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Artigo publicado no Caderno de Debates da RBORL:

Vol.69 ed.4 de Julho-Agosto em 2003 (da página 14 à 18)

Autor: SINTONIA

Reportagem

 A atuação do Otorrinolaringologista no tratamento das Fissuras Labiopalatais


Pré-tratamento



Pós-tratamento


Milhares de crianças, no Brasil e no mundo, nascem todos os anos com lábio leporino, fissura congênita que resulta da falta de fusão dos tecidos e músculos da região oral. A anomalia é um dos defeitos genéticos mais comuns entre a população mundial. No Brasil, para cada 650 crianças que nascem, uma apresenta a má formação. Nos Estados Unidos, a freqüência cai para um a cada 700 indivíduos. Segundo estatísticas mundiais, os países da Ásia e da América Latina apresentam uma maior incidência.

O otorrinolaringologista é um dos profissionais que dão apoio ao tratamento da patologia. Para isso, ele precisa contar com uma estrutura complexa, formada por especialistas de outras áreas como o cirurgião-plástico, pediatra, ortodontista, fonoaudiólogo,l geneticista, psicólogo e assistente social. Neste trabalho multidisciplinar, o otorrinolaringologista deve acompanhar o tratamento desde o seu início, que geralmente ocorre já com o nascimento do bebê, ainda na maternidade.

Em conseqüência da abertura palatal, no primeiro aleitamento, pode haver uma contaminação com o leite materno, que termina penetrando na orelha média, por meio da tuba digestiva. O processo pode ocasionar a primeira otite média. O otorrinolaringologista deve acompanhar o bebê para analisar a tendência de ocorrências precoces de otites médias e retração timpânica. Esses são os problemas mais comuns enfrentados na área da ORL a respeito da fissura labial e palatal. "Pela má ventilação dos ouvidos médios, o paciente está propenso a infecções repetidas ou a uma atelectasia do ouvido médio", explica o otorrinolaringologista Gilberto Gattaz, responsável pelo setor de ORL do Hospital dos Defeitos da Face, em São Paulo. "Em face do sério distúrbio de ventilação da orelha média, a membrana timpânica sofre um processo paulatino de retração, podendo ocasionar, a médio prazo, o colabamento da orelha média." Além dos riscos de infecções, ainda existe a possibilidade do incremento da deficiência auditiva para esses pacientes. Essa tendência ocorre por causa da alteração da membrana do tímpano e dos ossículos. Mais de 80% dos pacientes desenvolvem problemas de ouvido médio.

O especialista do Hospital dos Defeitos da Face chama a atenção para a importância do trabalho otorrinolaringológico na enfermidade: "Mesmo após a cirurgia de fechamento do palato, os ouvidos vão continuar a sofrer de problemas de ventilação se não houver uma atuação do profissional". Nesta situação, existe a necessidade do otorrinolaringologista de fazer uma correção cirúrgica para colocar o tubo de ventilação das membranas do tímpano, com o intuito de equalizar as pressões para aliviar uma força negativa dentro do ouvido médio. Esses tubos, freqüentemente de longa permanência, alerta o médico, deverão ser trocados alguns anos depois.

Gattaz diz que em alguns casos pode-se combinar numa cirurgia de palatorrafia, a colocação do tubo de ventilação, numa operação conjunta, de duas especialidades. "Por isso a interação é fundamental entre as especialidades para lidar com a fissura labiopalatal."

Entre esses profissionais, o otorrinolaringologista destaca o trabalho do fonoaudiólogo, que vai buscar melhorias nos distúrbios de linguagem verificados nos pacientes fissurados. Por causa do escape aéreo, que existe pela rinofaringe, a pessoa tende a falar com dificuldades, com o som saindo "lanho"(rinolalia aberta). "A terapia fonoaudiológica é importante até mesmo para melhorar as condições para uma futura cirurgia, a faringoplastia", declara.

Como conseqüência da cirurgia para o fechamento da fissura labial, é comum a ocorrência de seqüela, como a diminuição da entrada para a fossa nasal. Além disso, é bastante comum que essas crianças venham apresentar um desvio no septo nasal, agravando-se o quadro de obstrução nasal. Esse problema também deverá ser corrigido pelo otorrinolaringologista. "Em parceria com o cirurgião plástico, deve-se retificar o septo nasal, e reconstruir-se uma abertura mais alargada, para permitir que a criança respire normalmente." Além do desvio no septo e das conseqüências das otites, essas crianças serão mais suscetíveis à sinusites, o que se presume, mais uma atuação do especialista em ORL. Gattaz alerta: "Quanto mais precoce forem adotadas as medidas necessárias, melhor vai ser o desenvolvimento da criança e o resultado funcional do tratamento."

Para se especializar no assunto, o profissional médico pode procurar cursos na área, como os que são ministrados no Hospital de Reabilitação de Anomalias Craniofaciais, da Universidade de São Paulo, conhecido popularmente como Centrinho. O complexo multiprofissional é especializado no tratamento das fissuras labiopalatais, deformidades do crânio e da face e deficiências da visão, audição e múltiplas. O hospital está localizado em Bauru, no interior de São Paulo. O curso de Anomalias Congênitas Labiopalatais, por exemplo, ocorre desde 1994. No início de agosto deste ano, foi ministrado o 37.° curso. As aulas já passaram por diversas mudanças em sua estrutura, com o objetivo de atender às necessidades do público participante. Antes da 35.ª edição, o curso era conhecido como Curso de Malformações Congênitas Labiopalatais. Profissionais e estudantes de todo o Brasil participam do curso, que é dividido em dois módulos, um em março e outro em agosto. O curso é pré-requisito para solicitação de estágios no Centrinho e início da formação do pós-graduando da instituição, ligada à Universidade de São Paulo (USP).

As aulas compreendem as várias especialidades que devem trabalhar em conjunto no trato das fissuras labiopalatais. Para o ortodontista Ornar Gabriel da Silva, responsável pelo setor de ortodontia no Centrinho, é importante que o médico tenha um conhecimento global da doença, para tratar da anomalia. Ele também chama a atenção para a importância de uma equipe básica para o atendimento. "É uma terapia interdisciplinar, por isso todos os especialistas têm de estar entrosados e bem preparados."

Em seu trabalho específico, o cirurgião ortodôntico atua junto a criança, a partir dos 6 anos de idade. "Por cause das cirurgias por que passam, muitas operações acabam comprometendo o crescimento normal da maxila e da posição dos dentes", diz. Para corrigir o problema, é necessária a utilização de aparelhos ortodônticos específicos.

No Centrinho, uma das referências no tratamento da doença em termos de América Latina, o atendimento pode ser feito pelo Sistema único de Saúde (SUS). Já no Hospital dos Defeitos da Face, o atendimento, em sua maioria, é particular.

ASSISTENCIALISMO

A entidade Centro de Amparo e Proteção à Infância São Francisco, de São Paulo, uma Organização Não-Governamental (ONG), realiza um trabalho de apoio aos pais de filhos com fissura labiopalatal. Quando a criança nasce com a anomalia, a própria maternidade entra em contato com a instituição para que a ONG providencie um encaminhamento para o Centrinho de Bauru. "Todo o tratamento, implantes, cirurgias e atendimento ortodôntico é feito através do SUS, para as pessoas que não possuem recursos", afirma Vânia Eustáquia Ferreira Lima, que participa dos trabalhos da entidade. "Também providenciamos alimentação e transporte para as pessoas mais carentes, com a finalidade de não interromper o tratamento."

Para que a criança se sinta inserida na sociedade, a ONG promove um trabalho de recreação no Colégio Emilie de Villenueve, uma escola particular da zona sul de São Paulo que cedeu o espaço especialmente para o trabalho voluntário. "É importante integrarmos a criança fissurada na sociedade. Ela se sente muito restringida pela aparência estética da doença." Por causa desse aspecto, Vânia conta que existe um número grande de casos de pais que abandonam a criança na maternidade. "Por isso posso trabalho de conscientização dos pais é muito importante. Eles precisam saber que hoje a tecnologia disponível poderá deixar a criança quase sem seqüelas", enfatiza.

Vânia conviveu com a anomalia há 15 anos, quando seu filho nasceu com o problema de fissura labiopalatal. Após passar por 16 cirurgias, ela diz que o jovem tem uma aparência ótima. "Não dá para notar que havia a fissura. Hoje ele tem uma vida normal."

CAUSAS

As fissuras aparecem geralmente entre a 4.ª e a 12.ª semana de gestação, podendo variar em unilaterais ou bilaterais. A ciência ainda não comprovou as causas efetivas da anomalia. Uma linha de pesquisa considera que as causas são multifatoriais, ou seja, uma combinação de fatores genéticos e ambientais.
Entre as causas que podem aumentar a probabilidade do nascimento de um bebê com fissuras labiopalatais estão a ingestão de drogas, a epilepsia, infecções viróticas, estresse, fumo, consumo de álcool, realização de raio X na região abdominal, ingestão de medicamentos como anti-convulsantes ou corticóide, durante o primeiro trimestre da gestação. Doenças contraídas durante esse período como rubéola, toxoplasmose e diabetes também podem contribuir. Pesquisas mostram que a incidência da anomalia é maior entre crianças do sexo masculino.

Está comprovado também que a incidência é maior em famílias com um histórico da doença. Para pais normais, a probabilidade é de 0,1 % de ter um filho com lábio leporino. No caso de um dos pais com a fissura, essa porcentagem aumenta para 4%. Com um dos pais com a presença da fissura, que já tiveram um filho com a anomalia, a probabilidade de ter outro filho com a anomalia atinge 15%.

REPORTAGEM ELABORADA PELA SINTONIA

 

 

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