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Artigo publicado no Caderno de Debates da RBORL:
Vol.70 ed.2 de Março-Abril em 2004 (da página 74 à 77)
Autor: Dr. Pedro Mangabeira Albernaz Dr. Fernando Ganança
Artigo
Dr. Pedro Mangabeira Albernaz
Dr. Fernando Ganança
A engenheira civil Marta Toyota, de 44 anos, conviveu por muito tempo com as limitações impostas pela Doença de Ménière. Desde criança, enquanto seus amiguinhos se divertiam nos parques de diversão, a Roda-Gigante e o Carrossel sempre foram uma pedra em seu sapato. "Meus pais acreditavam que era algo normal, uma criança sentir enjôo nesses brinquedos", disse.
O tempo passou e na adolescência essas limitações ficaram mais claras. Mesmo assim, o diagnóstico da doença só surgiu muito tempo depois. Na faculdade, Marta perdia aulas, passava mal durante as provas e resolveu parar de dirigir. "As pessoas achavam que a tontura que eu sentia era 'frescura'", lembra. A engenheira tentou vários tratamentos para labirintite na época, mas chegavam a um resultado rido tinha de deixar o serviço várias vezes para me levar ao hospital. Muitas vezes ficava deitada o dia inteiro. Não conseguia me levantar."
O caso de Marta é comum hoje em dia nos consultórios de Otorrinolaringologia. A Doença de Ménière, descrita desde o século XIX, vem sendo cada vez mais estudada nos cursos de Medicina e aprofundada nas residências médicas. Os tratamentos também já alcançam números positivos. "Conseguimos melhorar a qualidade de vida destes pacientes com um índice de controle parcial ou cura em 90% dos casos desta doença", disse o otorrinolaringologista Fernando Ganança, professor da Unifesp e especialista em labirintopatias.
Isso deve-se principalmente aos métodos diagnósticos mais modernos e a entrada no Brasil de novos medicamentos, bastante potentes. Entre os medicamentos, destacam-se a betahistina, um remédio que já existe há algum tempo na Europa e que traz resultados animadores. "O clonazepan, usado em baixas doses também representa resultados excelentes", afirma Ganança.
Apesar dos novos medicamentos, o tratamento da doença prevê um trabalho árduo de investigação por parte do otorrinolaringologista. O melhor é começar por descobrir a causa da doença. "A hipertensão endolinfática, o substrato patológico da Doença de Ménière, pode ser idiopático, em cerca de 50% dos casos. Mas podemos identificar, em outros pacientes, algumas causas relacionadas, como a metabólica, hormonal, vascular, infecciosa ou traumática", comenta o especialista. Se o médico encontrar a causa do problema, será um passo avançado para se chegar ao controle ou à cura. Por isso, Fernando Ganança acha importante que o otorrino pergunte bastante ao seu paciente investigue seus hábitos, antecedentes pessoais familiares e a história clínica... Tudo isso pode estar relacionado à doença.
"Mesmo para aquele que não se curaram completamente, mas que estavam incapacitados par desempenhar algumas funções por causa da tontura, com o tratamento, ele consegue voltar a realizar essas atividades", enfatiza.
O professor da Unifesp orientou recentemente um trabalho onde se investiga o impacto da doença na qualidade de vida dos pacientes, intitulado "Interferência da Tontura na Qualidade de Vida de Pacientes com Doença de Ménière". Neste estudo, que será publicado em uma revista internacional, foram investigados os aspectos físicos, funcionais e emocionais do paciente e qual a interferência da tontura na vida dele. "Descobrimos que o paciente com Ménière tem um prejuízo na qualidade de vida independente de todas as variáveis clínicas e sócio-demográficas estudadas. A doença pode chegar a ser incapacitante, determinando grandes prejuízos para a qualidade vida", observou Ganança.
Nas últimas décadas, o estudo da qualidade vida tem despertado um maior interesse por parte dos pesquisadores ligados à saúde. De acordo com o estudo, de 1990 a 1994, mais de mil artigos foram publicados com o termo Qualidade de Vida, no título ou no resumo. Neste sentido, a aplicação para a Otorrinolaringologia é muito importante, porque muitas funções imprescindíveis como respiração, audição, paladar, olfato, fala e equilíbrio corporal podem alterar a qualidade de vicia do paciente.
Segundo Ganança, o paciente com Doença do Ménière vive em meio à insegurança e medo. "Ele não sabe quando a crise vai chegar."
A engenheira Marta tinha muito medo de ficar sozinha em casa, pois não sabia quando necessitaria de socorro. "Fiquei completamente dependente, sem ter vontade de sair de casa." Ela contou que numa tarde, andando pelas ruas do bairro de Santana, zona norte de São Paulo, caiu na calcada, por causa de uma crise. Ninguém a socorreu. "Só ouvia vozes dizendo: Nossa, tão jovem e já drogada.".
Durante o tratamento é necessário retirar do paciente esta insegurança. "No nosso tratamento, a gente não inclui apenas medicamentos. Hoje trabalhamos com dieta com correções alimentares, por exemplo. É mui to comum o paciente ter hábitos alimentares errados, como comer açúcar refinado em excesso, ficar muito temo em jejum... Isso pode prejudicar o funcionamento do labirinto e do sistema vestibular como um todo", comenta Ganança.
O otorrinolaringologista lembra de um paciente que era piloto de helicóptero e sofria com a Doença de Ménière. "E uma doença que pode causar restrição de atividades por parte do paciente."
É importante deixar claro que nem todos os sintomas clássicos da enfermidade ocorre em todos os pacientes. Há casos mais graves e outros reais leves. Apesar disso, a pesquisa apontou que mesmo em menor grau a doença traz prejuízos à vida do paciente.
No caso dos pacientes que não conseguem uma melhora com tratamento e medicamentos, a cirurgia é uma opção importante. No entanto, segundo o médico, apenas 1% dos casos recorrem à cirurgia. Entre as mais comuns estão a Descompressão do Saco Endolinfático, que descomprime uma determinada área do labirinto, responsável pela absorção do líquido endolinfático. Também é utilizada a Labirintectomia Química, quando se destrói o labirinto por meio de substâncias ototóxicas, aplicadas dentro do tímpano. O medicamento entra no labirinto e destrói preferencialmente a área relacionada ao equilíbrio corporal. Já a Neurectomia é realizada com a secção do nervo vestibular que emerge do labirinto.
"Só fazemos cirurgia se o paciente não melhorar com o tratamento clínico, situação em que a incapacitação física, funcional e emocional está atrapalhando demais sua vida. A escolha do tipo de cirurgia depende também de alguns fatores. Se ele tem a audição preservada, por exemplo. Não vamos destruir o labirinto se a audição não está sendo prejudicada. Também a respeito da idade, se ele tem ou não condições de ser operado. É sempre importante notar também quais os medicamentos que ele já tomou e esgotar todas as possibilidades de melhora com tratamento clínico."
A dificuldade de se encontrar o verdadeiro motivo da doença é devido à instalação lenta que se dá no paciente, segundo o otorrinolaringologista Pedro Mangabeira Albernaz, atual membro do corpo clínico do Hospital Albert Einstein, em São Paulo, e professor aposentado da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp). Ele não acredita que exista uma relação direta entre a doença e o estresse. "A não ser que a pessoa que está estressada tem crises mais violentas", disse. No entanto, Albernaz afirma que é raro o surgimento da Doença de Ménière em pacientes que vivem na zona rural. "Parece ser uma doença de cidade grande".
Psiquiatras já tentaram comprovar se a doença não era psicossomática, mas os estudos mostraram que não há características suficientes para defini-la dessa forma. "Mas, no entanto, existem algumas características peculiares nas pessoas que tem a doença", diz Albernaz. "Geralmente são pessoas perfeccionistas, que gostam de tudo certinho. Dificilmente delegam tarefas e, por isso, estão sempre sobrecarregadas de trabalho."
Uma das saídas no tratamento, de acordo com Albernaz, é a necessidade de fazer com que o paciente entenda a importância de aproveitar as horas de lazer. "Ele precisa ter um tempo para sair, ir ao cinema, passear. Temos de tentar tirá-lo da absorção compulsiva do trabalho."
Os estudos ainda não comprovaram se essa característica já vinha antes com a pessoa ou se foi desenvolvendo de acordo com a doença. "Provavelmente existem algumas mudanças metabólicas que levam a essas características. Mas ainda é difícil saber a relação entre essas coisas."
Os estudos na área de Doença de Ménière ainda não respondem a muitas perguntas. Alguns casos, por exemplo, podem ser de origem virótica. "A informação vem do exame de ossos temporais de pessoas que sofriam da doença e que doaram seus ossos em testamento. Ainda não temos exames de laboratório para descobrir isso."