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Artigo publicado no Caderno de Debates da RBORL:

Vol.69 ed.6 de Novembro-Dezembro em 2003 (da página 25 à 29)

Autor: DRA. NATASHA BRAGA

Entrevista

 Entrevista com o Dr. Paul Flint Congresso Triológico - Rio de Janeiro


Dr. Paul Flint


Paul Flint trouxe para o Congresso Triológico do Rio de Janeiro os métodos e tratamentos conduzidos no hospital 'Johns Hopkins', onde é Prof. do Programa de Residência de Otorrinolaringologia e diretor do Centro de Laringologia e Distúrbios da Voz. Durante a entrevista, Flint explicou a importância das novas pesquisas em terapia gênica para a Laringologia, principalmente no tratamento do câncer de cabeça e pescoço.

ENTREVISTA COM O DR PAUL FLINT

Conduzida pela otorrinolaringologista Natasha Braga Natasha Braga - O que é terapia gênica?

Paul Flint - A terapia gênica baseia-se na introdução de um DNA em uma célula, visando a produção local de fatores de crescimento, dentre outras proteínas, determinando uma resposta biológica, e induzindo a regeneração nervosa e a re-inervação. A mesma terapia também pode ser utilizada no tratamento de algumas deficiências de proteínas de origem genética. A terapia gênica é realizada no tratamento do câncer de cabeça e pescoço, promovendo a morte celular, e sensibilizando as células tumorais para a radioterapia ou quimioterapia.

Natasha - Qual o melhor método para realizar a terapia gênica e qual a melhor forma de realizá-la na clínica otorrinolaringológica?

Flint - O objetivo é atingir o tecido alvo para que se produza a proteína terapêutica desejada. Infelizmente, quando se introduz um gene de um DNA num músculo, existe também uma absorção sistêmica, que é mais evidente quando são utilizados vetores virais, como o adenovírus. Então, o principal objetivo é tornar essa administração a mais específica possível, para o tecido alvo. Todos os estudos estão sendo direcionados para este objetivo. Existem outras modalidades de introdução do DNA na célula, como o uso de lipossomos e de PVP, e também o uso da eletroporação, que confere o maior índice e a maior eficiência de administração gênica.

Natasha - Nós sabemos que os adenovírus, assim como outros vetores virais, induzem a produção de anticorpos, e isso leva a eliminação precoce desse plasmídeo e a ineficiência da terapia gênica. Como nós podemos evitar esse tipo de complicação?

Flint - Isso é absolutamente correto. Nós sabemos que o adenovírus estimula uma resposta imune e que as injeções repetitivas induzem uma resposta imune mais intensa. Nós estamos utilizando drogas antivirais para minimizar esta resposta, apesar de ainda presente.

Natasha - Como o senhor trata a papilomatose respiratória recorrente? Qual o protocolo utilizado no hospital Johns Hopkins?

Flint - Minha preferência realmente é o microdebridador, porque dentre outras vantagens, ele proporciona uma cirurgia mais rápida, diminuindo o tempo de anestesia, além de eliminar o risco de queimadura térmica. E pode ser facilmente utilizado com o uso de telescópios rígidos, dispensando o microscópio. Isso permite o acesso a áreas difíceis, como a região subglótica nos casos da papilomatose envolvendo a traquéia e regiões mais distais.

Natasha - Você utiliza o Cidofovir ou alguma outra droga complementar à cirurgia?

Flint - Sim, eu utilizo o Cidofovir para, diminuir a disseminação da doença, injetando, imediatamente após a ressecção das lesões e, aparentemente, essa doença parece responder bem ao uso dessa terapia complementar. O Cidofovir é injetado no plano submucoso, além da periferia na transição entre o tecido doente e o normal. E eu o utilizo em pequenas doses de 7,5 mg/cc, injetando 0.1 cc em cada prega vocal, o que é realmente uma dose muito pequena, evitando complicações sistêmicas.

Natasha - Você utiliza uma única dose, ou injeções repetitivas do Cidofovir no tratamento da papilomatose respiratória recorrente?

Flint - Nos estudos iniciais da papilomatose recorrente na infância eram utilizadas múltiplas injeções, de 5 a 6 aplicações, para o tratamento dessa doença. Porém, não se sabe se essas injeções repetitivas são realmente necessárias e, acho que ainda é muito precoce para obtermos as respostas. Apesar de sabermos que está sendo realizado um estudo na Universidade de Wisconsin, que está avaliando a aplicação de injeções repetitivas, ainda não podemos fazer um relato oficial dos resultados preliminares dessa pesquisa.

Natasha - Qual a sua experiência no tratamento da disfonia espasmódica? O senhor utiliza o Botox?

Flint - A toxina botulínica é a minha primeira escolha de tratamento para a disfonia espasmódica. E esta modalidade é forma de tratamento mais confiável. Para o tratamento da disfonia espasmódica de adução eu utilizo entre 0.1 a 1.0 unidade. Já para o tratamento da disfonia espasmódica de abdução, eu utilizo uma injeção unilateral de 5 unidades e, em seguida, faço nova avaliação do paciente. Nos casos de boa resposta, eu mantenho a conduta. Nos casos em que o resultado estiver abaixo das minhas expectativas, eu avento a possibilidade de realizar injeção bilateral. Contudo, informando ao paciente sobre a possibilidade de obstrução da via aérea superior, já que a injeção foi bilateral.

Natasha - Você utiliza o Botox no tratamento de outras doenças em Laringologia?

Flint - Sim. Utilizo no tremor vocal, em tiques laríngeos, em mioclonia laríngea ou laringofaríngea e nos casos de disfonia por tensão muscular, eu utilizo a injeção de lidocaína na musculatura extrínseca da laringe. E nos casos em que há recorrência da sintomatologia, eu proponho a injeção de botox na musculatura extrínseca da laringe, apesar do resultado ser imprevisível.

Natasha - Ainda em relação a papilomatose respiratória recorrente, o senhor utiliza o laser de CO2?

Flint - Eu raramente utilizo o laser de CO2 para tratar papilomatose. Como eu já havia dito anteriormente, eu prefiro utilizar o microdebridador. E quando eu preciso utilizar o laser, minha opção é de utilizar o yag laser.

Comentários - Dra. Natasha Braga

A terapia gênica tem um futuro promissor na laringologia. A aplicabilidade clínica dessa modalidade terapêutica é alvo de diversos estudos experimentais e, na Laringologia, vem sendo proposta em lesões nervosas e neoplasias malignas.

A paralisia laríngea é uma afecção que pode determinar alterações das características mecânicas das pregas vocais, que resultam quase sempre em alterações das características sonoras da voz. O tratamento das paralisias unilaterais laríngeas visa o restabelecimento dessas propriedades. Para atingir tal objetivo, algumas cirurgias promovem a alteração do tecido da prega vocal, como injeção de substâncias nas pregas vocais, ou da arquitetura da laringe por meio da cirurgia do arcabouço laríngeo para medianizar a prega vocal sem interferir, no entanto, no processo de desnervação e reinervação. Por esse motivo, a terapia gênica na paralisia laríngea poderia ser indicada, porque, apesar da melhora funcional presente em 90% dos casos após cirurgia de medianização da prega vocal, ocorre a persistência de atrofia muscular pela desnervação, interferindo na tensão da prega vocal e resultando algumas vezes em qualidade vocal insatisfatória. Essa modalidade terapêutica poderia promover um melhor resultado cirúrgico, contribuindo com o processo de reinervação pela administração de genes de fatores neurotróficos.

De modo alternativo, a proteína terapêutica desejada, em vez do gene, pode ser administrada diretamente no organismo no tratamento coadjuvante de algumas afecções, como paralisia laríngea. Todavia, é limitada pela necessidade de administrações repetitivas dessas proteínas, resultando em alto custo. A vantagem da administração local de genes por meio da terapia gênica, principalmente no tecido muscular, representa a possibilidade do efeito desejável com doses pequenas, resultando em baixo custo, baixa toxicidade e expressão prolongada da proteína (fator de crescimento) em altas concentrações no local desejado, aumentando a eficácia do tratamento.

Um outro problema que enfrentamos hoje é o desenvolvimento de implantes para a injeção nas pregas vocais, tais como gordura, fascies musculares, colágeno. No entanto, nenhuma delas representa a verdadeira constituição das pregas vocais, resultando em prejuízo na viscoelasticidade do tecido, interferindo diretamente na capacidade vibratória. Então, se pudéssemos administrar um gene responsável pela produção desses constituintes específicos, como por exemplo, a fibronectina, o ácido hialurônico, fibromodulina, decorina, dentre outros, poderíamos promover o crescimento de algumas camadas das pregas vocais, como a lâmina própria, por exemplo. Sendo assim, conseguiríamos resolver os problemas de insuficiência glótica, sem acarretar prejuízo nas propriedades mecânicas das pregas vocais. Talvez este represente, no futuro, um procedimento mais eficaz do que os tratamentos que nós temos utilizado atualmente.

Em relação ao uso do microdebridador para o tratamento da papilomatose recorrente, este realmente é muito prático quando comparamos ao uso do laser de CO2, porque o tecido doente é rapidamente cortado, e ao mesmo tempo aspirado, evitando a disseminação da lesão. Como já foi comprovado em alguns estudos que o vírus está presente mesmo em locais sem os papilomas, talvez não devêssemos nos preocupar em provocar grandes e profundas ressecções para evitar a disseminação da doença. A terapia da papilomatose recorrente aparentemente está se tornando mais conservadora com o advento da terapia coadjuvante com antivirais. Esta tem sido também a mesma linha de tratamento já publicada em outras universidades, como a LICLA, em que se é utilizado também uma abordagem mais conservadora com o auxilio do tratamento complementar. Vale ressaltar que a dose do Cidofovir é inicialmente pequena, podendo ser aumentada nos casos mais agressivos, sem efeitos adversos. O tratamento ideal da papilomatose recorrente ainda é um assunto bastante controverso, porque nenhum tratamento garante a erradicação completa e definitiva da doença com a eliminação do vírus, principalmente nos casos mais severos, sendo que os mais utilizados atualmente são: o laser de CO2 e o microdebridador, associado ou não ao tratamento coadjuvante com antivirais.

Em relação ao uso de pequenas doses de botox para o tratamento da disfonia espasmódica, o Dr. Flint tem grande experiência e obtém excelentes resultados. Durante a aplicação da toxina botulínica, ele utiliza a eletromiografia, não somente para localização do músculo tireoaritenóideo, mas também em busca do que ele denomina de ponto alvo, que é aquele em que a atividade muscular parece ser maior, produzindo um som de maior intensidade. Neste ponto, ele injeta a medicação. Talvez essa aplicação direta do botox nesse ponto possibilite bons resultados com o uso de doses menores.

DR. PAUL FLINT - PROF. DO PROGRAMA DE RESIDÊNCIA DE OTORRINOLARINGOLOGIA E DIRETOR DOI CENTRO DE LARINGOLOGIA E DISTÚRBIOS DA VOZ, DO HOSPITAL JOHNS HOPICNS, EM BALTIMORE.

DRA. NATASHA BRAGA - DOUTORA EM OTORRINOLARINGOLOGIA PELA FACULDADE DE MEDICINA DA USP FELLOW EM LARINGOLOGIA NO HOSPITAL JOHNS HOPKINS (2000-2001)

 

 

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