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Artigo publicado no Caderno de Debates da RBORL:
Vol.68 ed.2 de Março-Abril em 2002 (da página 10 à 15)
Autor: DR. EVERARDO COSTA
Entrevista
DR. EVERARDO COSTA (EC)
ENTREVISTA
DR. ALBERTO MUDELMANN (NA)
EC - Por que o otorrinolaringologista deve conhecer os seis boletins do Comitê Nacional de Ruídos e Conservação Auditiva?
AN - Estes boletins foram elaborados por membros da SBORL, SOB e outras entidades convidadas e deram embasamento às modificações surgidas em toda legislação trabalhista e previdenciária do País, o que resultou numa melhoria na legislação vigente.
EC - Na interface do ORL com a medicina do trabalho, o otorrino precisa conhecer o teor da portaria 19, que certamente é a lei que dá as diretrizes do acompanhamento ocupacional.
AN - Nesta portaria, introduzimos critérios de piora auditiva, programas e toda parte de acompanhamento ocupacional que estava dispersa e não estava sistematizada na legislação. A partir disto, houve uma sistematização para este acompanhamento todo que vai servir de diretriz tanto para o ORL ocupacional quanto para o médico do trabalho.
EC - Esta sistematização determina até quem pode fazer estes exames, como eles devem ser apresentados, formatados, de uma maneira sistemática que permita que eles possam ser comparados, que o exame de um serviço seja comparado com o de um outro, que um exame de um dia seja comparado com o de um outro dia... Foi um documento muito bom, muito claro, que resolveu um problema de 30 anos de discussão. Esta portaria foi publicada em 9/4/1998 e é aplicada a profissionais do Brasil todo.
Na interface do ORL com a previdência social, é importante que o otorrino conheça alguns artigos da lei 8213 e todo decreto que a regulamentou, que é o 3048 de 1999.
A lei 8213 regulamenta a Previdência Social. O decreto 3048 regulamenta a sua execução. Paralelamente, também, existe uma ordem de serviço interna do INSS, chamada Ordem de Serviço 608 que é muito didática, muito aplicativa, que o ORL precisa conhecer, porque envolve questões como incapacidade ao trabalho em função de doenças otorrinolaringológicas.
AN - Tudo tem sua gênese no fato de a Previdência se dar conta de não ter condições, do ponto de vista otorrinolaringológico, de analisar todas as incapacidades nesta área, no Brasil inteiro, por não dispor de uma rede de ORL para abarcar toda esta massa. Então criou uma sistematização, através de ordens de serviço e decretos de regulamentação, para que isso, orientando o especialista, pudesse auxiliar o perito da Previdência na sua condição de analisar o caso do ponto de vista previdenciário.
EC - Com as recentes alterações na Previdência Social esta lei se flexibilizou, passou a ser menos observada?
AN - Pelo contrário! Onde não havia nada, hoje existe alguma coisa! Onde havia um cipoal de leis e decretos, hoje temos uma sistemática bem organizada. Hoje dá para atuar. Dez anos atrás era impossível. Hoje temos informação suficiente e uma legislação mais clara. Antigamente havia o absurdo de haver uma conduta no Norte, Nordeste do ponto de vista previdenciário diferente da do Sul. Hoje temos uma conduta coesa, unificada.
EC - Esses dois corpos legislativos, tanto do trabalho quanto da previdência, representam um grande avanço da nossa legislação na década de 90.
AN - Outrora, inclusive, eram antagônicos! Existia uma legislação que colidia a trabalhista com a previdenciária. Agora, são complementares. Para entender melhor a situação, acontecia de uma pessoa ser considerada incapaz do ponto de vista trabalhista mas não do previdenciário. Hoje este absurdo foi retirado da legislação e existe um trabalho paralelo sinérgico.
EC - O otorrino precisa conhecer o decreto 3248, que trata da inserção social da pessoa portadora de deficiência. No nosso caso, de deficiência auditiva, a lei de 1989 e o decreto de 1999. Neste decreto, o governo federal espera inserir os portadores de deficiência na sociedade, seja no mercado de trabalho, na educação, na mídia... em diversas atividades sociais. No nosso caso, da deficiência auditiva, esta lei envolve um grande defeito. Ela está inadequada e permite que se cometam absurdos em nome da nossa ciência otológica.
AN - Esta lei estabeleceu parâmetros, de considerar deficientes auditivos, que não são compatíveis com a realidade. Acontece de pessoas que têm uma audição social perfeitamente boa e que são enquadradas como deficientes auditivos e utilizados, até, pelas empresas, para sanar a lei.
EC - Qual o parâmetro aplicado pela lei para que o indivíduo seja considerado deficiente?
AN - Pela lei, são 25 decibéis, o que é um absurdo!
EC - É um absurdo que estamos tentando corrigir. Este indivíduo com 30 decibéis, que não é um deficiente, vai ocupar o lugar de um paraplégico, de um amputado, que é socialmente injusto. Isto precisa ser corrigido.
AN - Foi uma falha da legislação e obviamente não fomos consultados quando a lei foi redigida. A deficiência não pode ser analisada apenas em número de decibéis. Uma pessoa com uma perda média de audição é muito diferente de uma pessoa com perda profunda que faz corte de pedras em pedreiras. Tudo vai depender da inserção social desta perda auditiva relacionada com função que desempenha e o meio que ele convive. Não podemos dizer que um ouvido vale mais do que outro. Temos que saber qual a função que ele desempenha no meio social e como está repercutindo no meio social. É muito mais complexo do que o número de decibéis que a gente pode determinar. Mas é claro que vai haver um momento em que vamos ter de estabelecer parâmetros arbitrários para tentar resolver, pelo menos de modo parcial, este problema, para poder dar vazão à legislação e o cumprimento desta lei.
Mas não podemos perder o foco de que uma coisa é a perda auditiva, numérica, e outra é a deficiência auditiva, mais complexa, de âmbito social. Temos de avaliar múltiplos parâmetros que não apenas a perda auditiva.
EC - O otorrino precisa conhecer também as resoluções do CONTRAN (Conselho Nacional de Trânsito). O que está vigente é o de número 80 e está inadequado em se tratando de audição. A revisão está sendo feita, para melhor, o que torna esta resolução mais abrangente e trata da capacidade de um indivíduo dirigir um veículo se ele tem uma deficiência na área ORL.
EC - O CONTRAN segue os mesmo, parâmetros da legislação trabalhista e previdenciária?
AN - A direção veicular é uma coisa mais complexa ainda porque, na realidade, a pessoa para dirigir, teoricamente, precisa ter a audição em condições de ouvir sons de alarme (sirenes, buzinas, apito etc.). Mas também existe outro problema muito complexo que nós vamos discutir na Câmara Temática de Saúde do DENATRAN (Depto Nacional de Trânsito). Não existe responsabilidade civil no caso de acidentes envolvendo deficientes auditivos quando elas utilizam carteira de habilitação profissional, ou seja, dirigindo para terceiros. Foi feito um estudo muito aprofundado disso, que é uma questão muito complexa porque, teoricamente, uma pessoa completamente surda teria condições de dirigir num veio muito bem sinalizado. Mas seu próprio veículo, sob sua responsabilidade. Ainda existem ouras coisas que influenciam nisso que são os problemas de dormir no volante, relacionados com a síndrome da apnéia do sono e que tentamos introduzir nesta nova resolução do CONTRAN. À essa síndrome tem sido atribuída uma grande quantidade de acidentes de veículos de longo percurso, caminhões e ônibus, principalmente. Está se modernizando a direção veicular e não apenas tendo em vista o Brasil, pois esta nova resolução já busca uma adequação no Mercosul e também tentou se acoplar informações norte-americanas e européias para fazer uma solução de âmbito global.
EC - Quais são os parâmetros do CONTRAN para considerar um indivíduo apto?
AN - Acima de 40 decibéis, o que também é inadequado porque este número não diz nada: não diz a freqüência, não diz o lado, se é unilateral ou bilateral. É uma idéia ultrapassada e completamente não utilizada. A moderna resolução, inclusive vai contemplar o uso de prótese auditiva, que a antiga não contemplava.
EC - Para você ver como as leis sã antagônicas. Um indivíduo com 30 decibéis é deficiente, mas pode dirigir! Mas gostaria de destacar que tanto o decreto da deficiência quanto à resolução do CONTRAN foram duas leis que o governo publicou sem consulta a sociedade científica e se deu mal. Ao contrário da portaria 19 do trabalho e a OS 608 da previdência, em que o governo teve a humildade de consultar a sociedade científica corrigir os erros e publicar documentos que são, hoje, perfeitamente utilizáveis.
EC - O ORL precisa ter noções de atuação n qualidade de perito ou de assistente técnico. Tudo que envolva a ORL em ações oficiais.
NA - O ORL precisa ter noções de como se comportar dentro de um processo para evitar dissabores, como, por exemplo, não cumprir prazos. Estabelecidos, muitas vezes, prazos, pelos juízes, de entrega de laudos de 30 dias, que muitas vezes são negligenciados ou a pessoa não se importa, tem outros afazeres e deixa de lado, e o profissional pode sofrer intimações judiciais.
EC - E vai além... sugerir coisas indevidas, intervirem áreas que não são de sua alçada... Muitas vezes um documento inocente que o otorrino escreve e assina dentro de um consultório, vai ser uma peça importante lá na frente, num processo que envolve emprego, indenizações e até co-responsabilidade criminal.
EC - O que o ORL deve evitar?
EC - Emitir parecer ou relatório sem conhecimento ou embasamento legal do assunto em questão. Antes de assinar um relatório, declaração ou parecer, precisa se informar daquilo que está redigindo.
AN - Jamais vai poder emitir um laudo sobre direção veicular se não conhecer a respectiva lei do DENATRAN que regula isto. Não poderá fazer um parecer médico, do ponto de vista previdenciário, um encaminhamento, se não conhecer, quando fazer, como e quais as diretrizes a serem seguidas.
EC - Qual a penalidade que o profissional pode sofrer no caso de ter um parecer seu contestado?
AN - O profissional pode sofrer um processo ético, do próprio Conselho, por não ter seguido determinações judiciais. Depois pode sofrer um processo cível (negligência, imprudência e imperícia) e ter que indenizar as partes, e até criminal, se puder ser enquadrado neste item. Obviamente, com penas alternativas.
EC - O otorrino não deve deixar de documentar e arquivar, de modo legível, todo histórico e exames complementares, adicionados de seus atos profissionais. Porque amanhã poderá ser chamado á responsabilidade civil de tudo aquilo em que ele atuou.
AN - Isto tem se tornado uma praxe em todo o país de o juiz, ao se deparar com um problema qualquer do ponto de vista médico, inquirir os médicos que atenderam a testemunhar sobre o assunto seja do ponto de vista criminal, cível ou trabalhista. Do ponto de vista de acidente de trabalho vai até 20 anos ele ter bem documentado isto, para quando ser chamado para testemunhar ter condições de subsidiar o juiz e não ser acusado de omisso ou negligente na conduta que deve ter tomado, muitas vezes, muitos anos antes e que já nem se recorda qual foi.
EC - O médico otorrino deve evitar atestar aptidões ao exercício de funções laborativas: Isto é atribuição da medicina do trabalho, que conhece o processo, o método e o local onde a função será exercida. Não é atribuição do otorrino determinar se o pacientes está apto ou não a exercer esta ou aquela função. E deve evitar determinar se um paciente deve ou não usar protetores auriculares, deve evitar decidir se o trabalhador precisa ser remanejado de função. São atribuições da Medicina do trabalho que não competem ao otorrino. E a gente tem visto que cada vez que o otorrino opina sem conhecimento da área do processo infratório, está se expondo, respondendo a coisas para a qual não está preparado.
O otorrino deve se ater ao diagnóstico, que tem que passar para a Medicina do trabalho e o, grau de risco que aquela doença oferece, crias as decisões trabalhistas são de atribuição do médico do trabalho. Ele pode até sugerir um afastamento do trabalho, mas não um remanejamento de função.
AN - Inclusive a lei prevê que emitir um atestado de saúde ocupacional é atribuição única e exclusiva do médico do trabalho.
EVERARDI ANDRADE DA COSTA - Otorrinolaringologista Ocupacional. Mestre em Distúrbios da Comunicação pela PUC-SP Doutor em Saúde Coletiva pela Universidade Estadual de Campinas - UNICAMP - SE Docente em Otorrinolaringologia Ocupacional pela Faculdade de Ciências Médicas da UNICAMP Representante da Sociedade Brasileira de Otorrinolaringologia junto ao Comitê Nacional de Ruído e Conservação Auditiva.
ALBERTO ALENCAR NUDELMANN - Médico Otorrinolaringologista, Pós-Graduado em Otorrinolaringologia pela PUCRS e em Metodologia do Ensino Superior pela UNISINOS-RS. Mestre em Educação pela PUCRS. Representante da Sociedade Brasileira de Otorrinolaringologia junto ao Comitê Nacional de Ruído e Conservação Auditiva, na qualidade de Coordenador. Representante da Sociedade Brasileira de Otorrinolaringologia no Grupo de Trabalho GT 3 do INMETRO 1.
Entrevista conduzida pela jornalista Sra. ELIANA ANTIQUEIRA