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Artigo publicado no Caderno de Debates da RBORL:
Vol.69 ed.6 de Novembro-Dezembro em 2003 (da página 03 à 08)
Autor: Dr. Paulo Pontes
Entrevista
Dr. Charles Ford
Dr. Paulo Pontes - Qual sua opinião a respeito da Laringologia brasileira?
Dr. Charles Ford: Eu penso que a Laringologia brasileira está no mesmo nível da Laringologia americana. Eu estou muito familiarizado com os trabalhos desenvolvidos no Brasil. Entendo que a Otorrinolaringologia brasileira ocupa lugar de destaque na produção científica internacional. Por isso, eu me sinto muito à vontade discutindo estes tópicos, pois acho que nossos problemas são muito similares. Nós procuramos, hoje, estimular os colegas americanos para que viagem pelo mundo, participando destes congressos, pois é um excelente meio de trocarmos experiências e sabermos como anda a evolução da Laringologia fora dos Estados Unidos. Da mesma maneira, a Academia Americana de Otorrinolaringologia procura estimular os colegas internacionais para que participem dos congressos americanos e apresentem trabalhos mostrando suas experiências: Atualmente sou presidente da Associação Americana de Broncoesofagologia e estaremos organizando um evento internacional sobre reconstrução laringotraqueal e gostaríamos de ter a participação de colegas brasileiros em tão importante tema. Acho que nesta era moderna, é fundamental estarmos presentes e participando de todas as inovações e experiências que ocorrem ao redor do mundo.
Geraldo Sant'Anna - O senhor acredita que haverá grandes modificações nas tireoplastias?
Dr. Ford: Sim. Acreditamos que haverá ainda muitos refinamentos que aperfeiçoarão as técnicas cirúrgicas, os materiais usados, que definirão os princípios básicos anatômicos e funcionais destes procedimentos. Os estudos sobre os variados tipos de implantes e a substituição de tecidos com defeitos evoluem muito rapidamente. Atualmente, em Wisconsin, fazemos parte de um grande estudo multi-institucional, comparando os resultados da tireoplastia para medialização com as técnicas de reinervação usando a alça descendente de hipoglosso. A comparação é muito interessante, pois a reinervação é mais fisiológica, porém exige mais tempo para a recuperação, enquanto que, com a tireoplastia temos um resultado mais imediato. A reinervação já foi utilizada há muito tempo, com resultados muito difíceis de analisar pelas terapias concomitantes adotadas. Queremos avaliar estes resultados em períodos mais longos, entre 5 e 7 anos.
Geraldo Sant'Ànna - Você acredita em estimulação elétrica da laringe?
Dr. Ford: Sim, acredito que o "pacing" é promissor no tratamento da paralisia bilateral de pregas vocais. A estimulação é útil em dois objetivos: manter o tônus e a massa muscular, e também restaurar a função. A estimulação do cricoaritenoideo posterior (CAP) tem boa perspectiva, pois o músculo é mais volumoso.
Paulo Pontes Você acha que a substituição de tecidos será possível nestes próximos anos para o tratamento da cicatriz de prega vocal?
Dr. Ford: Eu penso que será possível alterar tecidos usando diferentes implantes biológicos. Ao contrário das tireoplastias e da injeção de teflon, estes implantes biológicos podem agir diretamente sobre a diferenciação tecidual, corrigindo suas alterações.
Comentários
Caderno de Debates - Como os senhores avaliam a participação dos especialistas estrangeiros no Triológico, em especial, a troca de experiências com o dr. Charles Ford?
Geraldo Sant'Anna: Acho que a primeira consideração importante é que o Congresso convidou um especialista renomado, e ele demonstra um conhecimento prévio sobre a Laringologia do Brasil. Isso nos deixa bastante felizes, pois ele sabe do trabalho dos laringologistas brasileiros. E outra coisa que chama bastante atenção é essa necessidade política que os americanos têm, agora, de sair de seu país para aprender com outros profissionais, de outras localidades, aprender com outros colegas do mundo inteiro, porque os Estados Unidos precisam disso para mostrar para o mundo que eles não estão fechados.
Paulo Pontes: A participação deles é muito importante para os nossos jovens médicos, que não têm oportunidade de visitar os outros centros, de verificar que o nível da Laringologia do Brasil se equipara a esses grandes centros. Quem assistiu às exposições, teve a oportunidade de obter informações sobre o caminho futuro da Laringologia; hoje, realmente, não há diferença significante entre o que é feito no Brasil e em outros países desenvolvidos. Na apresentação em que foram abordados avanços em Laringologia, foram citados trabalhos brasileiros e isso nos deixou bastante contentes, porque o Brasil está fazendo parte do cenário internacional. É de se frisar também que a geração nova de otorrinolaringologistas está vindo com uma formação diferente do que ocorria há alguns anos. Hoje, as melhores notas dos médicos residentes são dos alunos que procuram a Otorrinolaringologia. A otorrino passou a ser percebida pelos estudantes como a especialidade do progresso, do futuro, e que tem um campo de atuação muito grande. Os trabalhos aqui apresentados são frutos desse novo enfoque, dessa nova geração, de um pessoal que veio disposto a trazer a sua contribuição. Os caminhos sempre estiveram abertos. O que faltava eram pessoas para trilhá-los. Hoje, nós temos um contingente de jovens brilhantes, que poderá usufruir e impulsionar a Medicina como um todo e, especialmente, a Laringologia.
Geraldo: No aspecto científico, acho que a conversa foi muito interessante, no sentido de que algumas coisas a que ele se referiu na exposição podem ser esclarecidas um pouco mais agora. Como esse estudo, que vai ser feito com relação a reinervação da prega vocal, comparado com as tireoplastias, que é o tratamento cirúrgico de hoje, o tratamento usual. A reinervação foi colocada de lado, porque um autor conseguiu atingir um resultado muito bom, mas estes resultados nunca conseguiram ser reproduzidos por outro pesquisador. E esse estudo americano, fazendo uma comparação de técnicas, será um progresso muito grande.
CD: Como é realizado o processo de reinervação? Qual será o impacto dessa nova pesquisa que está sendo realizada em Wiscousin?
Geraldo: A reinervação consiste em reestimular a mobilidade da prega vocal que parou de mexer, por falta de estímulo nervoso motor chegando nela. Então, esse nervo pode ter sido seccionado ou afetado por uma doença inflamatória, por exemplo. O que se faz com essa cirurgia é pegar um outro nervo e colocar num pequeno fragmento neuro-muscular junto à prega vocal, para que através disso, ocorra uma enervação da prega vocal novamente. Então, esse estudo futuro deve trazer um impacto muito grande. O que ele fala, ficou muito claro, é da dificuldade em realizar esse estudo, já que, atualmente, com as técnicas usuais - tireoplastias - fazemos uma cirurgia na qual o paciente sai da sala de cirurgia com sua voz normal ou bem próxima do normal. Com a reinervação, há que se esperar seis meses para saber se vai funcionar ou não. Segundo a hipótese de trabalho do Dr. Ford, mesmo esperando, talvez, esse possa ser o melhor tratamento. Só a pesquisa vai responder.
Pontes: Do ponto de vista assistencial, no momento, o melhor é fazer a combinação da re-inervação, quando a desejarmos, com um tratamento de resultado imediato, como a aplicação de um produto que seja absorvido, enquanto se espera a restauração funcional.
CD: Essa restauração pode ser feita por um estímulo elétrico?
Geraldo: Essa foi outra pergunta que eu tentei colocar, no sentido de saber se ele acredita na estimulação elétrica da prega vocal paralisada. Existem trabalhos realizados, mas a estimulação unilateral de uma prega vocal está em fase inicial de estudos. Eu queria saber dele, se isso é uma nova alternativa para o futuro. Na paralisia bilateral já está definido. A unilateral ainda é uma pesquisa inicial. Sobre a bilateral, nós já trouxemos especialistas dos Estados Unidos para falar sobre isso. Dr. Ford acredita que o estudo ainda está muito incipiente, mas ele acha que, através do estímulo elétrico, pode-se manter o tônus do músculo. Um dos problemas é o músculo atrofiar durante o período em que ele está parado. Na tentativa de se manter esse tônus, é que se faria a estimulação elétrica. Ele acha que pode ser uma alternativa interessante.
CD: Ao invés de implantes nas cordas vocais, a tendência agora é a utilização de substâncias corretivas?
Geraldo: Ele falou de alguns materiais que podem ser injetados. Ele trabalha muito com colágeno, e outras substâncias que têm resultados interessantes, e que ele demonstrou durante congresso. Para medializar a prega vocal, podemos realizar a tireoplastia, que é uma cirurgia por via externa, ou injetar algum tipo de material, orgânico ou bio-compatível como o colágeno, que ele está utilizando bastante.
Paulo Pontes: Perguntei para ele sobre a substituição dos tecidos relacionados à engenharia dos tecidos. Ele acha que é um procedimento muito viável, e que, em linhas gerais, em pouco tempo, já comece a trazer resultados, utilizando-se substâncias que estimulem a regeneração dos mesmos.
CD: O sr. acredita que esta tendência da engenharia celular chegou para ficar?
Paulo Pontes: Eu acredito sinceramente nesta possibilidade. Existem vários grupos trabalhando no mundo, inclusive na Escola Paulista de Medicina, onde temos um pessoal que já consegue desenvolver dentes, a partir de célula-tronco. Eu acredito que a substituição de tecidos pela engenharia já é uma realidade e, em um futuro bastante próximo, estará no nosso dia-a-dia. Hoje, nós trabalhamos na tentativa de corrigir defeitos de tecidos que já existem, mas, muitas vezes, a genética nos impede de obter bons resultados, pois, direciona também para uma cicatrização inadequada.
Geraldo - Na prega vocal, isto é de extrema importância, porque, em condições específicas, há falha no desenvolvimento de algumas camadas das pregas vocais, prejudicando a vibração da mucosa, tão necessária para urna voz adequada. E por outro lado, em algumas cirurgias ocorrem cicatrizes que impedem a vibração com um impacto vocal muito grande. Através dessa engenharia de tecido, imagina-se restabelecer essa microanatomia, essa histologia adequada para que a prega vocal possa funcionar de forma correta novamente.
CD: O desenvolvimento do Projeto Genoma pode interferir de alguma forma nesse processo?
Paulo Pontes - São dois braços distintos numa mesma entidade, que é a terapia gênica. As alterações ou dificuldades na estruturação do quadro histológico das cordas vocais geralmente têm cunho familiar. Então, através do Genoma, poderemos determinar exatamente onde está o desvio da mensagem, que impede a formação do tecido adequado; a partir daí existe a possibilidade de corrigir o gene alterado. Seria como se estivéssemos diante de um tratamento transgênico. Este procedimento difere da obtenção de tecidos sadios a partir de células-tronco, onde não manipulamos a constituição genética da pessoa.
GERALDO DRUCK SANT'ANNA - PROFESSOR DA DISCIPLINA DE OTORRINOLARINGOLOGIA DA FUNDAÇÃO DA FACULDADE DE CIÊNCIAS MÉDICAS DE PORTO ALEGRE, RESPONSÁVEL PELO SETOR DE LARINGOLOGIA E VOZ DO SERVIÇO DE OTORRINOLARINGOLOGIA DO COMPLEXO HOSPITALAR SANTA CASA DE PORTO ALEGRE, DOUTORANDO DO DEPARTAMENTO DE OTORRINOLARINGOLOGIA DA UNIFESP-EPM, VICE-PRESIDENTE DA SOCIEDADE MÉDICA BRASILEIRA DE LARINGOLOGIA E VOZ, SECRETÁRIO DO DEPARTAMENTO DE DEFESA PROFISSIONAL DA SBORL.
PAULO PONTE - PROFESSOR TITULAR DE OTORRINOLARINGOLOGIA DA UNIFESP-EPM E COORDENADOR DO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM OTORRINOLARINGOLOGIA E CIRURGIA DE CABEÇA E PESCOÇO DA UNIFESP-EPM.