Caderno de Debates (Suplementos)

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Artigo publicado no Caderno de Debates da RBORL:

Vol.70 ed.2 de Março-Abril em 2004 (da página 43 à 55)

Autor: DRA. MÔNICA ALDAR MENON MIYAKE DR. MARCELLO CANIELLO DRA. ARACY PEREIRA SILVEIRA BALBANI DR. OSSAMU BUTUGAN

Artigo

 Inquérito, sobre uso de plantas medicinais para tratamento de afecções otorrinolaringológicas entre pacientes de um hospital pública terciário

INTRODUÇAO

São muitas as modalidades de terapias alternativas - ou complementares - utilizadas pelas pessoas com doenças das vias respiratórias (1). Estes tratamentos fazem parte da cultura e do folclore de todos os povos e, em inúmeros países, nota-se tendência de aumento da procura da Medicina alternativa para o tratamento das mais diversas doenças (2; 3). No Brasil, esse hábito está especialmente arraigado na população e sofreu influência das culturas indígena, africana e européia. Também se deve levar em conta, no nosso País, que fatores econômicos e várias condições adversas ao bom funcionamento dos sistemas de saúde estimulam a população a recorrer a essas práticas.
Em Otorrinolaringologia, existe uma grande procura pelas práticas de Medicina complementar por parte dos pacientes que apresentam infecções de repetição e câncer, assim como por aqueles que têm indicação cirúrgica, na intenção de protelar ou suprir o ato operatório. (4) Os pacientes crônico também são uma grande parcela dos usuários de terapias complementares. Desta forma, rinite alérgica, rinossinusite e zumbido estão entre as causas mais freqüentes do uso dessas práticas. Um inquérito feito no Canadá revelou que, dentre 175 pacientes com rinossinusite e 125 com asma, 42% haviam usado ao menos um tratamento alternativo nos últimos 12 meses. Cerca de 47% dos pacientes usavam duas ou mais terapias alternativas simultaneamente, e 71 % faziam-nas junto com o tratamento alopático prescrito pelo médico, muitas vezes sem revelar o fato ao profissional (5). A fitoterapia foi a modalidade preferida por aqueles pacientes (24% dos casos).

A fitoterapia é considerada a mais ancestral e disseminada forma de Medicina (1). O homem de Neanderthal já usava as plantas medicinais há cerca de 60.000 anos, como mostram desenhos encontrados em cavernas no Iraque. Em pleno século XXI, mais de 50% da população ocidental são adeptos da fitoterapia (6). Muitas drogas alopáticas também se originam de plantas: a efedrina (obtida da erva Ephedra sinica - também conhecida por efedra ou Ma Huang -, empregada na Medicina tradicional chinesa como descongestionante) e os salicilatos (derivados da casca do salgueiro, Salix alba) são algumas delas (3). No Brasil, as plantas medicinais usadas de forma corrente pela população são facilmente cultivadas em quintais ou compradas de "raizeiros", vendedores de ervas do comércio informal, estrategicamente postados em locais de grande movimentação e apelo popular (7). Até nas próprias calçadas de grandes hospitais públicos são encontradas barracas onde leigos indicam e comercializam uma grande variedade de plantas medicinais.

É especialmente preocupante, em todo o mundo, o uso intensificado das terapias alternativas em crianças e em doentes graves, nos quais o uso concomitante de medicamentos alopáticos e de venda livre nas farmácias aumenta o risco de interação medicamentosa e intoxicações (8). Nem sempre o médico que atende o doente tem conhecimento destas práticas paralelas, ou porque não pergunta ao paciente, ou porque este não se refere espontaneamente.

Os tratamentos com plantas medicinais, por serem considerados isentos de efeitos colaterais pela população, são usados em doenças respiratórias de maior ou menor gravidade. Mas, contrariando a crença popular, o uso destas ervas não é isento de efeitos colaterais e pode trazer sérias conseqüências. A buchinha-do-norte (Luffa operculata), muito usada nos casos de rinossinusite pela população leiga, pode provocar irritação mucosa nasal e epistaxe quando instilada no nariz. (9), além de anosmia ou hiposmia. O confrei (Symphitum officinale) contém alcalóides hepatotóxicos que podem induzir o surgimento do hepatocarcinoma; a erva-deSão-João (Hypericum peforatum) interage com antidepressivos inibidores da recaptação de serotonina, podendo causar intoxicações. O alho (Allium sativum), o gengibre (Zingiber officinale), a Ginkgo biloba e o ginseng (Panax ginseng) podem provocar aumento do tempo de coagulação, predispondo a hemorragias durante cirurgias (10) ou potencializando este risco em pessoas idosas que já utilizam salicilatos. (11).

Muitos problemas podem ocorrer pela colheita inadequada de um vegetal, em horário ou local indevidos, pela confusão com erva semelhante, por contaminação da planta ou também pelo seu armazenamento incorreto. (12). Por isso, é importante que o médico otorrinolaringologista e outros especialistas conheçam as possíveis indicações e efeitos dos fitoterápicos de uso mais comum em seu meio, para melhor orientar os pacientes quanto á necessidade de suspender o uso das plantas no pré-operatório e nos casos em que possa haver interação com a medicação alopática prescrita.

O presente estudo teve por objetivo avaliar, prospectivamente: a) a freqüência do uso de plantas medicinais e b) as características do uso de plantas (distribuição por sexo, raça, idade, naturalidade e escolaridade dos pacientes, tipos de plantas usadas, indicações para uso, meios para sua obtenção, modo de preparo e forma de uso de acordo com o conhecimento leigo) entre pacientes que procuram o pronto-socorro da Divisão de Clínica Otorrinolaringológica do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (HCFMUSP).

MÉTODOS

Entrevistamos 102 pacientes maiores de 18 anos que procuraram atendimento no Pronto-Socorro da Divisão de Clínica Otorrinolaringológica do HCFMUSE Sessenta foram do sexo feminino e 42 do masculino, com idades entre 18 anos e 79 anos, média 41,90 anos.

A pesquisa foi feita entre junho de 2002 e julho de 2003, em intervalos escolhidos aleatoriamente que abrangeram diferentes situações climáticas, uma vez que a procura por atendimento no serviço sofre influência sazonal, com maior número de casos durante os meses de outono e inverno. As entrevistas foram feitas de acordo com o "Protocolo de uso das Plantas Medicinais e Afecções Otorrinolaringológicas" e anotadas em formulário padronizado (Anexo I). Foram indagados: os tipos de plantas usadas, as indicações para uso, meios para sua obtenção, modo de preparo e forma de uso de acordo com o conhecimento leigo.

O estudo foi aprovado pela Comissão de Ética em Pesquisa do HCFMUSP sob o protocolo no. 458/03. Todos os pacientes concordaram em assinaram termo de consentimento livre e esclarecido.

RESULTADOS

a) freqüência de uso das plantas medicinais: Dentre os 102 pacientes entrevistados, 32
(31,37%) relataram usar uma ou mais plantas medicinais para afecções otorrinolaringológicas, incluindo o problema referido na presente consulta ao pronto-socorro de Otorrinolaringologia ou em oportunidades anteriores.

A grande maioria dos entrevistados que usaram plantas medicinais avalia que os tratamentos com ervas medicinais são seguros (90,62%) e baratos (96,87%). Vinte e três pacientes (71,87%) crêem que as plantas não causam efeitos colaterais; 27 (84,37%) referiram melhora ou cura do processo tratado através das plantas, e os 5 demais (15,63%) tiveram a evolução do quadro inalterada..

Setenta pacientes (68,63% do total) negaram o uso de plantas medicinais. O principal motivo alegado para a não utilização de plantas medicinais foi a falta de oportunidade ou de conhecimento (61,43%). Vinte e sete dentre os pacientes que rejeitam fitoterapia (38,57%) assim o fazem por temerem reações. Por razões diversas, 15 pacientes (21,43%) referiram não usar plantas porque: não acreditam ou não confiam nos tratamentos fitoterápicos, pensam ser perigoso, acham o efeito demorado ou que plantas não resolvem, ou não suportam chás. Mas 12 pacientes (17,14%) enfatizaram que somente consultam médicos tradicionais, só usam medicamentos sob orientação médica e só fariam uso de fitoterápicos se assim fosse prescrito por médico. Mesmo assim, 62 destes pacientes (88,57%) concordam que os tratamentos com plantas medicinais são mais baratos do que os alopáticos e 58 (82,85%) consideram estes tratamentos seguros.

b) característica de uso das plantas medicinais: No grupo de pacientes que relatou usar plantas medicinais, 21 (65,63%) eram do sexo feminino e 11 (34,37%) eram do sexo masculino. Havia 21 pacientes da raça branca e 11 negros. As idades variaram de 19 a 75 anos (média de 42,65 anos). Neste grupo, havia 3 pacientes com formação universitária. Nove pacientes eram naturais da capital, e outros 23 eram de outros Estados ou do Interior de São Paulo.

Dentre os 70 pacientes que não relataram uso de plantas medicinais, 39 (55,71%) eram mulheres e 31 (44,29%) eram homens. Havia 47 (67,14%) brancos, 22 (31,42%) negros e 1 paciente (1,42%) de raça amarela. A idade dos indivíduos variou de 18 a 79 anos, com média de 41,55 anos. Vinte e seis pacientes (37,14%) eram de São Paulo - Capital, enquanto 44 (62,86%) eram provenientes de outros Estados e do interior. Outros 3 (4,28%) pacientes universitários fizeram parte deste grupo.

Indicações para uso das plantas. Os pacientes que utilizaram as ervas por iniciativa própria somaram 71,87%, enquanto 28,13% foram orientados por leigos, familiares ou por informações da mídia. Três pacientes referiram tratamentos de diferentes problemas e a utilização de várias plantas.

A queixa otorrinolaringológica mais freqüente para utilização das plantas medicinais foi dor de garganta (59,37%), seguida por: dor de ouvido (18,75%), sinusite (9,37%), tosse (6,25%), aftas e gengivite (6,25%), febre e dores em geral.

Meios para obtenção das plantas. Quase metade dos pacientes (15 indivíduos, 46,87%) utilizou as plantas frescas disponíveis no próprio quintal, outros 6 pacientes (18,75%) pediram a amigos ou vizinhos, e 11 ( 34,37%) adquiriram em lojas de ervas, farmácias ou bancas de vendedores ambulantes.

Plantas utilizadas e modo de preparo. As plantas utilizadas para as queixas de garganta foram: guaco (chá de folhas frescas, 5 referências), romã (chá da casca do fruto maduro, 3 referências), erva cidreira (chá de folhas frescas, 3 referências), gengibre (chá ou maceração da raiz, 3 referências), vique (chá de folhas frescas, 2 referências) e folha de batata (chá de folhas frescas para gargarejo, 1 referência). O guaco, já mencionado, foi referido como eficaz também contra a tosse (2 referências) . Ainda para dor de garganta, foram utilizadas pelos pacientes plantas como o mastruz (emplastro de folhas numa compressa de álcool), e a malva branca (chá feito de folhas secas). O próprio mastruz (coado após maceração, via intranasal) foi utilizado por um paciente com queixa de sinusite e obstrução nasal, e a malva branca também foi utilizada por um paciente com gengivite; isto ilustra a utilização de uma só planta medicinal para queixas diferentes, o que é bastante comum na medicina popular. O boldo (chá de folhas frescas, 1 referência) e a espinheira santa (chá de folhas secas, 1 referência), ervas que reconhecidamente atuam sobre sintomas gastroesofágicos, também foram usados para dor de garganta.

A erva mais utilizada pelos pacientes com queixa de dor de ouvido foi a arruda, com uso tópico de suas folhas maceradas. Um dos pacientes referiu misturar leite materno a este macerado.

Para o tratamento de rinossinusite, houve duas referências à inalação do chá feito com fruto seco de buchinha-donorte. Própolis em "spray", disponível em farmácias, foi utilizado para o tratamento de aftas. A sucupira (chá de sementes, adquiridas em casas de ervas) e novamente a erva cidreira foram mencionadas no combate a dores e febre.

Os efeitos colaterais referidos durante o uso das ervas foram: sonolência e hipotensão (erva cidreira), queda de cabelos (espinheira santa) e inchaço no rosto (buchinha-do-norte). Um dos pacientes ingeriu chá de "guaco com alho" e relatou azia e dor de estômago. Outro paciente, que utilizou buchinha-do-norte sem reações, alertou para possíveis efeitos tóxicos da planta caso houvesse utilização por via oral, que poderiam "levar à morte". Outro paciente disse "ter escutado" que o boldo pode levar a reações adversas.

Durante a realização das entrevistas, encontramos dois casos interessantes, não incluídos na estatística desse trabalho por tratar-se do relato de mães que aplicavam o tratamento a seus filhos menores. Lima paciente adulta do pronto-socorro revelou usar alho macerado com óleo de cozinha para tratar otalgia de seu bebê de três meses. Outra paciente referiu usar um chá misto preparado com folhas de eucalipto, mel e folhas de "ampicilina" para debelar os sintomas de tosse e "bronquite" do filho de quatro anos.

DISCUSSÃO

a) PLANTAS MEDICINAIS REFERIDAS NA PESQUISA

Por sua representatividade na amostragem de ervas úteis ao tratamento das doenças respiratórias e pela freqüência com que são referidas na prática clínica otorrinolaringológica, torna-se importante um resumo atualizado sobre as plantas referidas em nossa pesquisa. (9, 13)

Guaco (Mikania glomerata) - é uma trepadeira de grande porte muito popular em todo o país, nativa do sul do Brasil. Usa-se o decocto (produto do cozimento) em gargarejos e bochechos, para inflamações da boca e garganta. É utilizada para diversos fins medicinais, mas só há estudos preliminares sobre ações broncodilatadora, antitussígena, expectorante e antiedematosa.

Romã (Púnica granatum) - é um arbusto ornamental com frutos comestíveis e utilizados para fins medicinais. A literatura refere o uso do pericarpo (parte externa do fruto) para tratamento de inflamações na boca e garganta, dentre outras indicações. Pode-se mascar um pedaço da casca, ou utilizar o chá para gargarejos e bochechos. A planta está empiricamente indicada no tratamento da catarata, de verminoses, dentre outras aplicações. A análise fitoquímica registra alcalóides e taninos gálicos. Deve ser usada com parcimônia em crianças pequenas, por sua ação neurotóxica.

Erva cidreira (Cymbopogom citratus) é também conhecida como capim-limão ou capim-cidreira. Outras plantas medicinais, de espécies e propriedades diferentes, têm o mesmo nome, como é freqüente na fitoterapia. O óleo essencial é composto por citral (de ação calmante e espasmolítica suaves, além de referida atividade antimicrobiana) e por mirceno (princípio ativo de ação analgésica). É uma planta desprovida de toxicidade, mas o chá deve ser coado, pois microfragmentos da folha podem levar a lesões de mucosa.

Gengibre (Zingiber officinale) - erva da qual se aproveitam os rizomas, também é usada como especiaria. Sua ação medicinal comprovada é como digestivo, apesar de usado também para asma, faringites e laringites. O rizoma fresco é rico em óleo essencial, de ação antimicrobiana, antiviral, antiinflamatória, antitussígena.

Vique (Mentha arvensis) - conhecida como hortelã-japonesa, "peppermint". Originária do Japão, trazida ao Brasil durante a II Guerra, desta planta se extrai o mentol, óleo essencial que serve para dar sabor e odor a remédios, cosméticos e balas. Seu uso em medicina popular é antidispéptico, descongestionante nasal e antigripal. Também é usada para dor de cabeça e inflamações na boca e faringe. Altos teores de mentol podem provocar paralisia respiratória.

Mastruz (Chenopodium ambrosioides) também chamado de erva-de-santa-marfa, é relacionada pela Organizarão Mundial de Saúde como uma das plantas medicinais mais usadas no mundo todo. É utilizada para tratar gripes, "bronquite" e tuberculose, misturando-se o sumo das folhas a um pouco de leite. A planta triturada também é usada para compressas no tratamento de contusões e é anti-helmíntico.

Malva branca (Waltheria douradinha) - herbácea de flores amarelo-ouro, é uma erva daninha. É a típica planta medicinal com múltiplas finalidades, citada como bastante eficaz contra afecções pulmonares, tosse e "bronquite". Tem ação diurética, hipotensora e cardiotônica, pela presença de alcalóides, taninos e saponinas.

Boldo (Plectranthus barbatus) - herbácea de folhas pilosas, produz um chá muito amargo. Conhecido e usado em todo o Brasil para afecções gástricas, tem ação hipossecretora, diminuindo o volume e da acidez do suco gástrico. O nome "boldo" pode ser aplicado a plantas bem diferentes, com ações distintas. O verdadeiro "boldo do Chile" (Peumus boldus) é encontrado no comércio, mas não é cultivado no Brasil. Deste último se conhecem os efeitos tóxicos quando em altas doses (náuseas, vômitos, efeitos narcóticos e convulsivantes).

Espinheira santa (Maytenus ilicifolia) árvore de pequeno porte, é usada como planta ornamental. Na medicina caseira, vem sendo usada no tratamento de problemas estomacais, por sua ação antiulcerosa e antitumoral. Estudo brasileiro mostrou a potente atividade antiulcerogênica do seu chá, comparada a ranitidina e cimetidina. (14) Após este estudo, a planta foi patenteada no Japão, o que exemplifica a "pirataria" de plantas medicinais brasileiras.

Buchinha-do-norte (Luffa operculata) - trepadeira cujo fruto seco é utilizado no trata mento de rinites e rinossinusites. Inala-se uma infusão feita com 1/4 deste fruto. É um potente irritante de mucosas, por ação das saponinas e isocucurbitacinas. Pode levar a sangramentos e alterações do olfato se usado indevidamente. O efeito tóxico às mucosas explica sua ação abortiva e laxante.

Sucupira (Pterodon emarginatus) - árvore cuja madeira é utilizada na construção civil. A planta inteira é usada na medicina popular: o óleo da casca é aromático e tem ação sobre o reumatismo; as túberas radiculares ("batatas") são usadas na diabete. O óleo dos frutos ajuda na prevenção da esquistossomose.

Arruda (Ruta graveolens) - usada desde a Antiguidade como planta mágica, para proteção contra mau-olhado. Na medicina caseira, é usada para queixas menstruais, febre, câimbras, e também na dor de ouvido. Neste caso, usa-se o macerado ou o sumo das folhas dentro do conduto auditivo. É importante ter cuidados com a pele, pois tem princípios ativos com ação fotossensibilizante. Estudos mostraram ação abortiva em modelo animal.

Alho (Allium sativum) - além de usado como condimento, pesquisas farmacológicas têm demonstrado propriedades antimicrobianas, antifúngicas, andoxidante, hipotensora, hepatoprotetora, hipoglicemiantes, antitumóral, analgésica (nos casos de nevralgias), antiviral e hipolipemiante. Os 53 constituintes voláteis derivados do enxofre, dentre eles alicina e aluna, degradam-se mais lentamente em meio ácido, o que explica o melhor efeito do alho com suco de frutas ácidas.

Batata-doce (Ipomoea batatas) - A folha de batata foi utilizada aqui de forma indevida, se considerarmos que na literatura é indicada como galactagogo. A batata amarela, rica em betacaroteno, pode ser útil nas deficiências de vitamina A. Quando a planta está infectada por fungos, pode causar grave intoxicação.

Bálsamo (Myroxylon peruferum) - folhas e frutos, assim como a resina (bálsamo-detolu) desta árvore, são usados há séculos para tratamento de asma, reumatismo, quadros catarrais e feridas externas.

Eucalipto (Eucalyptos globulus) - árvore cujas folhas são usadas na medicina popular e também na indústria farmacêutica. O óleo essencial eucaliptol tem atividade "anticatarral" e, segundo ensaios farmacológicos, também tem ação antimicrobiana.

Devemos relatar que as folhas de "ampicilina" não foram encontradas como tal na literatura. Presumimos tratar-se de erva com suposta ação antimicrobiana, pois na medicina popular é costume denominar certas plantas pelo nome de medicamentos ou substâncias de ação correspondente, tais como "Novalgina" (Achillea millefolium) ou "Insulina" (Cissus verticillata).

Complementando as informações referidas nas entrevistas, o mel é popularmente usado no tratamento de todas as doenças da árvore respiratória, por sua ação expectorante. Cabe lembrar sua ação antagônica nos pacientes com tosse crônica e refluxo gastroesofágico, que pioram com seu uso continuado. A própolis é uma substância complexa, formada por material resinoso e balsâmico. É coletado pelas abelhas em brotos de plantas e modificado na colméia. Com própolis, as abelhas vedam a colméia, protegendo-a da luz, ar frio e microrganismos. Na Antiguidade, já foi usada na assepsia dos ferimentos de guerra e também para embalsamar os faraós do Egito. Os bioflavonóides da própolis lhe conferem ação antimicrobiana, cicatrizante e antiinflamatória. A conservação mais adequada dos produtos comerciais atualmente disponíveis, feita em meio alcoólico, leva ao sabor amargo da própolis e torna sua aplicação desagradável. (15)

Outras plantas medicinais são usadas no tratamento de doenças respiratórias e não foram referidas nesta pesquisa. Estão disponíveis como planta fresca ou secas em raizeiros, na forma de fitoterápicos e também em medicamentos homeopáticos. Dentre elas, estão: alecrim-pimenta (Lippia sidoides), alcaçuz (Periandra mediterranea), sálvia (Saloia officinalis), guaraná (Paulinia cupana), urtiga (Urtica dioica) (9), unha-de-gato (Uncaria tormentosa), carobinha (Jacaranda pteroides) (7), associação de limão e marmelo (Citrus limonun + Cydonia oblonga).

b) CONSIDERAÇÕES

Nosso estudo é uma amostragem qualitativa do atual perfil de pacientes otorrinolaringológicos que utilizam plantas medicinais, e nossos dados correspondem às estatísticas estrangeiras. Por ter sido feito dentro do ambiente hospitalar, pudemos observar um certo grau de estranheza ou inibição dos pacientes em discorrer sobre "medicina alternativa". Devemos valorizar as considerações de Hughes (16), analisando diferentes enquetes: em uma delas, 50% dos pacientes nem sequer entregaram preenchidos os questionários sobre ervas medicinais, pois "não era assunto a ser discutido com o médico". Em outra, 60% relatavam que o médico não os inquiriu sobre uso de plantas medicinais, 31 % imaginaram que o médico nem conheceria as plantas relatadas e 13% temeram a desaprovação do médico. Supomos que o inquérito de pacientes dentro de um hospital público pode mostrar um resultado tendencioso em função deste perfil, mas também que tal resultado seria o oposto caso fosse feito dentro de uma loja de produtos naturais ou de uma farmácia homeopática. Estudos como este merecem complementação, em diferentes locais de pesquisa e com amostragens maiores, visando um painel mais amplo do uso da fitoterapia no Brasil.

Chama a atenção o fato da grande maioria dos médicos alopatas tradicionais desconhecerem os princípios que norteiam a fitoterapia e os tratamentos complementares. Dentre as maneiras não convencionais de tratar as doenças respiratórias, também estão a homeopatia, acupuntura, etc. Cabe ao médico especialista conhecer estes métodos, talvez não para incentiva-los, mas para poder orientar os pacientes e fazer uma análise crítica de cada tipo de terapia. Lembramos que a literatura atual prefere o termo Medicina Complementar, pois todas estas modalidades de tratamento podem contribuir para manter ou restaurar a saúde. O termo "Medicina alternativa" não é cientificamente o mais adequado (17).

Achados interessantes permeiam a pesquisa, provendo explicações a hábitos populares. O uso de boldo e espinheira-santa para dor de garganta mostra que, na sabedoria popular, há longa data já se associam faringites a refluxo gastroesofágico. No chá de alho com limão, tão difundido, a acidez do limão potencializa a ação do alho. Além disso, em dois casos, os nomes de plantas referidas (erva-cidreira e bálsamo) podem designar plantas diferentes. O mastruz foi usado para dois problemas diversos. As folhas de batata não são recomendadas, nem por tradição, para tratamento de quadros inflamatórios ou dolorosos. São bastante reconhecidas a toxicidade da buchinha-do-norte, da arruda e da romã. Estes são alguns exemplos de distorções a que se submete o paciente que utiliza plantas frescas sem orientação adequada para o tratamento de doenças.

Nos últimos anos, com a nítida demonstração da má utilização dos recursos do planeta, tem surgido uma consciência ecológica e mais respeito à natureza. Na Medicina, o homem retorna aos princípios naturais procurando nas plantas e em técnicas menos invasivas a cura de suas doenças. Se em nosso país tropical sobram recursos e receitas de uso de plantas medicinais ensinadas pelos índios e pelos ancestrais africanos, também nossos ascendentes europeus, até mesmo no século XX, passaram por períodos de privação importante como nas Guerras Mundiais. Eles tiveram que se acostumar à falta de insumos essenciais, dentre eles os medicamentos, utilizando o que estivesse à mão. Na Europa, a Alemanha é reconhecidamente o país onde mais se valoriza a medicina natural. Naquele país, a partir de 1978, desenvolveu-se ta fitomedicina, que utiliza extratos vegetais integrais em medicamentos, devidamente estudados, registrados e regulamentados por um documento oficial, a Komission E. (18).

O exemplo de fitomedicamento mais bem sucedido em nossos dias é a Gingko biloba, tão utilizada em todo o planeta. Para a composição de um fitomedicamento, acompanha-se o vegetal desde sua origem, sua colheita, a extração do princípio ativo, observando-se sua pureza, homogeneidade e padronização. O fitomedicamento passa por todas as fases de estudos experimentais e clínicos, o que lhe confere mais segurança do que as plantas frescas colhidas aleatoriamente, mas isso obviamente encarece seu custo com relação às ervas in natura. Em nossa pesquisa, o baixo preço das ervas foi uma das vantagens relatadas em comparação a medicamentos convencionais, mencionadas pelos pacientes que utilizam ou não as plantas, mas a segurança das plantas medicinais foi bastante questionada pelos pacientes que não as utilizaram. Considerando que 61,43% dos pacientes não utilizaram ervas medicinais por falta de conhecimento, oportunidade ou por falta de orientação médica, - e não por rejeição à modalidade do tratamento -, presumimos que toda essa população utilizaria fitomedicamentos se houvesse prescrição médica adequada.

Aumenta em todo o planeta a utilização de práticas médicas complementares, independentemente do nível sócio-econômico e cultural. Nos Estados Unidos, país permeado pela tecnologia de ponta nas atividades diárias, seria esperado o ceticismo da população com respeito à medicina complementar. Contudo, aumenta cada vez mais naquele país a mobilização de recursos na aquisição de medicamentos naturais. Em 2001, foram gastos US$ 4,2 bilhões com remédios à base de ervas, de um total de US$17,8 bilhões se computados todos os "suplementos dietéticos", que nada mais são do que fitoterápicos ainda não devidamente estudados (19). No Brasil, o setor fitoterápico mobiliza R$ 1 bilhão em toda sua cadeia produtiva e emprega mais de 100 mil pessoas, conforme dados da Associação Brasileira da Indústria Fitoterápica (Abifito) (20). Esta entidade estima ainda que até 82% da população brasileira utilize plantas medicinais, taxa bem acima da verificado na literatura.

As modalidades médicas como a fitoterapia nasceram e cresceram com metodologia completamente diferente das que utilizamos. Não existiu pesquisa científica, estatística, laboratório, drogas, mas sim a questão do ensaio e erro, do efeito prático, e da transferência do conhecimento de geração a geração. Porém, com a evolução da ciência e da Medicina, as plantas medicinais passaram a ser estudadas quanto à sua composição fitoquímica, ação farmacológica e toxicológica. (18) As plantas medicinais também precisam ser submetidas a estudos clínicos para comprovar sua segurança e eficácia. A legislação vigente no Brasil para fitoterápicos, a RDC-17, demanda as mesmas exigências dos medicamentos sintéticos. A maioria das plantas brasileiras ainda não tem estudos clínicos ou toxicológicos suficientes. Calcula-se que haja 55.000 espécies de plantas medicinais, a maior biodiversidade do planeta. Estes estudos exigem altas verbas, e se não houver uma conscientização e uma mobilização dos médicos, é provável que permaneça o atual status de biopirataria por parte das nações industrializadas, com roubo de patentes, como aconteceu com a "espinheira santa" e com tantas outras espécies. Outra conseqüência do descaso é o desaparecimento de muitas espécies vegetais, não só pelo desmatamento das florestas, mas pela ação predatória dos mateiros estimulados por laboratórios e farmácias, como é o caso da catuaba, da qual só resta uma única árvore (9).

Pelos resultados de nossa pesquisa, em comparação com os achados da literatura, fica evidente o grande desafio que é a validação científica do emprego das plantas medicinais. As pesquisas na área são escassas e necessitam de incentivo; os efeitos terapêuticos são evidentes, mas permanecem inconsistentes, e os efeitos tóxicos muitas vezes são desconhecidos ou menosprezados pela população. É extremamente necessária uma conscientização dos médicos para abordar da melhor maneira o uso largamente disseminado de todas as práticas de medicina popular, incluindo a fitoterapia.

CONCLUSÕES

Encontramos uma freqüência de 31,37% de uso das plantas medicinais para tratamento de doenças otorrinolaringológicas numa amostra de 102 pacientes que procuraram pronto-socorro de Otorrinolaringologia de hospital público terciário da capital paulista. A predominância de uso ocorreu no grupo do sexo feminino, na raça branca e nos pacientes procedentes de outros Estados ou do Interior de São Paulo. De 6 pacientes universitários da amostragem, 3 utilizaram e 3 não utilizaram plantas medicinais no tratamento de afecções otorrinolaringológicas. A maioria conseguiu as plantas empregadas no tratamento no próprio quintal. Nossos resultados coincidem com os da literatura estrangeira sobre o uso da medicina complementar por 20 a 50% da população. Sugerimos a realização de enquetes futuras sobre o uso de plantas medicinais em doenças otorrinolaringológicas também fora do ambiente hospitalar.

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DRA. MÔNICA ALDAR MENON MIYAKE - OTORRINOLARINGOLOGISTA, DOUTORANDA DO CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO DA FMUSP
DR. MARCELLO CANIELLO - MÉDICO RESIDENTE
DRA. ARACY PEREIRA SILVEIRA BALBANI - OTORRINOLARINGOLOGISTA, DOUTORA EM MEDICINA
DR. OSSAMU BUTUGAN - PROFESSOR ASSOCIADO
INSTITUIÇÃO: DISCIPLINA DE OTORRINOLARINGOLOGIA DA FACULDADE DE MEDICINA DA UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO (FMUSP)

 

 

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