Caderno de Debates (Suplementos)

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Artigo publicado no Caderno de Debates da RBORL:

Vol.69 ed.3 de Maio-Junho em 2003 (da página 27 à 34)

Autor: CECIL CORDEIRO RAMOS, JANAÍNA DE ROSSI, FLÁVIA LIRA DINIZ, CARLOS A. CAROPRESO, JOSÉ R. JURADO, PERBOYRE L, SAMPAIO

Artigo

 Documentação fotográfica em pacientes submetidos a cirurgia plástica facial

Introdução

Tão importante quanto a avaliação clínica e exames complementares, a documentação fotográfica consagrou-se como uma ferramenta imprescindível para análise e acompanhamento de pacientes, em especial daqueles submetidos a cirurgias plásticas faciais. Em alguns casos, como nos estudos dermatológicos, a documentação fotográfica mostra-se tão eficiente no diagnóstico quanto o exame direto das lesões (14). Na cirurgia plástica facial, a documentação fotográfica é importante Ente de auxilio na demonstração dos reais problemas estéticos do paciente (9,12,13,14), além de ser uma ferramenta muito eficaz na aplicação de cálculos cefalométrico e perfilométricos (6,11,13,15); no planejamento pré-operatório, na confecção de estudos computadorizados, no controle pré e pós-operatório e na formação de um arquivo d imagens para as mais diversas funções (1).

Segundo Wall e colegas(14), a maioria dos pacientes que irão submeter-se à cirurgia plástica facial, identificam a documentação fotográfica como- parte do processo cirúrgico, e consideram que há um aumento significativo de seu conforto e confiança quando o planejamento é feito sob imagens coletadas.

No entanto, pela facilidade com que, ao realizarmos o "Click", conseguimos uma imagem, em especial, nas cada vez mais populares máquinas digitais(4), e pelo fato de poucas pessoas se aprofundarem no assunto, observamos uma enxurrada de fotos com péssima qualidade, mesmo em revistas médica consagradas, abundando em erros básicos de técnica e planejamento fotográfico.

Por pura curiosidade, e sem maior rigor técnico, analisamos randomicamente 13 fascículos da Revista Brasileira de Otorrinolaringologia, entre os anos de 1999 a 2002, coletando 10 artigos onde foram incluídas: documentações fotográficas de rostos de pacientes, por diferentes motivos, perfazendo um total de 48 fotografias. Na análise destas fotos, observamos falta de padronização do fundo utilizado, sendo que 22 fotos foram feitas com fundo claro, 7 com fundo cinza e 19 com fundo escuro. Observamos, ainda, 40 fotos com erros de iluminação, 27 fotos com erro na escolha da objetiva e 39 fotos com erro de padronização. Até mesmo em artigos internacionais voltados para este assunto, observamos diferentes fundos em um mesmo trabalho (1,5,7) e erros básicos de posicionamento da câmera, produzindo fotos rodadas e fora de centro (7). Este fato provavelmente se deve a pouca divulgação de normas técnicas nas mais diversas formas de mídia.

Frente a esta situação, pareceu-nos interessante realizar uma revisão da literatura médica sobre o assunto, comparando-a com nossa experiência, visando sugerir melhores regras e normas, que possam servir como guia para uma melhor documentação fotográfica, bem como para esclarecer algumas dúvidas ainda pendentes sobre as vantagens e desvantagens da documentação fotográfica digital e sua validade médico-legal.

Revisão Bibliográfica

São quatro os fatores que determinam o resultado final de uma produção fotográfica: a luz, o modelo, seu ambiente e o equipamento fotográfico. Ao contrário do que pudesse parecer, não são as determinantes técnicas que mais causam discordância entre os autores, mas aquelas que envolvem escolhas e preferências individuais.

O tópico que menos apresenta divergência na literatura é aquele referente ao equipamento fotográfico. Muitos autores afirmam que, para uma adequada documentação fotográfica de face, o ideal é utilizar uma câmera fotográfica SRL(3,7), ou seja, onde a visão do objeto a ser fotografado se dá pela objetiva, e não por um visor paralelo a esta, evitando-se assim o erro de paralaxe (14,16).

As objetivas ideais devem ter entre 80 e 110 mm de distância focal ou desvio da objetiva (3,5,8,12,16). Estas objetivas são ideais por formarem imagens próximas daquelas focadas pelo olho humano, permitindo manter uma distância mínima de 1,5m entre o observador e o motivo (8). Esta distância diminui possíveis distorções causadas pelas objetivas.

Já o corpo da câmera fotográfica, irá determinar o tamanho da película ou filme a ser utilizado, ou mesmo se a imagem será digital ou não. Quanto maior o formato do corpo da câmera, maior será a película e melhor será a imagem final, com o inconveniente do preço do equipamento aumentar em escala logarítmica.

A maioria dos autores concorda em afirmar que uma câmera fotográfica de formato 35mm, mecânica ou automática, é mais que suficiente para fotos documentais (3). Observe-se que a determinação "35mm" das câmaras não diz respeito à objetiva, mas ao tamanho da película fotográfica utilizada. Caso esteja disponível uma iluminação ideal, os filmes devem ser sempre de baixa sensibilidade (ASA ou ISO menores que 100), por apresentarem resultados com melhor definição e menor granulação nas imagens (14 ).

A iluminação ideal é sempre a indireta que, diferentemente da luz chapada direta de um flash, permite manter os diferentes níveis de iluminação de um objeto tridimensional, como o rosto humano, valorizando sua profundidade e sombras naturais (7,8). Uma ampla janela pode fornecer uma iluminação indireta mais que suficiente, embora, na literatura, a maioria dos autores prefira luzes indiretas de diferentes origens e ângulos (3,7,12).

Muitas vezes, estará disponível, para produção de iluminação artificial, apenas uma câmara fotográfica com um estrobo embutido ou acoplável. Nesta situação, a limitação técnica pode ser contornada por meio de um difusor sobre o flash e pela adaptação da posição da câmara. Uma folha branca de papel sulfite sobre o flash é mais que suficiente para reduzir o efeito "chapado" de uma única fonte de luz. Posicionar o, flash do lado de maior interesse do objeto irá diminuir o efeito de sombra, que será produzida do lado de menor interesse do objeto a ser fotografado (12).

Quanto ao fundo a ser utilizado, as discordâncias são maiores. Embora vários autores concordem que o fundo azul claro seria ideal (3,5,7,8,12,14), nenhum fornece uma explicação clara para esta escolha. Interessante ainda notar que, nestes mesmos artigos em que tais autores mencionam este tipo de fundo, encontramos fotos com fundo branco e fundo escuro, incompatíveis com o fundo azul claro (8,12,16).

Outros autores ainda preferem fundos negros ou escuros, que apresentam a característica de contrastar melhor com alguns tipos de pele, e impedir a formação de sombras caso a iluminação não seja ideal (3). Outros ainda preferem ainda fundo branco ou claro, por ser o que mais contrasta com qualquer tipo de pele (16).

Na tentativa de determinar a preferência de profissionais envolvidos neste tipo de análise, solicitamos a 40 cirurgiões de face, por meio de amostras fotográficas, que escolhessem, entre fundo branco, cinza claro, azul e preto, qual serviria melhor de moldura para o rosto humano em suas principais tonalidades de pele (claro, moreno e negro). Em fotos coloridas, o fundo cinza claro não se mostrou ideal para nenhum tipo de pele, em especial nas pessoas de pele clara e negra, onde o pequeno contraste entre o fundo e a pele não valoriza o contorno facial.

No entanto, não houve unanimidade entre os outros fundos, em especial entre os fundos branco e azul. Por outro lado, quando a fotografia era revelada em preto e branco, o fundo azul tornava-se cinza, o que fez com que a preferência dos profissionais a recaísse significativamente sobre o fundo branco, com 46,7% para os casos de pele clara, 60% para os casos de pele morena e 80% para os casos de pele negra.



Figura 1. Visão frontal da face com a cabeça em posição anatômica.



Figura 2. Perfil da face, em posição anatômica, orientada pela linha de Frankfourt.


Sobre a posição do modelo fotográfico, as divergências entre os autores são pontuais. Praticamente todos são unânimes em afirmar que o segmento cefálico deve estar em posição anatômica, com a rotação ântero-posterior orientada pela linha de Frankfourt (Fig. 1), ou seja, uma linha horizontal que passe pelo Tragus e tangencie o rebordo orbitário inferior (5-,12). Deslocamentos da posição desta linha levam a desvios ântero-posteriores do segmento cefálico, causando supervalorização dos terços superiores e inferiores do rosto.

Para qualquer tipo de abordagem estética facial, uma mínima documentação fotográfica deve conter uma imagem de frente, com boca fechada, olhos abertos, cabelo preso e perfil bilateral com as mesmas condições (Fig. 2). O meio perfil, embora não seja utilizado para análises perfilométricas, é muito útil para uma análise geral do rosto (Fig. 3). Para esta tomada, alguns autores preferem localizar a ponta do nariz na linha pupilar (8). No entanto, pela pouca precisão deste parâmetro no momento da fotografia, autores como Wall e colegas(14) e Zarem(16) preferem realizar esta tomada com a ponta do nariz tangenciando a linha lateral da face. Especificamente para cada caso, algumas posições podem ser acrescentadas.

Na análise para rinoplastias, além das posições já mencionadas, costuma-se acrescentar a posição mento-naso para análise da base do nariz (Fig. 4), onde a ponta do nariz deve tangenciar uma linha imaginaria que passe pelo canto interno dos olhos(8,12,16).
Na análise para otoplastias, costuma-se acrescentar a posição de costas com o cabelo preso (3) (Fig. 5) e a posição mento-naso, quando as orelhas devem estar na mesma linha de observação do mento (Fig. 4), sendo que esta posição ressalta o aspecto de abdução das orelhas. Pode-se, ainda, em casos específicos, realizar tomadas em dose para mostrar possíveis alterações que devam ser documentadas (3).



Figura 3. Meio perfil da face.



Figura 4. Visão mento-naso para análise da base alar do nariz e da abdução das orelhas.



Figura 5. Visão posterior do segmento cefálico em posição anatômica.



Figura 6. Close do terço médio da face.



Figura 7. Close do terço médio da face com o paciente olhando para cima.



Figura 8. Close em perfil do terço médio da face.


Na análise de blefaroplastias, acrescenta-se um dose do terço médio da face (Fig. 6), bem como tomadas de frente e perfil (Fig. 8) com olhos fechados e olhando para cima (Fig. 7), o que faz sobressair possíveis bolsas de gordura da região infra-orbitária (8). Idéia semelhante é adotada pelos autores na análise para Ritidoplastias ou outros procedimentos que envolvam mudança no caráter da pele do paciente, como aplicação de Toxina Botulínica ou Peeling. Nesses casos, autores sugerem tomadas que ajudem a avaliar a atuação da musculatura da mímica facial, pedindo que o paciente dê um sorriso ou enrugue a testa (7).

No que tange ao valor legal de um documento fotográfico, seu mérito não é claramente contemplado em nossos Códigos Legais. Sua validade dependerá da aceitação pelas partes, ou da decisão judicial, geralmente baseada na opinião de peritos.

Assim, tanto fotos em negativo como arquivos digitais podem ser aceitos, ou não, como provas documentais. Alguns autores como Chavez e colegas (2) sugerem que arquivos de imagem devam ser acompanhados de alguma forma de assinatura e consentimento por parte do paciente. Uma hipótese seria imprimir o arquivo de imagem e anexá-lo a autorização de arquivamento e utilização de imagem, que todo médico deve providenciar junto a seu paciente (2).

Caso o arquivo de imagem seja uma manipulação computadorizada, com o objetivo de prever um resultado cirúrgico, este não deve ser entregue voluntariamente ao paciente (2,9,10). Isto porque, poderá ser utilizado em uma contenta judicial, já existindo jurisprudência em outros países, que dão direito ao paciente de solicitar a seu médico qualquer imagem sua, a qualquer momento, mesmo as modificadas por computador ou outras técnicas, tornando crime o ato de apagar uma imagem sem a autorização do modelo (2).

Discussão e Comentários

É fundamental que se tomem mínimos cuidados na produção de arquivos de imagem, em especial, nos casos de pacientes a serem submetidos a algum procedimento estético facial, não apenas pela utilização direta por parte do cirurgião, mas, também, pelo fato deste arquivo poder tornar-se uma prova judicial.

As imagens devem ser coletadas por meio de equipamento que produza um resultado óptico semelhante a uma câmera fotográfica SRL 35mm, com objetiva entre 80 e 110mm e iluminação indireta, que permita o uso de um filme de baixa sensibilidade. O fotógrafo deve estar a uma distância mínima de 1,5m do modelo, na mesma altura que este, que deve estar em posição anatômica, com o segmento cefálico orientado pela Linha de Frankfourt, preferencialmente sobre fundo claro, especialmente, nos casos de reprodução em preto e branco.

Não é objetivo deste trabalho revisional estabelecer uma conduta final da melhor maneira de se documentar o rosto humano, mas acreditamos que os parâmetros aqui expostos possam servir de guia para situações onde nenhuma conduta padronizada estava em uso.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

1. BECKER DG, TARDY ME Jr; Standardized photography in facial plastic surgery: pearls and pitfalls; Facial Plast Surg 1999; 15(1):93-9
2. CHAVEZ AE, DAGUM P, KOCH RJ, NEWMAN JP; Legal Issues of Computer Imaging in Plastic Surgery: A Primer; Plast. Reconstr. Surg.1997;100(6):1601-1608
3. DIBERNARDO BE, ADAMS RL, KRAUSE J, FIORILLO MA, GHERADINI G; Photographic Standards in Plastic Surgery; Plast. Reconstr Surg.1998;101(2):559-568
4. GALDINO GM, SWIER P, MANSON PN, VANDER KOLK CA; Converting to digital photography: a model for a large group or academic practice; Plast Reconstr Surg 1000 Jul; 106(1): 119-24
5. HILGER PA, WEBSTER 1tC, HILGER JA, SMITH RC; A Computerized Nasal. Analysis System; Arch Otolaryngol 1983; 109:653-661.
6. LARRABEE WF Jr, MAUPIN G, SUTTON D; Profile analysis in facial plastic surgery; Arch Otolaryngol 1985 Oct; 111(10):682-7
7. MORELLO DC, CONVERSE JM, ALLEN D; Making Uniform Photographic Records in Plastic Surgery; Plast Reconstr Surg 1977;59(3):365-372
8. MENEGHINI F; Clinical facial photography in a small office: lighting equipment and technique; Aesthetic Plast Surg 2001, 15:299306
9. NACHBAR JM; Computer Imaging/Surgical Simulation Plast Reconstr Surg 1997 100(1):1905-6
10. PAPEL ID, JLANNETTO DF; Advances in computer imaging applications in " plastic surgery; Facial Plast Surg 1999;15(1):119-15
11. PSILLAKIS JM. Perfiloplastias. Anais do XIII Congresso Brasileiro de Cirurgia Plástica. 1984.
12. STAFFEL JG. Photo Documentation in Rhinoplasty; Facial Plast Surg 1997, 13(4):317-331
13. TARDY ME Jr, DAYAN S, HECHET D; Preoperative rhinoplasty: evaluation and analysis; Otolaryngol Gin North Am 2002 Feb; 35(1):1-17
14. WALL S, KAZAHAYA K, BECKER SS, BECKER DG; Thirty-five millimeter versus digital photography: comparison of photographic quality and clinical evaluation; Facial Plast Surg 1999;15(2):101-9
15. ZANINI SA, SOUZA AM. Perfiloplastias. In: MÉLEGA, ZANINI, PSILLAKIS: Cirurgia Plástica - Reparadora e Estética. São Paulo: Medsi, 1941. 611-6
16. ZAREM HA; Standards of Photography; Plast. Reconstr. Surg. 1984; 74(1):137-146.

CECIL CORDEIRO RAMOS - FORMADO PELA FACULDADE DE MEDICINA DE BOTUCATU - UNESP, RESIDENTE DE OTORRINOLARINGOLOGIA PELA FMUSP, PÓS-GRADUANDO EM DOUTORADO PELA FACULDADE DE MEDICINA DA USP CO-AUTORES: JANAÍNA DE ROSSI, FLÁVIA LIRA DINIZ, CARLOS A. CAROPRESO, JOSÉ R. JURADO, PERBOYRE L, SAMPAIO

 

 

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