Caderno de Debates (Suplementos)

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Artigo publicado no Caderno de Debates da RBORL:

Vol.70 ed.1 de Janeiro-Fevereiro em 2004 (da página 27 à 40)

Autor: DRª. ANDRÉIA AZEVEDO DR. RICARDO FIGUEIREDO

Artigo

 Atualização em zumbido

DRª. ANDRÉIA AZEVEDO - MÉDICA OTORRINOLARINGOLOGISTA, HOSPITAL SAO CAMILO, VOLTA REDONDA-RJ

DR. RICARDO FIGUEIREDO - MÉDICO OTORRINOLARINGOLOGISTA, HOSPITAL SAO CAMILO, VOLTA REDONDA-RJ

INTRODUÇÃO

Talvez a melhor definição de zumbido seja uma sensação auditiva não proveniente do meio externo, parecendo proceder de uma ou de ambas as orelhas, ou ate mesmo da cabeça, sem localização precisa de sua origem1. Também podem ser empregados os termos acúfeno (oriundo do grego akouein, entender, phainein, parecer) a tinnitus (oriundo do latim, introduzido por Plínio, o Velho, no século I D.C.). O primeiro é mais empregado na literatura européia, o segundo na americana1.

A incidência do zumbido na população geral varia, de acordo com vários estudos, entre 14 a 32%. Segundo o National Institute of Health, E.U.A, acomete cerca de 15% da população americana. O paciente pode referir-se ao zumbido através de varias comparações com sons naturais, tais como apitos, zoeira, bater de asas, estalos, motor e vários outros. Cerca de 80% dos pacientes acham que o zumbido não tem repercussão alguma na sua vida, 15% referem alguma repercussão e, em 5% dos casos, pode ser incapacitante2.

A primeira tentativa de classificação dos zumbidos remonta ao ano de 1683, quando Du Verney propôs dividi-los em zumbidos de origem cerebral a zumbidos de origem otológica1. A classificação comumente mais empregada e a de Shulman (1991), dividindo os zumbidos em objetivos (audíveis, em alguns casos, pelo examinador, nos quais se enquadram principalmente os zumbidos de causa vascular a muscular) a subjetivos idiopáticos (aqueles audíveis somente pelos pacientes). Estes últimos, segundo essa classificação, podem ser divididos em otológicos e neuro-otológicos1. A tendência atual, nos paises de língua inglesa, a substituir o termo zumbido objetivo por somatosound, sendo os outros denominados tinnitus1. Outra classificação freqüentemente empregada a aquela que divide os zumbidos em origem auditiva e para-auditiva (compreendendo os zumbidos de origem vascular a muscular), ou ainda dividindo-os em perióticos a neuro-sensoriais3.

FISIOPATOLOGIA DO ZUMBIDO

Varias teorias vem sendo formuladas, nenhuma delas sendo, ainda, capaz de explicar totalmente a fisiopatologia do zumbido, talvez pelo fato de ela ser multi-fatorial. Daremos maior enfoque às últimas pesquisas sobre os mecanismos neurofisiológicos alterados no zumbido.

Nos últimos anos provou-se que o principal mediador das vias auditivas e o glutamato, um dos principais transmissores excitatórios rápidos no Sistema Nervoso Central (AAE - aminoácidos excitatórios), ao lado do aspartato a do homocisteato. O glutamato a formado a partir do alfa-oxo-glutamato, intermediário do Ciclo de Krebs, pela ação da GABA-aminotransferase4.

Existem 3 principais tipos de receptores sinápticos para os AAE, quais sejam:

o tipo AMPA (alfa-amino- 3 hidróxi-5 metil- isoxazol- propionic acid) e cainato, de respostas excitatórias rápidas a impermeáveis ao cálcio. Os de tipo AMPA são os principais envolvidos na transmissão sináptica fisiológica nas vias auditivas.

o tipo NMDA (N - metil-D-aspartato), de respostas excitatórias mais lentas, permeáveis ao cálcio a bloqueados pelo magnésio.

o tipo Metabotrópico.

Os NMDA, AMPA a cainato estão diretamente acoplados a canais de cátions. Os Metabotropicos atuam através de segundos mensageiros intracelulares4,5.

Alguns zumbidos podem ser ocasionados por uma disfunção das sinapses entre as células ciliadas internas (CCI) a os neurônios auditivos primários, que utilizam o glutamato como neurotransmissor (Figura 1). Se o glutamato possui a grande vantagem de ser um neurotransmissor rápido, fundamental, portanto, para os mecanismos de audição, possui o inconveniente de ser bastante tóxico para os neurônios quando liberados em quantidade excessiva, a chamada "excitotoxicidade". Nessa situação, o excesso de glutamato levaria a uma sobre-expressão dos receptores NMDA, que normalmente não participam da transmissão sináptica nas vias auditivas. Com isso, teríamos entrada excessiva de cálcio nos dendritos dos neurônios auditivos primários, levando aos seus edema e ruptura. A maioria destes neurônios em sofrimento consegue recuperar-se a restabelecer sinapses, mas alguns, efetivamente, morrem Acredita-se que a excitototicidade esteja relacionada com as perdas auditivas ligadas a isquemia e trauma acústico4, 5.

Os neurônios com excesso de receptores NMDA são ainda mais sensíveis a excitotoxicidade, o que induz a um círculo vicioso e a eternização do fenomeno, com progressão ao longo da via auditiva, ate o Sistema Nervoso Central, verdadeira "epilepsia do nervo auditivo", conforme alguns autores. Seria esta a explicação para a manutenção do zumbido mesmo apos a secção do nervo auditivo4,5.

Vários estudos fazem uma analogia entre o zumbido e a dor, uma vez que os receptores NMDA tem um papel importante no processo de informar ,,aV relativa a dor no SNC, nomeadamente na sensibilização central. Antagonistas de receptores NMDA tem sido usados, com bons resultados, no tratamento da dor neuropática6.

Também foi demonstrado que o ácido acetil-salicílico (AAS), medicamento sabidamente causador de surdez e zumbidos em seres humanos, pode levar a um aumento da atividade espontânea das vias auditivas, através de um mecanismo independente da ciclo-oxigenase4.

Por outro lado, sabe-se que o GABA (ácido gama-amino-butírico) é o principal neuro-transmissor inibitório no SNC, sendo muito pouco encontrado nos tecidos periféricos. É formado a partir do glutamato pela ação da GAD (descarboxilase do ácido glutâmico). No sistema auditivo está relacionado à neurotransmissão nas vias eferentes, tanto nas mediais quanto nas laterais4, 5.

O Sistema Eferente das vias auditivas funciona como modulador da atividade das células ciliadas externas (CCE), verdadeiras "amplificadoras" dos estímulos auditivos, e também como estabilizador dos neurônios auditivos e CCI, reduzindo a hiper-estimulação do glutamato. É constituído por dois tratos, o Trato Olivo-coclear Medial (TOM), cujos principais transmissores são o GABA e a acetilcolina, modulador das atividades das CCE, e o Trato Olivococlear Medial (TOL), cujos principais transmissores são GABA, acetilcolina, dopamina, encefalinas e dinorfinas, modulador da atividade das CCI (Figura 1). A ação de agonistas GABA tem, como veremos posteriormente, várias aplicações clínicas, estando em investigação o uso da dopamina na redução da atividade espontânea da fibra nervosa e na elevação do limiar de resposta à estimulação sonora4, 5.

Várias drogas ototóxicas são, também, capazes de produzir surdez e zumbidos. Os mais estudados são os antibióticos aminoglicosídeos que, ao combinar-se com receptores das membranas das células chiadas do órgão de Corti, alteram a permeabilidade ao íon cálcio, afetando a estrutura e função dos cílios e, por fim, levando à própria destruição celular5.

Recentemente, vários estudos vêm demonstrando a participação do íon zinco na neuro-transmissão das vias auditivas centrais, particularmente no sub-núcleo coclear dorsal, e também como regulador da atividade excitatória glutamatérgica. A carência do metal poderia estar relacionada a alguns tipos de zumbidos7.

Alguns autores acreditam que os mecanismos de neuroplasticidade, que ocorrem após lesões dos neurônios auditivos por excitotoxicidade, possam levar a um efeito-rebote de aumento dessa mesma toxicidade, uma vez que pode ocorrer uma alteração na inervação da CCI, com as fibras eferentes passando a conectar-se diretamente às CCI, e não ao nervo auditivo4.



Figura 1. Neurotransmissores na cóclea (reproduzido de Puel, JL)4 Ach- acetilcolina; CGRP- calcitonine gen related peptide; DAdopamina; Enk- encefalina;Dyn- dinorfina; NC- núcleo coclear; OSL oliva superior lateral; NVCMT núcleo ventro-medial do corpo trapezóide
.

O modelo neurofisiológico de Jastreboff propõe associações entre a fonte sonora (cóclea), áreas subcorticais de detecção do zumbido, áreas corticais de percepção e avaliação do som, associações emocionais (sistema límbico) e Sistema Nervoso Autônomo. Se o som for classificado como neutro, seu sinal será bloqueado no nível sub-consciente das vias auditivas internas. Entretanto, se for classificado como importante, atrairá atenção e terá uma percepção mais eficiente2, 8. Associações negativas, tais como condicionamento reflexo, medo do novo e desconhecido e a presença contínua e prolongada de um estímulo que está fora do controle, podem levar ao monitoramento do zumbido, com problemas de atenção e concentração, e também à ativação do Sistema Nervoso Autônomo, levando, em última instância, à ansiedade, stress, insônia e depressão8. A compreensão deste modelo, aliada à neuroplasticidade, são fundamentais para a compreensão da T R.T (Tinnitus Retraining Therapy), como veremos posteriormente.

ZUMBIDOS DE ORIGEM PARA-AUDITIVA (MUSCULRARES E VASCULARES)

Tratam-se de zumbidos relacionados a causas identificáveis e, na maioria das vezes, tratáveis. Embora significativamente mais raros que os zumbidos ditos "auditivos", revestem se de grande importância por serem de tratamento mais preciso e definitivo.

As principais causas de zumbidos de origem muscular são a mioclonia de músculo da orelha média e o tremor palatal, também conhecido como mioclonia palatal9, 10. Normalmente, o paciente refere zumbidos tipo "clique" ou bater de asas de borboleta, em alguns casos fugazes e pouco incômodos, em outros bastante incômodos, podendo ser ouvidos por outras pessoas (zumbido objetivo). No caso do tremor palatal, observa-se à oroscopia contrações rítmicas involuntárias do palato mole10, 11. A nasofibroscopia pode se bastante útil para o diagnóstico12, devendo também ser afastadas causas centrais10. O tratamento pode ser feito com drogas como clonazepam, a carbamazepina e sumatriptano10, 11. Nos casos de tremor pala tal, infiltrações de toxina botulínica no pala to mole podem também ser empregadas9.

Os zumbidos vasculares ou pulsáteis ocorrem quando a cóclea detecta uma alteração de fluxo em vasos sanguíneos próximos à orelha. São sincrônicos aos batimento cardíacos, sendo a maioria subjetivos9. Entretanto, são objetivos em uma percentagen muito superior à dos zumbidos neuro-sensoriais. Como principais exemplos, podemos citar9:

1. Neoplasias vasculares, como os tumores glômicos;

2. Malformações arteriais, sendo as mais comuns o trajeto aberrante da carótida, estenose ou aneurisma da artéria braquiocefálica e persistência da artéria estapediana;

3. Malformações venosas, sendo a mais comum o bulbo jugular deiscente;

4. Hum venoso, decorrente de turbulência do fluxo da veia jugular.

Nos tumores glômicos, a otoscopia pode estar alterada, verificando-se uma massa azulada retrotimpânica. Na imitanciometria podemos verificar oscilações na agulha do imitanciômetro sincrônicas aos batimentos cardíacos9.

Os zumbidos vasculares têm tratamento específico, muitas vezes cirúrgico, sendo de fundamental importância o diagnóstico precoce. Os exames complementares mais úteis são os de imagem, como a tomografia computadorizada, ressonância nuclear magnética, aretriografias, Doppler do sistema vertebral e carotídeo e, principalmente, a angioressonância nuclear magnética do sistema vértebro-basilar9.

ZUMBIDOS DE ORIGEM AUDITIVA

Constituem a grande maioria dos casos de zumbidos, sendo nesse grupo que encontramos os zumbidos de manejo mais difícil. Normalmente, nos zumbidos de longa data, o paciente já percorreu uma longa "via-crúcis" de consultas a vários especialistas e, por vezes, tratamentos alternativos, sendo comum ouvirem a "clássica sentença": "Isso não tem cura! Você vai ter que aprender a conviver com isso."

As causas para os zumbidos de origem auditiva são inúmeras, sendo que aquelas originadas nas orelhas externa e média têm, mais freqüentemente, tratamento específico, com bons resultados. Os zumbidos originados da orelha interna e vias auditivas periféricas e centrais podem ser de manejo muito difícil, uma vez que, em muitos casos, o zumbido possa ser seqüela de processos anteriores, que não estão mais presentes (zumbido seqüela x zumbido sintoma)3, 13. O Quadro 1 mostra as principais causas de zumbidos de origem auditiva.:

Segundo alguns autores, certos zumbidos podem ter origem psicogênica, descartando-se outras possibilidades14. Tal diagnóstico é, no mínimo, um pouco delicado, uma vez que a maioria dos zumbidos apresenta alterações emocionais associadas.

A influência dos distúrbios da articulação têmporo-mandibular (ATMs) nos zumbidos é tema bastante controverso. Segundo vários autores, o zumbido poderia ser causado por alterações na própria cápsula articular, o que constituiria, na verdade, um zumbido para-auditivo devido à proximidade da ATM com o ouvido externo13. Nesse caso, o paciente pode referir zumbidos do tipo "estalos", mas por vezes também do tipo "apito". Também acredita-se que os distúrbios da ATM possam cursar com uma disfunção tubária associada, por mau posicionamento da mandíbula ou interferência com o músculo tensor do véu palatino, gerando zumbidos na orelha média". Sabe-se que os músculos mastigatórios, o tensor do tímpano e o tensor do véu palatino têm inervação oriunda do nervo trigêmeo. Por esta razão, segundo alguns autores, a hiperatividade dos músculos mastigatórios poderia levar a espasmos do músculo tensor do tímpano, com conseqüente aumento da pressão na orelha interna16.

Quadro 1. Principais causas de zumbidos auditivos ou neuro-sensoriais

ORELHA EXTERNA:
1- Rolha de Cerumen
2- Otites Externas
3- Tumores Do Cae

ORELHA MÉDIA:
1- Otites Médias Agudas e Crônicas.
2- Otosclerose.
3- Disfunções Tubárias.
4- Disjunções de Cadeia Ossicular.
5- Tumores da Orelha Média.
6- Timpanosclerose.

ORELHA INTERNA:
1- Trauma Acústico.
2- Disacusias Metabólicas.
3- Presbiacusia. 4- Doença de Ménière.
5- Otosclerose.
6- Disacusias Auto-Imunes.
7- Anemias Crônicas. 8- Ototoxicidade.
9- Doenças Isquêmicas da Orelha Interna.
10-Fístula Peri-Linfática.
11-Seqüelas de Fraturas de Ossos Temporais.

VIAS AUDITIVAS:
1- Scwhannoma do Acústico.
2- Presbiacusia.
3- Esclerose Múltipla.
4- Tumores do SNC.

TRATAMENTO

Tratamento da Doença de Base

Parte mais importante do tratamento nos zumbidos para-auditivos e naqueles oriundos de doenças das orelhas externa e média, em que há possibilidade de correção do fator causal: Entretanto, também é importante em zumbidos causados por doenças da orelha interna e vias auditivas, como o Schwannoma do VIII par, disacusias metabólicas e disacusias auto-imunes.

Prevenção

Além das medidas acima, várias outras têm sido empregadas no sentido de prevenção das lesões auditivas em populações de risco, tais como trabalhadores expostos ao ruído, idosos e diabéticos. Podemos citar, além do uso de E.PI. (equipamentos individuais de proteção) em trabalhadores expostos ao ruído, o uso de magnésio, que bloqueia os receptores NMDA17 Outras drogas como o ginkgo biloba Egb 761 e a trimetazidina também têm sido utilizadas com esta finalidade.

Medicamentos

Vários tipos de medicamentos vêm sendo utilizados ao longo das últimas décadas para o tratamento do zumbido, sempre com resultados parciais. Procedimentos cirúrgicos, uso de mascaradores e terapias alternativas as mais variadas também vêm sendo realizadas.Apesar dos resultados irregulares e de ainda estarmos longe da cura definitiva do zumbido, , sempre haverá possibilidades terapêuticas, buscando-se, pelo menos, um alívio do incômodo causado pelo zumbido. Os pacientes tornam-se desesperançosos com a Medicina, participando de grupos de pacientes com zumbido na Internet, onde trocam experiências e, muitas vezes, manifestam seu descrédito com as perspectivas terapêuticas oferecidas pelos médicos.

O extrato seco de ginkgo biloba Egb 761 é uma das drogas com melhores resultados terapêuticos, principalmente quando empregada na dose de 120 mg duas vezes ao dia. Age como anti-oxidante, aumenta o fluxo sanguíneo na orelha interna e melhora o suprimento de glicose e oxigênio para as células ciliadas18. É praticamente desprovido de efeitos colaterais e contra-indicações, alguns pacientes apresentando cefaléia moderada.

O Clonazepam é um benzodiazepínico com atividade anti-convulsivante, que age como potencializador dos efeitos inibitórios do GABA. Pode ser usado na forma de gotas ou comprimidos (0,5 mg), dose diária ideal variando de 0,25 a 0,5 mg, uma ou duas vezes ao dia, lembrando que 1 gota equivale a aproximadamente 0,1 mg19. Como principal efeito colateral temos a sonolência e a possibilidade de dependência, o que podemos evitar com a retirada gradativa, o mais precoce possível. Está contra-indicado em portadores de glaucoma.

A Carbamazepina é também um anticonvulsivante que pode ser empregado quando há positividade no teste da Lidocaína, particularmente em zumbidos não-responsivos aos tratamentos convencionais. A Lidocaína age como estabilizador da membrana celular, aumentando o influxo de sódio nos neurônios do nervo coclear e reduzindo a despolarização. Entretanto, possui alguns efeitos colaterais, tais como fibrilação ventricular, sonolência e tonteiras19, 20. O teste deve, em nossa opinião, ser realizado em ambiente hospitalar, preferencialmente com a assistência de um anestesiologista. A via de administração é endovenosa, dose de 1 a 2 mg/kg de cloridrato de Lidocaína a 2%, infundido em cerca de 3 minutos20. Se houver resposta positiva ao teste, ou seja, melhora do zumbido, introduz-se a carbamazepina, em doses crescentes, de 50 a 600 mg ao dia, por um período máximo de 3 meses20. Como efeitos colaterais da carbamazepina podemos citar sonolência, vertigem e cefaléia.

Os anti-depressivos agem reduzindo as respostas auditivas e sobre os componentes emocionais do zumbido, podendo ser empregados a amitriptilina, fluoxetina e sulpiride19. Entretanto, seu emprego deve ser feito com cuidado, pois sabe-se que, em cerca de 1% dos casos, os inibidores da MAO podem induzir zumbidos, reversíveis com a suspensão do tratamento19.

Sabe-se que a cóclea é a estrutura com maior teor de zinco do corpo humano. Alguns autores recomendam a suplementação de zinco em zumbido, particularmente em idosos e pacientes com hipozincemia (valores séricos inferiores a 0,9 microgramas/litro)19. Entretanto, sabe-se que as taxas séricas de zinco não reproduzem fielmente as taxas infra-cocleares, o que pode ser um fator limitante para o seu emprego terapêutico. Deve ser usado na dose de 80 mg duas vezes ao dia, por períodos de 1 a 2 meses, podendo ser associado ao ácido pangâmico e piridoxina.

Novas Perspectivas Medicamentosas

A Trimetazidina é uma droga anti-isquêmica usada na prevenção da angina pectoris. Age aumentando a produção de ATP, ao desviar o metabolismo dos ácidos graxos para o metabolismo glicídico, reduzindo a acidose celular, a sobrecarga de cálcio e a lesão induzida por radicais livres de oxigênio19. Não possui nenhuma ação hemodinâmica, somente metabólica. Alguns estudos demonstraram melhora significativa de zumbidos de diversas causas, particularmente zumbidos recentes21, sendo indicado para o tratamento do zumbido na Europa. Deve ser empregada na dose de 60 mg ao dia, divididos em 3 tomadas, sendo praticamente desprovido de efeitos colaterais e contra-indicações.

A Nimodipina é um antagonista dos canais de cálcio do tipo L, que age reduzindo o cálcio livre na perilinfa, bloqueando os zumbidos induzidos pelo AAS e quinino. Age também sobre a motricidade lenta das células ciliadas externas e sobre a liberação de neurotransmissores, além de uma ação a nível central19. Como tem excelente passagem pela barreira hemato-encefálica, pode ser utilizada em doses menores, reduzindo os efeitos colaterais. Seu emprego em zumbido necessita ainda de maiores estudos, mas parece bastante promissor, particularmente em presbiacusia.

O piribedil é um agonista dopaminérgico que mostrou, em experiências com animais, efeito protetor contra o trauma acústico e isquemia coclear, quando aplicado diretamente na cóclea19. Entretanto, jamais foi testado em seres humanos por esta via.

Antagonistas do glutamato têm sido estudados, com algumas limitações devido a efeitos colaterais importantes19. A caroverina é a mais estudada destas drogas, principalmente na Índia14. Inbidores da gabatransaminase reduzem o potencial endococlear, provavelmente por ação na estria vascular, diminuindo a atividade espontânea do nervo coclear. Estudos têm sido realizados com a vigabatrina, com bons resultados, limitados por efeitos colaterais neuro-psiquiátricos importantes19. Nenhuma destas drogas está disponível no Brasil.

O uso de cateteres trans-timpânicos, permitindo a infusão de medicamentos através da janela redonda, oferece ótimas perspectivas terapêuticas, reduzindo os efeitos colaterais sistêmicos de muitas drogas, podendo ser citados a caroverina, corticóides, e anti-oxidantes19.

Terapias Alternativas

Alguns estudos advogam o tratamento do zumbido por eletro-estimulação, tanto interna (através de cateteres intra-cocleares), quanto externas (trans-cutâneas), baseando-se nas analogias entre zumbido e dor, e em uma possível hiperpolarização das células chiadas. Entretanto, os resultados são pouco conclusivos, tornando o seu emprego bastante limitado22.

Acupuntura e homeopatia têm sido referidas como possibilidades terapêuticas para o zumbido23, mas a análise desta eficácia torna-se dificultada pelas diferenças teóricas entre as Medicinas alopática tradicional, Homeopática e Oriental.

O biofeedback é uma técnica de relaxamento voluntário, em que o paciente aprende a controlar seus parâmetros fisiológicos, tais como os batimentos cardíacos. Como o zumbido não se trata de um parâmetro mensurável, o objetivo principal é o relaxamento, usando-se a eletromiografia do músculo frontal como referência23-24. Vários estudos mostraram significativa melhora do zumbido, particularmente nos casos de trauma acústico, presbiacusia e traumatismo craniano ou cervical24.

Pesquisas estão sendo realizadas no sentido de promover a regeneração de células ciliadas lesadas, seja através do transplante de células vestibulares sadias, seja pela descoberta do gen que permite a regeneração de células nervosas em aves14, o que poderá também contribuir para o tratamento do zumbido.

Terapias Cognitivas e Comportamentais

Baseiam-se na modificação direta dos comportamentos através da aplicação de técnicas de "descondicionamento", permitindo ao paciente modificar suas reações aos estímulos.

O principal exemplo é a terapia de Habituação, ou T.R.T. (Tinnitus Retraining Therapy), baseada no fato de que aproximadamente 75% das pessoas com zumbidos não são incomodadas por isto, sem nenhuma diferença nas características físicas do som (zumbido) em relação às pessoas que sofrem com eles25. Envolve dois princípios básicos: a orientação, que é feita através de reuniões periódicas, com palestras e troca de experiências entre os pacientes, visando desmistificar o zumbido, e permitir a compreensão da terapia propriamente dita2; o enriquecimento sonoro, que é feito com a exposição a um som contínuo e monótono, de intensidade inferior ao zumbido, para não configurar um mascaramento. O paciente deve ser orientado a colocar o som em uma intensidade em que ele seja capaz de ouvir nitidamente o zumbido e o som neutro. Para esse enriquecimento podem ser usados os geradores de som, morfologicamente semelhantes às próteses auditivas, com o inconveniente de serem bastante caros, pois devem ser usados em ambos as orelhas. Como alternativas podem ser empregados cds com sons ambientais, facilmente encontrados em lojas de cds. Existem, no mercado americano, travesseiros com alto-falantes ("pillow sound") que permitem uma melhor distribuirão do som para o paciente durante o sono14. O enriquecimento sonoro deve ser feito por cerca de 8 horas diárias, sendo o tratamento prolongado por 18 a 24 meses. Deve ser ressaltado que em pacientes com perda auditiva severa é importante a protetização prévia, que muitas vezes, por si só, é capaz de melhorar significativamente a tolerância do paciente ao zumbido, da mesma forma que o implante coclear nos casos de surdez profunda.

O modelo de orientação e enriquecimento sonoro é melhor realizado através da realização dos chamados "Grupos de Zumbido", já realizados em vários pontos do mundo. No Brasil, o pioneiro foi o GAPZ, da Universidade de São Paulo, coordenado pela Prof. Tanit Sanchezz. Em 2002 realizamos, seguindo este modelo e também com resultados muito bons, o primeiro Grupo desse gênero em Volta Redonda-RJ, o PAZ (Programa de Auto-ajuda ao Zumbido)26. A Habituação é considerada, hoje em dia, um importante tratamento coadjuvante para o zumbido.

COMENTÁRIOS FINAIS

O zumbido ainda constitui um grande desafio para todos nós, fonte de frustrações, tanto para médicos quanto para pacientes. Novas hipóteses fisiopatológicas e novas modalidades de tratamento surgem todos os anos, formando um mosaico que devemos processar para podermos oferecer o melhor possível aos nossos pacientes. Se a cura não for possível, pelo menos um alívio ou uma chance de encarar melhor este problema de solução tão difícil.

AGRADECIMENTOS

A todos os pacientes e colaboradores do primeiro PAZ, Programa de Auto-ajuda ao Zumbido, de Volta Redonda-RJ, 2002.

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