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Artigo publicado no Caderno de Debates da RBORL:

Vol.71 ed.5 de Setembro - Outubro em 2005 (da página 44 à 48)

Autor: José V. Tagliarini1, Emanuel C. Castilho2, Emanuel Nogueira3

Relato de Caso

 Teratoma da nasofaringe: relato de caso e revisão da literatura

INTRODUÇÃO

O teratoma é uma lesão congênita que, embora infreqüentemente localizada na nasofaringe, tem sido relatada nessa região onde o diagnóstico diferencial entre malformação e neoplasia é difícil. A denominação teratoma é empregada para as lesões que são derivadas das três camadas germinativas1. Chaudhry et al. (1978) descrevem o teratoma da nasofaringe não como uma neoplasia verdadeira. Ele representaria uma malformação do desenvolvimento em que as células totipotentes de duas camadas germinativas, ectoderma e mesoderma, escapam ao controle fisiológico que, em circunstâncias normais, controlam o desenvolvimento normal do embrião Estas células embrionárias proliferam, diferenciam-se e formam conglomerados desordenados e desorganizados de vários tecidos, entretanto, apresentam um potencial limitado de crescimento1. Nesta publicação relatamos um caso de teratoma da nasofaringe em uma criança de cinco anos, que foi removido através de cirurgia depois de adequada avaliação. Esta lesão, embora rara, tem sua importância como diagnóstico diferencial de obstrução nasal congênita.

APRESENTAÇÃO DE CASO

Paciente de cinco anos de idade, sexo masculino, cor branca, procurou serviço de otorrinolaringologia. Foi relatado pela mãe que a criança apresenta desde os três meses de idade obstrução nasal, respiração bucal e episódios de regurgitação de leite durante a amamentação. A criança apresentava desde o nascimento períodos de pausa respiratória durante a amamentação. O exame inicial mostrava fácies adenoideano, mordida aberta anterior e cruzada posterior. O exame da orofaringe mostrava a presença de massa de superfície lisa, esbranquiçada, consistência firme e pediculada na nasofaringe. A otoscopia mostrava retração bilateral de membrana timpânica. Nos antecedentes queixava também pneumonias recidivantes que se iniciaram aos dois meses de idade. Fez investigação com dosagem de sódio no suor e dosagem de imunoglobulinas com resultados normais. Apresentava na radiografia de tórax imagem radiológica sugestiva de cisto pulmonar. Como antecedentes a criança foi submetida, aos 10 meses de idade, à ressecção do segmento apical anterior do pulmão direito. O anatomopatológico foi compatível com cisto pulmonar. Após avaliação clínica foi solicitada ressonância nuclear magnética que evidenciava imagem arredondada de 2cm no maior eixo, localizada em parede posterior da nasofaringe, de aspecto polipóide e conteúdo líquido. O exame endoscópico realizado mostrou a presença de massa de tecido mole de aspecto cístico pediculada na parede esquerda da nasofaringe de limites nítidos, ocluindo 50% da luz da nasofaringe. O paciente foi submetido à cirurgia sob anestesia geral, utilizando acesso através de palatotomia mediana. Após secção do palato mole e exposição da nasofaringe, foi identificado o pedículo da lesão na parede esquerda da nasofaringe posterior ao óstio faríngeo da tuba auditiva. O tumor foi removido depois da identificação da implantação da lesão e ligadura do pedículo. O anatomopatológico mostrou tratar-se de teratoma maduro. O paciente foi acompanhado durante quatro anos sem sinais de recidiva ou seqüelas da cirurgia.

DISCUSSÃO

O teratoma é uma neoplasia congênita que embora tenha localização pouco freqüente na nasofaringe, tem sido descrito nesta localização, onde a distinção entre malformação e tumor é muito difícil1. A denominação teratoma é empregada para as lesões que são derivadas das três camadas germinativas1. Etimologicamente, a palavra teratoma deriva do grego "teratos" que significa monstro. Como tal, demonstra a aparência do tumor ou desordenado crescimento desse tumor2. O teratoma ocorre na proporção de um para 4.000 nascimentos e tem localização na região da cabeça e pescoço somente 2 a 5% dos casos3. Existe um grande espectro de malformações na cabeça e no pescoço, que ocorrem devido a distúrbio na embriogênese. Estas malformações resultam da localização anômala de células totipotentes de uma ou mais camadas germinativas1. Chaudhry et al. (1978) relatam que o teratoma da nasofaringe não seria uma neoplasia verdadeira e sim representa malformação do desenvolvimento em que as células totipotentes de duas camadas germinativas, ectoderma e mesoderma, escapam ao controle fisiológico que, em circunstâncias normais, controlam o desenvolvimento normal do embrião. Estas células embrionárias proliferam, diferenciam-se e formam conglomerados desordenados e desorganizados de vários tecidos, entretanto, apresentam um potencial limitado de crescimento1.

Arnold (1870) classificou as massas congênitas da nasofaringe em:

1) Dermóide - são as derivadas das camadas germinativas ectodérmica e mesodérmica. Apresentam-se geralmente como crescimentos pedunculados e são recobertos por pele e apresentam pelos. Recebem também a denominação de pólipo piloso.

2) Teratomas - são geralmente derivados das três camadas germinativas e formam estruturas complexas e podem estar associadas a deformidades cranianas como anencefalia, hemicrania e fissuras palatinas. São compostos de tecido com grau de diferenciação que podem ser reconhecidos histologicamente.

3) Epignatus representa o grau maior de diferenciação das três camadas germinativas em um feto parasita, o qual manifesta desenvolvimento grosseiro de órgãos e membros. Está usualmente aderido ao osso esfenóide.

4) Teratóides são similares aos teratomas em quase todos os aspectos exceto porque são compostos de tecido pouco diferenciado4. Estes tumores foram também classificados por Calcaterra em 1969 em quatro tipos: 1)Dermóide, 2) Teratóide, 3) Teratoma verdadeiro e Epignatus5. A distinção entre teratóide e teratoma é um tanto artificial. Willis (1962) propôs que estes dois grupos deveriam ser considerados apenas um. São consideradas neoplasias, podendo ser benignas ou malignas, por exibirem crescimento progressivo e incoordenado6.

Pólipo piloso é uma malformação congênita originada de duas camadas germinativas, ectoderma e mesoderma. É uma lesão estritamente benigna com potencial limitado de crescimento. Não existe relato de transformação neoplasica da lesão. Pode se localizar em zona de fusão palatina e causar fenda palatina. Com base em seu comportamento biológico e origem bigerminativa, o pólipo piloso não deve ser englobado com teratomas verdadeiros, devendo ser considerado uma entidade separada do teratoma1. Ocorre predominantemente no sexo feminino e aproximadamente 60% das lesões localizam-se na nasofaringe. São freqüentemente pedunculadas e o pedículo pode estar aderido à parede lateral da nasofaringe ou na face nasofaríngea do palato mole. Raramente estão associadas a outras malformações congênitas, tais como atresia da artéria carótida esquerda, anquiloglossia, fenda palatina, hemiatrofia facial e ausência de úvula e orelha externa1.

Os sintomas provocados pelo teratoma dependem do tamanho e localização da lesão e incluem dispnéia, sufocação, dificuldade na sucção e na deglutição e vômitos. Quando o pedículo é longo pode causar sintomas intermitentes tais como tosse intermitente, cianose e disfagia1.

O diagnóstico diferencial da obstrução da nasofaringe em recém-nascido inclui também atresia de coanas, glioma intranasal e encefalocele. A utilização de tomografia computadorizada e ressonância nuclear magnética permitem afastar extensão intracraniana da lesão e fornece permite delimitar a lesão para planejar o tratamento cirúrgico7. Na avaliação de qualquer massa nasofaringea no recém-nascido devemos considerar se a massa origina-se da nasofaringe ou é extensão de massa proveniente do nariz ou da cavidade nasal. O tratamento do teratoma e do pólipo piloso é cirúrgico com adequada ressecção da lesão sob anestesia geral1-3,5,7.

No caso relatado a lesão foi avaliada com ressonância magnética permitindo diferenciá-la de uma massa intracraniana ou de origem nasal. O exame endoscópico permitiu delimitar que o tumor estava inserido na parede esquerda da nasofaringe. Na cirurgia foi utilizado acesso através da palatotomia mediana facilitando a ressecção da lesão por adequada abordagem ao pedículo da lesão. Após ressecção da massa a abordagem permitiu a adequada ligadura da artéria que nutria o tumor. A ressecção da lesão sem uma via adequada poderia levar a uma remoção incompleta do tumor ou dificultar a hemostasia sob visão direta, possibilitando a recorrência ou recidiva da lesão. A reparação cuidadosa do palato, suturando o plano muscular de forma meticulosa permitiu a recuperação completa sem seqüelas funcionais. O tumor removido apresentava superfície lisa, media 4x2x1cm e na palpação tinha consistência semelhante à cartilagem. A avaliação anatomopatológica da peça cirúrgica concluiu tratar-se de um teratoma maduro conforme a classificação de Gonzáles-Crussi (1982)8. O teratoma maduro tem comportamento clínico benigno e raramente recidiva8. O caso em questão apresenta também outra doença congênita, um cisto pulmonar congênito que foi operado antes do diagnóstico do teratoma. Não encontramos relato da associação desta anomalia associada com teratoma ou pólipo piloso. Não podemos dizer se existe associação entre essas duas doenças congênitas. A queixa clínica de obstrução nasal desde os primeiros meses de vida associada à queixa de fadiga ou piora da dificuldade na alimentação são sempre indícios de obstrução nasal de causa congênita. A utilização da nasofaringoscopia e exame de radioimagem na avaliação de obstrução nasal do recém-nascido permite diagnosticar essa rara lesão precocemente, pois a maior parte dos casos relatados é anterior a sua utilização na prática clínica7.



Figura 1. Visão da orofaringe onde se observa a lesão posterior e abaixo da úvula.


Figura 2. Observa-se que a lesão se estende inferiormente tocando a epiglote.


Figura 3. Visão endoscópica da lesão pediculada na parede esquerda da nasofaringe.


Figura 4. Exame de Ressonância Magnética em corte coronal mostrando a lesão com inserção na parede esquerda da nasofaringe.


Figura 5. Exame de Ressonância nuclear magnética em corte sagital mostrando a lesão pediculada na nasofaringe e posterior ao palato mole.


Figura 6. Exame de Ressonância nuclear magnética em corte axial exibindo a lesão com implantação na parede esquerda da nasofaringe.


Figura 7. Foto da peça cirúrgica demonstrando as dimensões da lesão.


Figura 8. Peça cirúrgica imagem mais detalhada da lesão onde podemos observar do lado esquerdo a área de implantação na nasofaringe.


CONCLUSÃO

Teratoma, teratóide, epignatus representam lesões similares com níveis similares de diferenciação. Embora tenha uma ocorrência rara pode estar localizado na nasofaringe. A obstrução nasal no período neonatal deve ser sempre adequadamente investigada com uma anamnese detalhada, principalmente se a obstrução for constante e associada a episódios de cianose ou dificuldade respiratória durante a alimentação. A utilização de nasofaringoscopia permite uma avaliação adequada das fossas nasais e da nasofaringe nas crianças pequenas permitindo identificar a presença de anomalias. A utilização de exames radiológicos quando indicados é também importante na identificação de anomalias congênitas, permitindo avaliar a extensão e possível continuidade com a cavidade craniana. O teratoma, embora sendo uma doença rara, pode ser tratado com cirurgia com acesso adequado, evitando ressecção incompleta e, portanto, sua recidiva.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

1. Chaudhry AP, Loré JM, Fisher JE, Gambrino AG. So-called Hairy Polyps or Teratoid Tumors of the Nasopharynx. Arch Otolaryngol 1978; 104: 517-25.

2. Tapper D, Lack EE. Teratomas in Infancy and Childhood. A 54-Year Experience at the Children's Hospital Medical Center. Ann Surg 1983; 198: 398-409.

3. Singh I, Gathwala G, Saxena S, Wig U, Jaswal TS. Dermoid of the Nasopharynx. Pediatric Surg 1994; 31: 1142-3.

4. Arnold J. Ein Fall von congenitalem zusammengeset Lipom der Zunge und des Pharynx mit Perforation in die Schaedelhoehle. Virchows Arch 1870; 50: 482.

5. Calcaterra T. Teratomas of the nasopharynx. Ann Otol Rhinol Laryngol 1969; 78: 165-71.

6. Willis R.A. Pathology of Tumors of Children. Springfield: Charles CT; 1962.

7. Nicklaus PJ, Forte V, Thorner PS. Hairy polyp of the Eustachian tube. J Otolaryngol 1991; 20(4): 254-7.

8. Luna M, Pals M. Cysts of the neck Unknown Primary Tumor and Neck Dissection. In: Gnepp DR. ed. Diagnostic Surgical Pathology of the Head Neck. 1st ed. Philadelphia: WB Saunders; 2001. p. 650-80.

1 Professor Assistente.
2 Otorrinolaringologista.
3 Médico Residente.
Endereço para correspondência: José Vicente Tagliarini - Departamento de Oftalmologia, Otorrinolaringologia e Cirurgia de Cabeça e Pescoço -
Faculdade de Medicina de Botucatu - Distrito de Rubião Júnior s/n Botucatu SP 18618-000 - Tel/Fax (0xx14) 3811-6256 - E-mail: vicente@fmb.unesp.br
Trabalho apresentado no 36o Congresso Brasileiro de Otorrinolaringologia, em Florianópolis (SC), 2002.
Artigo recebido em 02 de junho de 2004. Artigo aceito em 19 de julho de 2004.

 

 

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