à rinofaringe.

Mudanças de pressão atmosférica

Até recentemente, as mudanças de pressão atmosférica, dentro dos seios paranasais, tinham sido apenas de interesse acadêmico, exceto para profissionais da aviação e mergulhadores. À medida em que mais e mais pessoas estão praticando esportes subaquáticos, o barotrauma está sendo mais freqüente, e os trabalhos que procuram esclarecer os fatores que efetivamente alteram a pressão intra-sinusal começam a ter importância prática. O barotrauma dos seios paranasais é cinco vezes menos comum do que na orelha média. Em mergulhadores, por exemplo, ele ocorre em 7%, enquanto que a orelha está envolvida em 35% das vezes. Isso pode estar relacionado com o tamanho relativo da abertura de drenagem (óstio ou dueto), e o volume das cavidades envolvidas. É provável que os óstios múltiplos também reduzam essa incidência.

As funções dos seios paranasais, sob condições normais, embora controvertidas, podem ser elaboradas:

1) Ressonância da voz. 2) Proteção para as orelhas da ação da própria voz, através da redução da transmissão do som para os mesmos pelos ossos da face. 3) Melhora do condicionamento do ar inspirado, com aquecimento e umidificação. 4) Equalização da pressão na cavidade nasal durante períodos de mudança de pressão, como espirros e rápidas mudanças de altitude. 5) Melhora da olfação, pois os seios filogeneticamente se desenvolvem de forma simultânea, com o aparecimento da função olfatória em animais. 6) Redução do peso do crânio. 7) Proteção das estruturas intra-orbitais de eventuais traumas. 8) Promoção do isolamento de calor para o crânio e órbita, graças ao seu conteúdo de ar frio.

Bibliografia Recomendada

BAROODY, F. & NACLERIO, R. M. - A Review of Anatomy and Physiology of the Nose. Continuing Education Program by American Academy of Otolaryngology-Head and Neck Surgery Foundation, Inc., 1990.
TARDY Jr., M. E. & BROWN, R. J. - Surgical Anatomy of the Nose. Hong Kong, Raven Press, 1990.
ANSELMO, W T - Estudo do epitélio da mucosa do corneto nasal inferior humano normal: um modelo estrutural. Ribeirão Preto, 1988 (Dissertação - Mestrado - Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo).
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(*) Diretor do Departamento de Otorrinolaringologia da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo.
(**) Professor Adjunto do Departamento de Otorrinolaringologia da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa ele São Paulo.
(***) Professor Titular do Departamento de Otorrinolaringologia da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo.

Endereço para correspondência: Rua Doutor Cesário Mota Jr., 112 - Pavilhão Conde Lara - 4° andar- 01277-900 São Paulo/SP. Telefone (011) 226-7235.

 

 

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