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Artigo publicado no Caderno de Debates da RBORL:

Vol.71 ed.6 de Novembro - Dezembro em 2005 (da página 43 à 48)

Autor: Daniel Z. Rispoli1, Paulo M. Camargo2, Vinicius R. Fonseca3, Karina K. Mandelli4, Marcela A. B. Pereira4, Cibele Prado5

Relato de Caso

 Descrição craniofacial da síndrome de Seckel: relato de dois casos

INTRODUÇÃO

A síndrome de Seckel (SS) é uma doença autossômica recessiva, caracterizada por retardo de crescimento intra-uterino e pós-natal com conseqüente nanismo, microcefalia severa, perfil cefálico de "cabeça de pássaro" com retrognatia e retardo mental1,2. Foi descrita pela primeira vez por Virchow em 1892, e mais precisamente por Seckel em 1960.

Existem na literatura aproximadamente 60 casos relatados dessa síndrome, porém menos de 1/3 dos casos parece preencher os critérios originalmente postulados por Seckel2.

A aparência fenotípica do crânio na SS é bem descrita na literatura, porém há apenas um trabalho enfocando a morfologia craniofacial e as alterações dentárias e de mãos dessa síndrome4.

Até a presente data, apenas sete famílias com duas ou mais crianças afetadas pela SS foram relatadas. Apenas uma destas famílias era consagüínea3.

Os objetivos deste trabalho são: 1. relatar dois casos de pacientes pertencentes à oitava família, descrita na literatura, com 2 componentes (irmãs) com SS; 2. abordar os aspectos morfológicos crânio e dentofaciais de uma paciente com esta síndrome; 3. revisar a literatura sobre SS.

REVISÃO DA LITERATURA: DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL

Epidemiologia


A síndrome de Seckel é rara, sua incidência é de aproximadamente 1: 10.000 nascidos vivos, com igual prevalência entre os sexos. Dos mais de 60 casos relatados na literatura entre 1960 até a presente data, menos de 1/3 dos casos parecem preencher os critérios originalmente postulados por Seckel2.

Características fenotípicas

Dentre os critérios mínimos para o diagnóstico da SS incluem-se: retardo de crescimento intra-uterino, nanismo pós-natal, microcefalia, retardo mental e anomalias faciais (testa proeminente, retrognatismo, hipertelorismo, estrabismo, nariz grande e em bico)1-5. Estas alterações conferem ao paciente um aspecto de "cabeça de pássaro".

Outras características associadas são: clinodactilia do quinto dedo da mão, displasia de bacia, deslocamento da cabeça do rádio e da cabeça do fêmur, criptorquidismo, cliteromegalia, hirsutismo, hipoplasia de enamel, escoliose, pé plano, palato alto ou em ogiva e fenda palatina5.

Etiologia

A síndrome é autossômica recessiva. Os riscos de um segundo filho afetado após o nascimento de um com a SS é de 25%, o que revela a importância de um aconselhamento genético após o primeiro filho acometido1-5. O lócus da síndrome de Seckel foi reconhecido recentemente e mapeado no cromossomo 3q22.1q24.6

APRESENTAÇÃO DE CASO CLÍNICO

A paciente A.S.L., 12 anos, foi levada pela mãe para avaliação otorrinolaringológica sugerida pela orientadora da escola especial. Não apresentava queixas específicas. À ectoscopia, apresentava uma diminuição de desenvolvimento estatural (97cm de altura), microcefalia (38cm), aspecto de "cabeça de pássaro" com testa proeminente, retroposição da maxila e mandíbula, palato ogival, retardo mental franco e hipoplasia dos quirodáctilos. (Figuras 1, 2, 3 e 4)

A mãe veio acompanhada de sua outra filha A.C.S.L., de 7 anos, que possuía uma maior expressão da síndrome que sua irmã: maior déficit psicomotor, menor estatura (67cm), a mesma microcefalia severa (32cm) e hipoplasia dos quirodáctilos com ausência de polegar na mão esquerda (Figuras 5, 6 e 7). À oroscopia, apresentava palato em ogiva e regular estado dentário, com cáries e ausências dentárias.

A mãe era prima de primeiro grau do pai das crianças e negava história familiar de outros familiares acometidos pela síndrome, salientando o caráter recessivo. Não possuía carteira de acompanhamento gestacional de nenhuma das crianças, mas negava problemas durante a gravidez ou o parto. As duas meninas nasceram de parto normal.

As crianças foram encaminhadas para o ambulatório de genética, onde foi diagnosticada a síndrome de Seckel, com maior expressão na paciente mais nova.

Foi revisada a literatura sobre a síndrome e observada a falta de dados sobre as alterações orofaciais.

As probandas foram submetidas à documentação craniofacial, o que não foi possível na paciente mais nova por dificuldades decorrentes do baixo desenvolvimento psicomotor e recusa da mãe ao uso de sedativos.

Análise craniofacial (Figuras 8 e 9)

Kjaer4 demarcou 8 pontos de referência, como descrito por Solow7, diretamente na cefalometria, para analisar e confirmar as alterações encontradas na SS. Destes 10 pontos, 3 eram medidas lineares e 7 angulares que foram demarcadas, bem como a sela túrcica e comparadas com as medidas padrão de crianças, preconizadas por Björk8. A morfologia dentária e a erupção foram analisadas radiograficamente e comparadas com os padrões de Moorres. Radiografias de mão e punho foram avaliadas de acordo com análise de Greulich e Pyle9.

Neste trabalho, utilizamos métodos cefalométricos para avaliação craniofacial através da Análise USP e McNamara em telerradiografia perfil e análise frontal de Ricketts em telerradiografia frontal e obtemos os seguintes resultados.

Análise USP

· Perfil convexo, com retrognatismo mandibular e maxilar;

· Linha H cortando ponta do nariz, proeminência nasal anterior;

· Proeminência mentoniana, crescimento facial diminuído, retrognatismo mandibular e maxilar, crescimento de corpo mandibular deficiente.

Análise de Mcnamara

· Retrognatismo maxilar e mandibular, tendência de crescimento vertical característico de padrão dólico-facial e perfil convexo;

Obs.: O padrão McNamara varia de acordo com idade e sexo.

· Análise Frontal de Ricketts: base nasal estreita relacionada com atresia transversa de maxila, face tipo dólico facial.

Análise de mão e punho (Figura 10)

Índice de Eklöf Rinjertz: Através da análise radiográfica de mão e punho, a paciente apresentou retardo do crescimento ósseo com idade óssea estimada de 6 anos e 7 meses.

Análise da dentição (Figura 11)

Através de radiografias periapicais e panorâmica observou-se cronologia de erupção normal, apresentando fase de dentição mista compatível com a idade de 12 anos e 4 meses, sem alteração em números ou forma.

Conclusão das análises craniofacial, dentofacial e de mãos e punhos

Apresenta estágio de dentição mista compatível com a idade cronológica, sem alterações estruturais e numéricas dos elementos dentários. Idade óssea aproximada de 6 anos e 7 meses. Crescimento facial alterado com comprometimento maxilo-mandibular após análise cefalométrica de telerradiografia perfil, confirmada pela Análise USP e McNamara. Telerradiografia frontal mostra assimetria facial e postural, alteração de plano oclusal, de linha média e de intercuspidação dentária.

Os dados obtidos não são compatíveis com as medidas padrão, sendo possível descrever o aspecto facial do paciente como dólico-facial com retrognatismo maxilar e mandibular e aumento do ângulo mandibular com conseqüente aumento do ângulo do eixo facial, caracterizando tendência de crescimento vertical. Além disso, observou-se mordida aberta anterior, excesso vertical de mento e de 1/3 inferior, mordida cruzada lado esquerdo, alteração de plano oclusal, largura facial negativa com leve excesso de crescimento de hemiface direita e atresia da hemiface esquerda e assimetria postural.

DISCUSSÃO

A síndrome de Seckel é uma síndrome de difícil diagnóstico. Apesar de o fenótipo das duas pacientes ser característico da SS, os sujeitos podem possuir uma síndrome rara não conhecida.

Os crânios e as dimensões maxilares das duas pacientes eram marcadamente pequenos. É interessante notar que a morfologia da sela túrcica na paciente A.S.L. não apresentava as alterações descritas na literatura por Kjaer et al.4, os quais encontraram uma protrusão da parede anterior da sela túrcica nas pacientes do sexo feminino, que relacionaram ao maior acometimento do desenvolvimento do esqueleto craniofacial nos diferentes tipos de genótipo desta síndrome.

Após a análise pelos RX panorâmico e periapicais, foi encontrada uma raiz taurotômica, o que foi também demonstrado pela primeira vez no trabalho publicado por Kjaer4. Neste trabalho, os pacientes do sexo masculino possuíam uma morfologia dentária normal. A razão da malformação mais pronunciada nas meninas quando comparado aos meninos é desconhecida. Já foi relatado, no entanto, que as malformações dentárias em pacientes não-sindrômicos também variam com o sexo4.

A agenesia observada na dentição dos probandos é similar à agenesia que ocorre em crianças com desenvolvimento normal, não sendo, portanto, uma malformação característica dessa síndrome. Esse padrão tem sido relacionado com os caminhos dos nervos periféricos na mandíbula4.

Em nosso paciente não se observou cáries tão profundas quanto as encontradas por Kjaer4. Isto pode ser explicado pelo cuidado materno e o zelo dos auxiliares de saúde.

O atraso na maturação do esqueleto (6 anos e 7 meses) apresentou características similares no esqueleto das mãos das duas crianças descritas por Poznanski et al. (1983) e Kjaer que apresentaram alterações no centro de ossificação das epífises4,6.

É interessante notar que a maturidade dentária estava no limite da normalidade. Esta saliente diferença entre a maturidade óssea e dentária suporta a teoria de que os mecanismos endógenos de controle da maturidade dentária e óssea são diferentes4.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Este estudo é o segundo a demonstrar as alterações craniofaciais da síndrome de Seckel com ênfase às alterações morfológicas orais através de análise radiológica e ectoscópica.

Não foram encontradas as alterações descritas por Kjaer na parede anterior da sela túrcica nos pacientes do sexo feminino da síndrome de Seckel, o que pode estar relacionado à variabilidade de expressão desta síndrome.

As alterações dentofaciais da SS provocam alteração oclusal característica e assimetria facial. A agenesia dentária não é característica da síndrome, pois pode ocorrer em pacientes não-sindrômicos da mesma idade.

As alterações das raízes dentárias dos molares dos pacientes com a SS, com raízes taurotômicas, principalmente em pacientes do sexo feminino, precisam ser mais bem investigadas, antes de ser considerada uma característica das pacientes com essa síndrome.

Este estudo apresentou as dificuldades inerentes à documentação de pacientes com déficit psicomotor, não sendo possível a análise na irmã da probanda.


Figura 1. Fácies características da SS. Microcefalia, retrognatia.


Figura 2. Perfil da paciente demonstrando microcefalia e retrognatia.


Figura 3. Perfil da paciente demonstrando microcefalia e retrognatia.


Figura 4. Mãos da paciente.


Figura 5. Facies da SS (irmã da probanda).


Figura 6. Mão esquerda da Segunda afetada. Ausência do primeiro quirodáctilo.


Figura 7. Mão direita normal.


Figura 8. Documentação e traçado cefalométrico.


Figura 9. Documentação e traçado cefalométrico.


Figura 10. RX de mão e punho: retardo do crescimento ósseo com idade óssea estimada de 6 anos e 7 meses.


Figura 11. RX teleperfil mostrando as alterações dentofaciais.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

1. Seckel HPG. Bird-Headed dwarfs: studies in developmental anthropology including human proportions. Basel - Switzerland, S. Karger; 1960.

2. Majewski F, Goecke T. Studies of micro cephalic primordial dwarfism In: Approach to a delineation of Seckel syndrome. Am J Med Genet 1982; 12: 7-21.

3. Krishna AG, Scrimegeour EM, Zawawi TH. Seckel syndrome in a Yemeni family in Saudi Arabia. Am J Med Genet 1994; 51: 224-7.

4. Kjaer I, Hansen N, Vector KB, Birkebaek N, Balslev T. Craniofacial morphology, dentition and skeletal maturity ion four siblings with Seckel syndrome. Cleft Pala Craniofacial J 2001; 6(38): 645-51.

5. Shanske A, Caride DG, Menasse L, Bogdanow A, Marion R. Central nervous system anomalies in Seckel syndrome: report of a new family and review of the literature. Am J Medic Genetic 1997; 70: 155-7.

6. Goodship J, Gill H, Carter J, Jackson A, Aplitt M, Wright M. Autozygosity mapping of a Seckel syndrome locus to chrom 3q22, 1-q24. Am J Hum Genet 2000; 67: 498-503.

7. Solow B. The pattern of craniofacial associations. Acta Odontol Scand 1966; 32: 293-302.

8. Bjork A. The relationship of the jaws to the cranium. In Introductions to Orthodontics. New York: McGraw-Hill. Lundstöm; 1960, p. 104-40.

9. Greulich WW, Pyle SI. Radiographic atlas of skeletal development of the hand and wrist. Stanford University Press; 1950.

10. Poznanski AK, Lannaccoone G, Pasquino AM, Boscherini B. Radiological findings in the hand in Seckel syndrome, from the University School Growth study. Monografia Número 2. Craniofacial growth series. Ann Arbor MI: University of Michigan; 1974.

1 Chefe do Departamento de ORL e Cirurgia Crânio-Facial do Hospital Angelina Caron.
2 Chefe do Ambulatório de Laringe e Ouvido do Departamento de ORL e Cirurgia Crânio-Facial do HAC.
3 Supervisor do Ambulatório Otorrinopediátrico do HAC.
4 Acadêmicos do Departamento de ORL e Cirurgia Crânio-Facial do HAC.
5 Cirurgiã Dentista Bucomaxilofacial do HAC.
Trabalho vinculado ao Departamento de Otorrinolaringologia e Cirurgia Crânio-Facial do Hospital Angelina Caron.
Endereço para correspondência: Vinicius R. Fonseca - Rodovia do Caqui 1150 Km 1 83430-000 Campina Grande do Sul PR.
Tel. (0xx41) 679-8186 - Fax (0xx41) 679-2591 - E-mail: vrfonseca@ig.com.br
Trabalho apresentado no Congresso Brasileiro de Otorrinolaringologia, Florianópolis, 2002.
Artigo recebido em 08 de setembro de 2004. Artigo aceito em 05 de agosto de 2004.

 

 

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