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Artigo publicado no Caderno de Debates da RBORL:
Vol.70 ed.2 de Março-Abril em 2004 (da página 78 à 80)
Autor:
História
Não há como pensar nos 70 anos da Revista Brasileira de Otorrinolaringologia sem vinculá-la com a própria história da Otorrinolaringologia no Brasil. Todos os avanços tecnológicos, descobertas científicas, novidades em tratamentos, discussões acadêmicas acaloradas, experiências cirúrgicas bem-sucedidas estão expostas nas mais de 15 mil páginas do periódico, que possui cerca de 3 mil artigos. Fundada em 1933, com o nome de Revista Paulista de Oto Rhino Laringologia, seus primeiros editores foram Mário Ottoni de Rezende e Homero Cordeiro. Por 17 anos, eles foram auxiliados por José Eugênio de Rezende Barbosa. Já nos primeiros números houve a colaboração de importantes médicos da época, como José Júlio Cansanção, Gabriel Porto, Paulo Mangabeira-Albernaz, Antônio Prudente, Roberto Oliva, Paulo Sáes, entre outros especialistas.
O otorrinolaringologista José Seligman, em seu texto no Jornal ORL 80, chamou a atenção para a primeira redação da revista. Ficava no consultório de Homero Cordeiro, situado na romântica (hoje nem tanto) Rua São Bento, no centro velho de São Paulo. Dali eram discutidas as pautas, os trabalhos que seriam publicados e os assuntos que deveriam ser discutidos. Segundo Seligman, o preço da revista saia por 6 mil réis e por 30 mil réis era possível obter uma assinatura anual.
O atual editor da Revista, Henrique Olival Costa, também escreveu sobre assunto, no site da publicação. Segundo ele, em seu primeiro momento, "a revista representava as discussões que ocorriam na Secção de Oto-Rino-Laringologia da Associação Paulista de Medicina e que constavam de apresentações de casos, novas técnicas e procedimentos ou notas prévias de colegas que atuavam em São Paulo e nos arredores."
Seis anos depois, já consolidada como importante revista à disposição dos especialistas médicos brasileiros, o periódico passa a se chamar Revista Brasileira de Otorrinolaringologia. Ottoni e Cordeiro continuavam como editores, com a colaboração de José Eugênio Rezende Barbosa, que passou a editá-la a partir de 1950, permanecendo na função até 1964.
Nos 50 anos, a produção brasileira começou a crescer. Com maior intercâmbio internacional, vários trabalhos de ponta eram descritos com detalhes nas páginas da revista. O otorrinolaringologista Sérgio de Paula Santos, por exemplo, foi completar seus estudos na Alemanha, no início da década de 50, na época da reconstrução da Europa, devastada pela fúria dos combates da Segunda Guerra Mundial. Na época, Paula Santos conviveu com grandes nomes da Medicina, principalmente os autores que desenvolveram a timpanoplastia "Peguei o início dessa cirurgia na época da reconstrução da Alemanha", relembra. O resultado dos estudos do otorrinolaringologista brasileiro em sua experiência no exterior foi publicado em 1962, com um artigo sob o título de "Surdez de Condução - Timpanoplastias".
O início do texto dizia: "Logo após a 2.° Guerra Mundial, um grupo de autores alemães, entre os quais Zoellner, Heermann e Wullstein, tratou, em várias reuniões, da restaurarão da audição nas otites médias crônicas. Dessas reuniões surgiram diversas tentativas isoladas para resolver o problema. Em 1952 progrediram muito os trabalhos, graças, principalmente, aos esforços de Zoellner e Wullstein, apoiados nos achados técnico-experimentais de Ranke e Helmholtz, aliados à adaptação do colposcópio de Zeiss em microscópio otológico. Foi então criada e sistematizada a cirurgia que Wullstein batizou de "Timpanoplastia". Timpanoplastia á a reconstrução do ouvido médio, anatômica e funcionalmente. O conceito é muito mais amplo que o da miringoplastia, que já fora praticada em 1878 por Berthold, Ely e Tangemann."
Pioneiro na timpanoplastia no Brasil, Sérgio de Paula Santos hoje faz questão de mostrar a coleção completa que tem da Revista Brasileira de Otorrinolaringologia, intacta em seu consultório. "Faltavam alguns números da década de 60, mas descobri que elas não foram lançadas", contou.
Henrique Olival da Costa contou que a década de 60 não foi muito ativa do ponto de vista editorial, havendo poucos trabalhos publicados, "causando, inclusive, a interrupção de alguns volumes do periódico."
Em sua biblioteca pessoal, Paula Santos diz ter mais de 19 mil volumes, principalmente entre livros de Medicina e suas outras paixões, a História e Gastronomia. Por causa do seu acervo, muitos otorrinolaringologistas procuram o médico para consulta. "Sou muito organizado. Meu arquivo já está informatizado e tenho o nome dos colegas que me pediram material emprestado".
Para Paula Santos, a revista representa o material mais importante da ORL brasileira, pois ela junta toda a produção científica nacional. "Não diria que tem uma importância internacional, mas tudo o que se produziu cientificamente no Brasil está lá. Ou seja, é uma revista nacional de referência."
Essa também é a opinião do otorrinolaringologista Pedro Mangabeira-Albernaz, um dos campeões de publicação de artigos científicos na Revista Brasileira de Otorrinolaringologia. Com quase 600 artigos publicados no Brasil e no exterior, o professor aposentado da Unifesp acredita que a revista vai se perpetuar ainda por muito tempo. "Hoje ela está consolidada, com um nível de excelência muito bom", comentou.
Quando Pedro Mangabeira formou-se em Medicina, o editor da revista era Resende Barbosa. "Mas o periódico teve um impulso na administração de Rudolf Lang, professor da PLIC de Porto Alegre, nos anos 70". Foi nesse período que Mangabeira Albernaz publicou com mais intensidade os artigos científicos, em sua maioria, baseado em temas da Otologia.
Ele recorda que nos anos anteriores a esse período, os editores de revistas médicas suplicavam para que os médicos mandassem trabalhos para serem publicados. "Isso mudou completamente, não só porque existem mais otorrinolaringologistas, como também porque a revista já tem uma condição de exigir qualidade maior para os trabalhos científicos."
Sem a rede mundial de computadores, não era nada fácil realizar pesquisas científicas e encontrar referências. "Para referências bibliográficas, dependíamos dos livros e revistas que tínhamos. Não havia nenhum mecanismo internacional de busca. Depois, quando surgiu a Bireme (Biblioteca Regional de Medicina), a situação melhorou."
No período que Rudolf Lang exerceu a administração da publicação, a partir de 1970, os sócios da federação foram solicitados para contribuir pela primeira vez. "A partir daí, a revista voltou forte e com periodicidade", revelou Henrique Olival Costa. De acordo com o atual editor, nesse período, Lang recebeu um apoio importante de Nicanor Letti.
Depois de 15 anos sob a tutela da dupla, a partir de 1985, a revista passou a ser dirigida pela diretoria de publicações da Sociedade Brasileira de Otorrinolaringologia, fato que ocorre até hoje.