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Artigo publicado no Caderno de Debates da RBORL:

Vol.69 ed.5 de Setembro-Outubro em 2003 (da página 32 à 36)

Autor: Dr. Aldo Stamm Dr. José Eduardo Lutaif Dolci Dr. João Ferreira de Mello Júnior

Artigo

 Perspectivas futuras para a Rinologia


Dr. Aldo Stamm



Dr. José Eduardo Lutaif Dolci



Dr. João Ferreira de Mello Júnior


O desenvolvimento científico nos últimos 30 anos mudou a história da Medicina. As taxas de mortalidade adulta e infantil despencaram até mesmo nos países em desenvolvimento. Os avanços em tecnologia que proporcionam o surgimento dos novos equipamentos, medicamentos e exames estão levando à população uma melhor qualidade de vida e bem-estar.

Na área de Rinologia não foi diferente. Em todos os setores houve um desenvolvimento considerável nos últimos anos. As pesquisas básicas em rinossinusites e polipose, especialmente em biologia molecular, avançaram "drasticamente" nos últimos 10 anos. Na parte não-plástica da Rinologia, é importante lembrar do salto que houve nas cirurgias dos seios paranasais, através do uso do microscópio, em um primeiro momento, e depois na utilização do endoscópio. A entrada desses novos instrumentos levou também a um melhor conhecimento da anatomia e da fisiologia da região.

A tecnologia de ponta trouxe melhores resultados em intervenções cirúrgicas e no tratamento de várias doenças. Especificamente nas cirurgias nasossinusiais, a diferença, comparada com o que era feito antigamente, é muito grande, porque agora se busca uma cirurgia muito mais fisiológica.

No entanto, apesar de todos os avanços tecnológicos e científicos, muitas doenças inflamatórias e infecciosas continuam sem obter o resultado esperado com a cirurgia, porque outros fatores não-cirúrgicos contribuem para que isso não ocorra, principalmente fatores relacionados ao hospedeiro, ou seja, o paciente. Muito já foi feito pela ciência nos últimos anos. É verdade. Mas há muito ainda por fazer.

Para o otorrinolaringologista Aldo Stamm, ainda há muitas brechas na Rinologia que precisam ser completadas por estudos na área. "Os processos imunológicos, por exemplo, ainda não são bem esclarecidos", diz. Na parte inflamatória das doenças infecciosas dos seios paranasais, Aldo vê a necessidade de maiores avanços. "Posso destacar a polipose nasossinusal. Muitos trabalhos têm surgido, procurando uma busca etiológica da doença. Se nós descobrirmos a causa desse problema, no futuro, esses pacientes não vão necessitar de cirurgia." A introdução de antibióticos novos, corticóides e de outras substâncias que estão surgindo tendem a diminuir a indicação cirúrgica. "Teremos de analisar qual o custo benefício para o paciente. Se é melhor utilizar medicamento durante a vida inteira ou fazer a cirurgia", enfatiza o médico.

O uso do aparelho de endoscopia nas cirurgias também causou uma espécie de revolução, não só na área de Rinologia, mas na Medicina como um todo. A introdução dos endoscópios permitiu, na Rinologia, que muitas áreas que não eram atingidas fossem finalmente alcançadas. Também a entrada de novos instrumentos cirúrgicos, como pinças cortantes que preservam a mucosa normal e removem apenas a parte doente, foi fundamental para o cirurgião, que sustenta com uma das mãos o endoscópio e trabalha quase que exclusivamente com a outra. "Por isso, instrumentos que tem dupla função são bastante úteis na intervenção cirúrgica", aponta Aldo.

Outro avanço que precisa de ajustes é o referente à cirurgia com sistema de navegação, através de uma tomografia computadorizada pré-operatória. Durante o ato cirúrgico, esse recurso auxilia o cirurgião a ter uma localização mais precisa dentro do nariz. "A finalidade principal é tentar evitar complicações e fazer cirurgias mais radicais", comenta Aldo. Segundo o médico, houve um avanço importante, mas o grande problema é o custo elevado. "O custo beneficio desse aparelho ainda deixa muito a desejar".

Para Aldo, a entrada do computador na Rinologia mudou a filosofia do que se fazia anteriormente. "Possivelmente, com o passar dos anos, poderemos ter cirurgias computadorizadas e planejadas de uma forma muito mais rápida. Pode-se fazer uma cirurgia virtual e imaginar como o paciente vai ficar no futuro", afirma.

Aldo Stamm chama atenção para as tele-cirurgias, que fazem com que pacientes que não têm condições de ir a determinados centros de excelência, sejam operados em seu local de origem. Por via satélite, o médico manda as ordens para um outro profissional, que executa os movimentos. "Você pode, inclusive, adaptar um computador nos instrumentos e as ordens são dadas de qualquer centro", exemplifica. Apesar de já estar sendo realizada em alguns locais, o custo da cirurgia teleguiada é ainda muito elevado. Mas é uma das tendências verificadas para um futuro próximo.

As cirurgias relacionadas a tumores nasossinusais também estão avançando a cada dia. Elas possibilitaram o tratamento de doenças não infecciosas e não inflamatórias por meio do nariz. Os exemplos mais comuns são aqueles localizados na base do crânio. "Neste tipo de intervenção operatória, os instrumentos de alta precisão são muito importantes", diz Aldo. "Tumores localizados na base do crânio, defeitos congênitos ou traumáticos podem hoje ser abordados por dentro do nariz, sem a necessidade de uma intervenção cirúrgica aberta. Isso leva o paciente a uma morbidade menor e a um tempo menor de internação."

O especialista acredita que o futuro da cirurgia dos seios paranasais por endoscopia está mesmo relacionado com essas novas vias de acesso. "O nariz é uma excelente via de acesso a qualquer parte do crânio. Isso propicia ao paciente uma grande segurança. Como o tempo, problemas como infecções, reparações e defeitos serão menores".

Porém, a cirurgia endoscópica ainda tem muito o que evoluir. Mas também ainda vai conferir, por algum tempo, um espaço importante em inúmeras situações, como em casos congênitos, traumáticos e tumorais. "Nas situações de doenças inflamatórias e infecciosas pode haver uma diminuição, uma vez que se consiga tratar a causa disso, pois clinicamente responde melhor".

Um conhecimento mais abrangente em como tratar complicações ainda continua sendo um desafio importante. Aldo acredita que o desenvolvimento do Projeto Genoma trará significativas contribuições para as patologias, diminuindo doenças estabelecidas por problemas genéticos.

Na parte de pesquisa básica, segundo ele, ainda existe muito trabalho por fazer.

Os processos alérgicos no nariz e os novos rumos das Ciências Básicas

Uma das áreas onde esses avanços podem significar soluções está relacionada aos processos alérgicos no nariz. Sabe-se que o problema é genético. É preciso nascer com a capacidade para ser alérgico. Esse processo é responsável por cerca de 60% dos quadros inflamatórios nasais. Por causa disso, a ciência estuda hoje onde se pode atuar para que essa característica genética não desperte. Para o otorrinolaringologista, especializado em alergia, João Ferreira de Mello Júnior, já se comprovou que crianças que foram amamentadas até os 6 meses de idade tem um menor risco de desenvolver a doença, ou possui um quadro mais leve de alergia. "Nós temos de precisar qual o melhor momento para prevenir. Já no útero? Quando nasce?", questiona.

Mello afirma que outro foco de pesquisa importante é a investigação sobre o tecido epitelial. Segundo ele, é muito comum se pesquisar quais as células inflamatórias que chegam no nariz. "No entanto, no pulmão, já se descobriu que o processo inflamatório acaba levando a alterações estruturais irreversíveis. E essa alteração foi conseqüência do tecido epitelial", diz. Segundo ele, a ciência precisa responder qual o papel do epitélio. "Ao invés de tratarmos a inflamação pela célula inflamatória que chegou, por que não tratá-la em sua origem? Deve ter sido o epitélio que atraiu aquela célula", explica. Mello acredita que a idéia embutida nisso é a importância de se ter uma visão geral, mais abrangente, do nariz.

Outra questão que o João Mello coloca para o futuro responder é a agressão dos poluentes atmosféricos sobre o epitélio. E se isso está ligado ao aumento de doenças nasais, considerado um fenômeno mundial. Mello defende a tese de que a população em geral está menos exposta a agentes infecciosos do que no passado. "Hoje a criança come alimentos esterilizados industrialmente. Antigamente, estava mais exposta. Essa diminuição à presença de agentes infecciosos pode estar contribuindo".

O otorrinolaringologista acredita que essas respostas surgirão em breve, mas ele não crê em uma droga milagrosa. "Ainda vai demorar algum tempo, uns 10 a 15 anos. Para se ter um remédio milagroso, só se a droga conseguir impedir que todo o processo se manifeste".

Quanto a polipose, Mello acredita que a pesquisa está evoluindo rapidamente. Segundo ele, existem trabalhos que apontam que a polipose nasal estaria relacionada à presença de um quadro alérgico na via superior. "Alguns acreditam que a causa seja os fungos. Ainda não conseguimos provar essa ligação, mas alguns autores encontraram fungos e eosinófilos em todos os pacientes", comenta. Tratando o fungo, os médicos conseguiram resolver o problema.

O maior desafio nessa discussão é o descobrimento da causa da polipose. Com isso, as cirurgias ficariam restritas às complicações. "O caminho do processo imunológico da polipose está provavelmente relacionado à alergia. O foco é procurar qual é esse mecanismo alérgico envolvido".

Cirurgias minimamente invasivas: a longevidade em um processo menos agressivo

Ao relatar as novas perspectivas na Rinologia, a cirurgia da face não poderia ficar de fora da discussão. Afinal, é uma das áreas onde o avanço da tecnologia se mostra evidente. A cirurgia plástica mudou muito nos últimos anos. A técnica passou a ser mais acessível à população de poder aquisitivo mais baixo e, com isso, vem mudando o perfil do envelhecimento. Junta-se a isso, o desenvolvimento da indústria de cosméticos.

Hoje existem formas de minimizar o envelhecimento, principalmente com substâncias que provocam maior elasticidade e consistência da pele. Para o otorrinolaringologista José Eduardo Lutaif Dolci, é necessário caminhar, no futuro, para algo que impeça a flacidez muscular. "Hoje temos o uso indiscriminado do botox, uma substância que tem sua utilidade, mas que acabou banalizada, pois estão fazendo aplicações até em institutos de beleza", enfatiza.

Quanto às investigações científicas, Dolci acredita que ainda há muitas lacunas no tocante à pesquisa básica para o entendimento dos processos de envelhecimento da pele, particularmente no que diz respeito aos otorrinolaringologistas. "Atualmente quem está trabalhando mais com isso é o dermatologista", afirma. Na opinião de Dolci, se os otorrinos estão interessados em trabalhar com o retardo do envelhecimento deveria se pesquisar mais sobre como evitar que isso aconteça. "A idéia é que se encontrem medicamentos capazes de impedir o desgaste de músculos da pele. Evitar exposição demasiada ao sol, e usar protetor são fatores, preventivos. Deve haver mais coisas, além disso".

O especialista lembra que, há 8 anos, houve um intenso marketing que destacava o uso do laser como a solução para o envelhecimento, que daria origem a uma neoformação de tecidos da pele. "Com o passar do tempo, fomos vendo que não era bem assim", diz. "Hoje temos no mercado aparelhos com lasers menos agressivos, que talvez tragam benefícios, mas imagino que essa não seja a solução". Dolci lembra que atualmente usa-se menos de 10% dessa tecnologia, do que se usava há alguns anos.

Já os produtos de preenchimento com substâncias biológicas, absorvíveis e não absorvíveis, vieram para ficar, em sua opinião. "Até conseguimos uma maneira de controlar a flacidez muscular através do preenchimento. Isso tem retardado, em muito, os procedimentos cirúrgicos. Estamos operando menos pessoas do que se operava há 10 anos".

Com o avanço nessa área estética, Dolci acredita que o futuro da cirurgia plástica para o otorrinolaringologista vai estar ligado aos traumas de face. "Como aumento do número de carros, mais e mais acidentes vão aparecer". O médico considera também que haverá, no futuro próximo, uma diminuição dos procedimentos "macros". Ele exemplifica com o caso da frontoplastia. "Antigamente se fazia uma grande incisão. Hoje, apenas alguns cortes de um centímetro. Teremos no futuro incisões menos invasivas, mas com melhores resultados". Portanto, vale a pena acompanhar de perto a franca evolução da Rinologia!

DR. ALDO STAMM - CHEFE DO SERVIÇO DE ORL Do HOSPITAL EDMUNDO VASCONCELLOS, EM SÃO PAULO. E MESTRE E DOUTOR EM ORL PELA UNIFESP.

DR. JOSÉ EDUARDO LUTAIF DOLCI - PROFESSOR-ADJUNTO DO DEPARTAMENTO DE ORL DA SANTA CASA DE SÃO PAULO. E MESTRE E DOUTOR PELA UNIFESP.

DR. JOÃO FERREIRA DE MELLO JÚNIOR - OTORRINOLARINGOLOGISTA E ALERGISTA. É PROFESSOR-ASSISTENTE DA FACULDADE DE MEDICINA DA UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO. É DOUTOR PELA USP.

 

 

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