Caderno de Debates (Suplementos)

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Artigo publicado no Caderno de Debates da RBORL:

Vol.69 ed.6 de Novembro-Dezembro em 2003 (da página 30 à 34)

Autor: DR. LUÍS VASCONEZ DR. JOSÉ VICTOR MANIGLIA

Entrevista

 A atuação do otorrinolaringologista na Cirurgia Plástica da Face


DR. LUÍS VASCONEZ



DR. JOSÉ VICTOR MANIGLIA


O cirurgião plástico Luís Vasconez trouxe ao Brasil sua experiência interdisciplinar. Segundo ele, os profissionais de ORL e da cirurgia plástica podem trabalhar juntos. Vasconez afirmou que nos Estados Unidos existe um respeito mútuo entre os otorrinolaringologistas e os cirurgiões plásticos. A seguir, a íntegra da entrevista, com comentários do presidente da SBORL, José Victor Maniglia.

ABERTURA José Victor Maniglia - presidente da SBORL

"Nós temos o prazer de estar aqui com Dr. Luís Vasconez, um professor emérito em cirurgia plástica, uma das pessoas de grande criatividade na área, e que desenvolve inúmeros procedimentos e técnicas, na cirurgia plástica geral e no campo da cirurgia plástica facial, que interessa muito a nossa especialidade. Nosso encontro é extremamente importante, pois o procedimento de desenvolvera cirurgia facial dentro da Otorrinolaringologia é uma das metas da nossa diretoria. Esse é um dos motivos dos esforços que te mos feito para contar com a participação de pessoas de grande renome internacional, como o Dr. Vasconez, em eventos da SBORL".

Caderno de Debates - Como o sr. vê a evolução do otorrinolaringologista entrando definitivamente neste área da cirurgia plástica da face?

Maniglia - Acho muito importante, por que o otorrino trabalha dessa área, e é um especialista em procedimentos que envolvem o nariz, a orelha e os seios paranasais, enfim,
a face de um modo geral, e tem uma relação direta com o desenvolvimento da cirurgia plástica da face, que são procedimentos em áreas de fronteiras, em que várias especialidades estão envolvidas como a Cirurgia Plástica, a Oftalmologia e a Otorrinolaringologia, por exemplo. Nosso otorrino tem de ser qualificado, tem de ser treinado para desenvolver as suas habilidades com ética e qualidade, que é o que nós temos para oferecer para os nossos pacientes.

Maniglia - Como o senhor vê a evolução da cirurgia plástica da face nos Estados Unidos, onde o sr. vive, e na América do Sul?

Vasconez - Na minha opinião, a cirurgia plástica da face está em expansão nos principais centros do mundo, não só nos EUA. É uma área que está aberta para a atuação multiprofissional. Portanto, acredito que essa evolução não pode ser sustentada em um único lugar, por uma única especialidade. É importante que se busquem outros caminhos. E isso aconteceu comigo. Eu comecei meus treinamentos em cirurgia geral, depois em cirurgia plástica e, felizmente, dou minhas contribuições na cirurgia plástica reconstrutora. Ultimamente na mama, por extirpação do câncer de mama. Fazia também, há muitos anos, cirurgia de cabeça e pescoço. Atualmente, estou me dedicando mais a cirurgia estética, não somente na face, mas também na mama e de outras regiões do corpo. Na minha opinião, a cirurgia estética é uma área que ainda necessita bastante de desenvolvimento e de estudo, pois existe a necessidade de que haja contribuições de todas as pessoas, sem se preocupar de onde vêm, para que se possa avançar. O otorrino tem um grande conhecimento na cirurgia de cabeça e pescoço, tem uma grande oportunidade para contribuir nessa área. Já o cirurgião plástico i terá de se manter atualizado porque, senão, é possível que perca espaço para outros profissionais.

Caderno de Debates - Como é a atuação do otorrinolaringologista ou dos profissionais da cirurgia plástica nos EUA, e o relacionamento dessas áreas limítrofes?

Vasconez - Tenho observado que, nos Estados Unidos, há um respeito mútuo entre cirurgião otorrinolaringologista e o cirurgião plástico. É também observado que certos cirurgiões de face estão unidos a cirurgiões plásticos para complementar o cuidado com um paciente. Porque não é raro que um paciente venha fazer uma cirurgia estética da face e, ao mesmo tempo, queira fazer uma lipoaspiração. A associação das duas especialidades, em certos casos, faz com que o paciente se desenvolva melhor no tratamento. Mas, eu gostaria de ressaltar que as pessoas interessadas em se especializar na cirurgia estética da face, se preocupem em desenvolver um bom relacionamento e uma prática ética.

Caderno de Debates - O sr. acha que o conhecimento profundo que o otorrino possui do nariz, cabeça e pescoço É um importante diferencial em relação aos profissionais que possam atuar nessa área?

Vasconez - É indiscutível que um cirurgião otorrinolaringologista é o que mais sabe do ponto de vista funcional do nariz e das áreas maxilares. E um passo a mais para se estender à cirurgia estética. Eu tenho aprendido muito com o Dr. Toriumi, que vem do campo da otorrino, e, na minha opinião, está contribuindo, não só, na cirurgia plástica do nariz, mas na cirurgia estética.

Maniglia - Acho que nós tivemos aqui, no III Congresso Triológico, na parte da Rinologia, e da cirurgia estética e reconstrutora da face, um exemplo importante da evolução da otorrino brasileira neste aspecto da plástica facial. Nós tivemos aqui as pessoas de notório conhecimento e reconhecimento internacional como o professor Vasconez e o professor Toriumi. Eles puderam contribuir com seu importante conhecimento científico em conferências de nariz, de rinoplastia, ritidoplastia, cirurgias estéticas e funcionais. E cabe ressaltar também a participação dos otorrinos, já totalmente preparados para estes procedimentos. Eles também se destacaram com alto nível de qualificação, apresentando conhecimento e resultados práticos, muito representativos. E importante a gente perceber que há uma evolução acelerada dos otorrinos brasileiros, inclusive demonstrada através de uma pesquisa recentemente realizada pelo Dr. Roberto Eustáquio Guimarães, de Belo Horizonte, que indica que 26% dos otorrinolaringologistas brasileiros estão diretamente envolvidos com procedimentos de cirurgia plástica facial.

Caderno de Debates - Esse é o segundo item na escolha do otorrino?

Maniglia - Exatamente. A Rinologia é o primeiro item na escolha do otorrino brasileiro. Hoje, nós já temos evidências, através dessa pesquisa, que aproximadamente de 1,6% dos otorrinos brasileiros já estão sobrevivendo somente com cirurgia estética da face. Isso indica que eles não fazem outra coisa a não ser estética da face. São cirurgiões plásticos e otorrinos, invertendo as suas áreas de atuação. O que demonstra que é um começo, e todo começo tem uma evolução. Estamos acompanhando de perto essa evolução, com a filiação de todas as supra-especialidades em torno da Otorrinolaringologia, para dar um respaldo, não só no conhecimento científico, mas do processo de planejamento estratégico e no aprimoramento dessas áreas, como um mercado onde as pessoas possam se desenvolver, com um suporte científico e financeiro. É o que está acontecendo agora com a transformação das sociedades em academias: Rinologia, Laringologia e Voz, Otologia, Cirurgia Plástica Facial e Cirurgia de Cabeça e Pescoço. Ou seja, estamos vivendo um momento único de evolução dessas áreas, inclusive na área de cirurgia facial. Já tem uma massa crítica com boa qualidade e com bom potencial de desenvolvimento.

Caderno de Debates - Qual a prática mais utilizada na cirurgia? A divisão de tarefas entre os otorrinos e o cirurgião plástico? Ou há prevalência das cirurgias onde apenas um profissional dirija todo o procedimento?

Vasconez - Se o cirurgião não estiver treinado para fazer tudo, é possível que não. Se ele for especializado mais em uma área e menos em outra, a ajuda de outro profissional é de extrema importância. Isso se trata de ética profissional.

Maniglia - Gostaria de fazer uma consideração muito importante. E muito sábia a colocação do professor Vasconez, quando ele fala que o respeito à ética tem de unir os interesses dos médicos, de um modo geral, em torno da possibilidade de se trabalhar em equipe. De se apoiar nos conhecimentos mais sólidos de um em relação aos outros.

Acho fundamental para o desenvolvimento da Medicina, da tecnologia. O que nós visamos na realidade é oferecer o melhor tratamento para o paciente. O respeito ao paciente, o respeito à ciência. O conhecimento não tem dono. Ele deve ser compartilhado entre todos, dentro dos princípios de ética, de treinamento, de qualificação, dos limites que cada um tem que ter na sua formação, os cuidados com o paciente. Isso é muito importante. A palavra que o professor colocou, do respeito, é fundamental para a base do desenvolvimento de todos os planejamentos que a gente pode ter.

Caderno de Debates - Nos EUA prevalece essa relação interdisciplinar entre plásticos e otorrinos na maioria dos serviços?

Vasconez - Não posso falar por todos os serviços. Mas posso falar pelos serviços em que atuo, como na Universidade da Califórnia e no Alabama. Nessas instituições, há um respeito mútuo entre os cirurgiões plásticos e os otorrinos, e um espírito de cooperação para cuidar dos pacientes. Vou dar um exemplo. Quando um paciente tem de fazer uma cirurgia de cabeça e pescoço para a retirada de um grande tumor, nós cooperamos para fazer uma reconstrução, com micro-cirurgias. Por outro lado, se tenho um paciente que não pode respirar pelo nariz e que também quer se submeter à uma cirurgia estética, eu não tenho nenhum problema em indicar uma consulta com os colegas otorrinolaringologistas.

Caderno de Debates - Como o senhor analisa o futuro dessas relações multidisciplinares?

Vasconez - É um processo que está em franca evolução. Estão crescendo muito essas multiespecialidades, e o que há é bastante cooperação. Vejo que, no futuro, é possível que se unam profissionais de diferentes ramos, como otorrino e cirurgiões plásticos, dermatologistas, todos que convivem em áreas consideradas limítrofes. Como aconteceu com o cirurgião da mão. No início, era uma área dominada por poucos cirurgiões. Depois isso se abriu. Hoje temos ortopedistas e cirurgiões plásticos atuando em conjunto. Na cirurgia estética da face deverá ocorrer o mesmo. O que eu não gostaria é que esse caminho fosse trilhado com interesses especificamente econômicos, deixando de lado os objetivos acadêmicos. Eu sei que as grandes Sociedades, que representam a Otorrinolaringologia e a Cirurgia Plástica, têm em mente o treinamento, o melhor para o paciente. Os fatores econômicos não podem prevalecer.

Caderno de Debates - Nos EUA, existe uma regulamentação específica para a atuação interdisciplinar?

Vasconez - Não existe uma regulamentação específica, o que existe são advogados fazendo suas investigações que indicam quem não é qualificado. Assim fica difícil para a gente se defender.

Maniglia - A lei brasileira autoriza ao médico formado, independente de ele ter qualificação ou não, fazer qualquer procedimento. Resta ao Conselho Federal de Medicina mudar esta norma. O importante é que as associações tenham consciência de que seus membros têm de estar qualificados, para atuarem de acordo com o treinamento adquirido. Agora, o que não se pode é sair do limite e cometer atos de imprudência e imperícia. Por isso, estamos evoluindo na perspectiva de qualificarmos melhor os nossos serviços de treinamento. A base de tudo da grande massa das associações é a oportunidade de ter um treinamento adequado de seu projeto de residência. Por isso que esse processo leva tempo.

DR. LUIZ VASCONEZ - PROF. E CHEFE DO DEPARTAMENTO DE CIRURGIA PLÁSTICA DA UNIVERSIDADE DO ALABAMA.

DR. JOSÉ VICTOR MANIGLIA - PRESIDENTE DA SOCIEDADE BRASILEIRA DE OTORRINOLARINGOLOGIA E DIRETOR GERAL DA FACULDADE DE MEDICINA DE SÃO JOSÉ DO RIO PRETO - FAMERP

 

 

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