Caderno de Debates (Suplementos)

Bem vindo ao nosso Caderno de Debates!

Artigo publicado no Caderno de Debates da RBORL:

Vol.63 ed.6 de Novembro-Dezembro em 1997 (da página 04 à 05)

Autor: Mara Behalau, Ph.D; Paulo Pontes, M. D.

Artigo

 As Chamadas Disfonias Espasmódicas: Dificuldades de Diagnóstico e Tratamento - Parte 2

O Paralelismo Entre o Psicológico e o Orgânico

Desde as, primeiras descrições estabelece-se um paralelismo entre o psicológico e o orgânico quanto à etiologia da disfonia espasmódica; porém, até a década de 60 as descrições na literatura tendem quase que exclusivamente a considerar este distúrbio como sendo uma conversão histérica de difícil tratamento. A noção de conversão emocional foi, em grande parte, reforçada por algumas características da doença: a emissão bizarra, as grimaças, a flutuação da alteração, o falsete e o riso normal, o canto livre em tons agudos e o comportamento estranho dos pacientes, que passam a evitar a comunicação e os eventos sociais, o que é associado ao fato de a emissão vocal provocar nos ouvintes um efeito psicodinâmico de raiva e agressividade. Tais características foram repetidamente apontadas como integrantes de um quadro psiconeurótico, mas podem ser compreendidas como conseqüência de uma alteração vocal tão perturbadora, ou como concorrência de uma doença orgânica.

Hoje, acredita-se que muitos caminhos podem levar a uma disfonia cujo principal sintoma é o de espasmos laríngeos, sendo que a etiologia da maior parte dos casos nos leva a classificar tal alteração na categoria das desordens neuromusculares. A propalada variabilidade vocal de acordo com o estado emocional ocorre em todos os indivíduos, quer tenham ou não qualquer tipo de disfonia; e uma qualidade vocal mais tensa ou áspera sob estresse não é prova de uma desordem psicogênica (Dedo & Beblau, 1991).

Foi na segunda metade ele nosso século que surgiram de forma expressiva os trabalhos que sugerem urna natureza neurológica dessa desordem (Segre, 1951; Robe et al., 1960). O contundente artigo de Robe et al. (1960) apresenta alterações nos traçados eletroencefalográficos ele 90 por cento de um grupo de dez pacientes portadores de disfonia espástica - dois homens e oito mulheres -, com duração média dos sintomas de seis meses a 15 anos. Apesar das numerosas críticas recebidas, particularmente pautadas no fato de a eletroencefalografia ser sujeita a uma série de artefatos, tal estudo representa um marco na evolução do conceito dessa alteração, tendo direcionado fortemente a atenção dos pesquisadores para os aspectos neurológicos dos quadros em questão. Em 1964, a International Association for Logopaedics and Phoniatrics - IALP designa os Professores Kiml, de fraga, e Pedro Bloch, do Rio de Janeiro, para apresentar o status quo da disfonia espástica, o que resultou em dois artigos essenciais na literatura dessa desordem (Kiml, 1965; Bloch, 1965), chamando a atenção mundial para um quadro praticamente desconhecido pela maioria dos médicos e fonoaudiólogos.

O texto de Bloch (1965) continua sendo uma das mais ricas fontes de reflexão sobre os aspectos psicodinâmicos dessa desordem - e uma profunda análise da importância da voz para a integridade do ser humano. Tal texto é reiteradamente citado nas publicações subseqüentes, mesmo nos artigos que defendem a natureza orgânica dessa alteração, estando presente até em textos recentes (Aronson, 1990; Brin, Fahn, Blitzer, Rarnig & Stewari, 1992).

Kiml (1965), por sua vez, realiza uma ampla revisão bibliográfica e coleta 306 casos, em 117 publicações - uma casuística considerada assombrosa para a época, e constata que o número de casos relatados tem sido maior nos últimos anos, o que provavelmente indica apenas um melhor diagnóstico e não um aumento real da alteração. O autor lista diversos nomes pelos quais a doença é designada, tais como: forma espástica de ansiedade nervosa, forma espástica de mogifonia, lalofobia, aftongia espástica laríngica, afonia e dispnéia espasmódica, espasmo fônico da glote, forma espástica de fonoastenia, psicofonoastenia e constrição da voz profissional. Além desse trabalho de literatura, o autor utilizou uma série ele exames laboratoriais, tais como: espectrografia acústica, tomografia, pneumografia, espirometria, eletromiografia, medida de pressão subglótica e eletroencefalografia, os quais indicam urna série ele desvios do padrão normal. Com exceção da eletroencefalografia, tais achados ajudaram a elucidar apenas os sintomas da doença, ou seja, suas manifestações - sem esclarecer a etiologia.

Desta forma, a disfonia espasmódica foi tradicionalmente designada couro sendo uni desarranjo vocal psicogênico (Kiml, 1963 e 1965; Bloch, 1965; Luchsinger & Arnold, 1965; Brodnitz, 1976).

Em 1968, uma das figuras mais importantes da fonoaudiologia moderna entra em cena: o Professor Arnold Aronson, da Mayo Clinic, sugere a mudança do nome de disfonia espástica para disfonia espasmódica, pelo fato de a espasticidade ser uma alteração específica das vias piramidais, provocando rigidez. Reforça ainda a posição daquele autor a noção de que o que ocorre no nível da laringe são espasmos e que, portanto, nada é mais adequado do que designar a alteração como disfonia espasmódica (Aronson, 1968; Aronson, Brown, Litin & Pearson, 1968). Contudo, o nome disfonia espástica, incorreto, continuou sendo empregado, devido à sua consagração pelo uso - além da constatação de que a expressão disfonia espasmódica não pode ser considerada inteiramente satisfatória (Amingff Dedo & Izdebski, 1978). Porém, somente nos anos 80, e mais acentuadamente em nossa década, firma-se a utilização da expressão disfonia espasmódica - muito provavelmente pelo avanço verificado na área das desordens vocais neurológicas, que não nos permite mais usar ingenuamente a expressão disfonia espástica.

Aronsort (1968) e Aronson, Brown, Lilin & Pearson (1968) submeteram seus pacientes a entrevistas e testes psiquiátricos, não encontrando evidências psiquiátricas relacionadas diretamente à disfonia, sendo os indivíduos descritos como relativamente estáveis e bem adaptados. A ausência de evidências psiquiátricas e o fracasso na psicoterapia levaram os autores a postular que a síndrome de disfonia espasmódica seria, predominantemente, o resultado de uma disfunção do sistema nervoso central. Apontam ainda a associação dessa alteração vocal a uma variedade de sinais neurológicos e descrevera sinais e sintomas vocais em diversas alterações - tais como: tremor essencial, paralisia pseudobulbar, esclerose lateral anniotrófica, paralisia bulbar, ataxia cerebelar e parkinsonisrrlo - que poderiam ser confundidas com disfonia espástica.

Mesmo face aos dois estudos acima referidos, Damsté (1977) chega inclusive a afirmar que o paciente com disfonia espástica é alguém que - diante ele dificuldades que transcendem sua capacidade ele resolução - regride a níveis inferiores do sistema de defesa, com tensão, inibição e auto-agressão, manifestadas por fechamento da laringe, inibição expiratória e tremores. Posteriormente, esses sintonias se estabelecem como um automatismo sensório-motor, passando a um estágio de fixação orgânica secundária.

Mais tarde, Aronson (1980) descreve e compara dois tipos diferentes de disfonia espasmódica, denominando-os adutor e abdutor. Seria mais comum o tipo adutor, com a disfonia tendo corno principal característica a voz tenso-estrangulada, por hiperadução irregular das pregas vocais. Já o tipo abdutor, bastante raro, foi caracterizado como sendo um quadro de afonia ou disfonia soprosa intermitente, cuja primeira descrição - como uma forma secundária de disfonia espasmódica - é atribuída a Aronson, em 1968 (Hartman & Arorason, 1981). Wolf & Bacon (1976) realizaram una estudo espectrográfico, evidenciando os dois tipos; porém, essa divisão não é tão clara, como parece, através da descrição clã alteração vocal. A característica acústica de tensão estrangulamento e as quebras de sonoridade aparecem nos dois tipos, embora com variação erra número de ocorrências (Cannito & Johnson, 1981). Há até quem duvide da existência destes dois tipos (Zwitman, 1979), pois observa-se que as características dessa disfonia podem variar ao longo de um continuum - da extrema soprosidade á extrema adução -, com o mesmo paciente apresentando uma fonação com elementos adutores e abdutores, como nó caso descrito por Cannito & Johnson (1981). Arorason (1980) chega a assumir a existência de alguns casos de tipo misto, adutor-abdutor, onde haveria momentos de soprosidade alternados com momentos de tensão e aspereza, podendo ser observados laringoespasmos adutores e abdutores.

Convém referir que não fica eliminada a possibilidade de a disfonia espasmódica de ablução ser uma desordem totalmente diferente da disfonia espasmódica de adução - e talvez até mesmo merecesse um outro nome mais particularizado, como disfonia de abdução intermitente ou disfonia soprosa intermitente, como sugerem Hartman e Aronson (1981). A literatura apresenta alguns desses casos de disfonia espasmódica de abdução como sendo essencialmente psicogênicos, principalmente considerando-se a boa evolução através da fonoterapia (Meron & Grinsberg, 1979; Pinho, Pontes & Ganança, 1988; Beblau & Pontes, 1992). No Serviço de Cirurgia de Cabeça e Pescoço e Ambulatório de Voz da Escola Paulista de Medicina, tivemos três casos de pacientes do sexo feminino com boa evolução e alta após três meses de reabilitação vocal. As únicas publicações que envolvem dados sobre a incidência desse tipo de disfonia espasmódica contêm o estudo de Blitzer, Brin, Slwari, Aviu & Fahn (1992), que referem 10 por cento de disfonia espasmódica de abdução entre os seus pacientes com disfonia espasmódica, e o trabalho de Izdebski & Ward (1966), que consideram a ocorrência desses casos extremamente rara, ao redor de 2 por cento, diagnosticando menos de 20 pacientes na série de mais de 1 mil indivíduos portadores de disfonia do tipo espasmódico.

 

 

Versão para impressão:

 

 

Voltar Voltar      Topo Topo

 

GN1
All rights reserved - 1933 / 2024 © - Associação Brasileira de Otorrinolaringologia e Cirurgia Cérvico Facial