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Artigo publicado no Caderno de Debates da RBORL:
Vol.71 ed.5 de Setembro - Outubro em 2005 (da página 8 à 10)
Autor: Edson Monteiro1, Gustavo A. L. Santos2, Sérgio Thiago Albertin3, Marcelo C. N. Maffezoli4
Relato de Caso
INTRODUÇÃO
Dor crônica em cabeça e pescoço é um sintoma de difícil diagnóstico e tratamento. Muitos pacientes apresentam-se depressivos e refratários às terapêuticas propostas. A dor devido a uma etiologia rinogênica apesar de bem conhecida, especialmente por otorrinolaringologistas, nem sempre é considerada por outros especialistas que se envolvem com o tratamento de dor crônica facial.
A neuralgia do gânglio esfenopalatino conhecida como Síndrome de Sluder é a expressão subjetiva e a valorização objetiva de um fenômeno desarmônico do sistema nervoso sensitivo simpático-parassimpático, que se caracteriza por dor incessante, muitas vezes escaldante, ipsilateral, de caráter paroxístico e classicamente descrita como iniciando ao redor da parede lateral do nariz, dentro e ao redor do olho e da bochecha. Os ataques podem durar de horas a dias com períodos assintomáticos entre as crises.
Sluder (1908)1-4 relatou a síndrome da neuralgia esfenopalatina e a associou ao envolvimento do gânglio esfenopalatino com uma inflamação localizada na mucosa das células do seio etmoidal posterior e seio esfenoidal. Wolff (1963)5,6 sugeriu a origem vascular dessa síndrome, contrapondo-se ao que foi dito anteriormente. As causas rinológicas mais comuns são a obstrução septal com impactação, as rinossinusites, as rinites, os traumas, os tumores intranasais e a síndrome compressiva da concha média. Terapêuticas não-invasivas são comumente usadas e muitas vezes substituídas em casos refratários ao tratamento clínico.
Apresentamos um caso de queixa crônica de dor facial tratado clinicamente por longo tempo que nada modificou o quadro clínico do paciente e que curaria com a correção típica da variação anatômica nasal.
Nossa proposta é ressaltar a importância do diagnóstico, valorizar a causa rinogênica na algia facial e confirmar a eficácia de tradicionais cirurgias como a septoplastia, mesmo sem queixas obstrutivas nasais.
Apresentação do caso clínico
Paciente DCD, 24 anos, feminino, branca, solteira, estudante, brasileira, natural de São Paulo, com cefaléia holocrâniana há um ano, sem localização específica, do tipo em pontadas, sem irradiações, sem outros sintomas associados e com piora clínica há 20 dias. No momento da consulta estava com discreta obstrução nasal à esquerda sem secreções. Paciente faz tratamento para epilepsia. O exame clínico evidenciava um desvio septal importante em área IV à esquerda; não havia queixas obstrutivas nasais.
Foram solicitados exames de nasofibroscopia e tomografia computadorizada de seios da face pré (Figura 1 e 3) e pós-operatória (Figuras 2 e 4). A paciente foi submetida à cirurgia de septoplastia via endoscópica com desaparecimento dos sintomas.
Discussão
A Sociedade Internacional de Cefaléia classifica a neuralgia de Sluder como uma hemicrânia paroxística, uma forma de cefaléia em salvas, assim como a neuralgia do vidiano, a cefaléia de Horton, a neuralgia do grande petroso superficial e a faciocefalalgia autonômica1,7.
Vail (1932)1,5,8,9 descreveu uma dor semelhante "à neuralgia do vidiano" que melhorou com a drenagem de um seio esfenoidal infectado, reforçando a teoria inflamatória de Sluder (1908)1-4. Wolff (1963)5,6 contrariou esta patogenia propondo a origem vascular para a síndrome.
McAuliffe, Goodell and Wolff (1942)10,11 reportaram um trabalho experimental com cinco pacientes saudáveis e dez pacientes com lesões neurológicas onde demonstraram que a estimulação das várias regiões da cavidade nasal causou dor referida na face em específicas distribuições cutâneas do nervo trigêmeo. Abu-Bakra e Jones (2001)10 em estudo com dez voluntários saudáveis, cinco homens e cinco mulheres, com idade média de trinta anos, não conseguiram reproduzir os resultados anteriormente citados.
A dor pode apresentar-se com irradiação para a região infra-orbitária, frontotemporal e mastóidea, às vezes dor no pescoço, nos ombros e nos braços, sem pontos de gatilho embora com áreas de hipersensibilidade. Crises podem ser precipitadas por mudanças bruscas de temperaturas e exposição ao frio, ocasionalmente com rinorréia e dor à palpação da mucosa inflamada.
Ryan (1977)1,12,13 relata que as mulheres são acometidas em 80% dos casos com idade variando entre 40 e 60 anos. Apresentamos um caso do sexo feminino com idade de 24 anos.
Sluder (1913)1,14 descreveu a neuralgia esfenopalatina sendo controlada pela aplicação local de cocaína e curada pela injeção de phenol no gânglio, sugerindo que a confirmação diagnóstica fosse através do sucesso obtido com o bloqueio anestésico do gânglio esfenopalatino. Uma solução placebo (salina) pode ser aplicada durante o seguimento do tratamento sendo o diagnóstico duvidoso com a melhora clínica através desse procedimento. Vail (1932)1,5,8,9 também notou a resolução da dor com o uso tópico de cocaína.
Procedimentos neurodestrutivos do gânglio requerem injeções de álcool, glicerol ou phenol dentro da fossa esfenopalatina.
O phenol, um hidrocarboneto aromático, usado como químico esfoliante e agente neurolítico, é uma proteína precipitante que induz à desnaturação e a coagulação da superfície epitelial queratínica. Pode haver sinais de intoxicação sistêmica com hiperatividade inicial do sistema nervoso central seguida de depressão. Outras complicações são sinéquias e cicatrização do vestíbulo nasal e columela.
O uso do phenol parece ser uma boa opção terapêutica, apesar das complicações e do seu efeito temporário que demanda cauterizações posteriores.
A cauterização, a exérese do gânglio esfenopalatino e o uso de diferentes substâncias esclerosantes têm mostrado eficácia no alívio da dor. Graziussi (1978)5 obteve bons resultados em três casos de síndrome de Sluder tratados com pizotifeno.
Os casos de dor crônica facial com comprovada alteração anatômica nasal tratados clinicamente sem resultado terapêutico demonstra a pouca importância que se dá para as causas rinogênicas e a eficácia nesses casos da septoplastia no controle definitivo da dor.
Conclusão
O tratamento das algias faciais como a Síndrome de Sluder aqui estudada depende de preciso diagnóstico de eventual causa rinogênica antes de qualquer procedimento terapêutico. A septoplastia mostra-se eficaz na cura desse caso, onde o septo desviado cause impactação junto à parede lateral do nariz, devendo, portanto, sempre ser avaliada essa alteração anatômica e considerada sua indicação cirúrgica.
Figura 1. Nasofibroscopia pré-operatória mostrando o desvio septal.
Figura 2. Tomografia computadorizada de seios da face pré-operatória mostrando o desvio septal.
Figura 3. Nasofibroscopia pós-operatória mostrando a ausência do desvio septal.
Figura 4. Tomografia computadorizada de seios da face pós-operatória mostrando a ausência de desvio septal.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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2. Sluder G. The role of the sphenopalatine (or Meckle's) ganglion in nasal headaches. New York Med J 1908; 87: 989-90.
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5. Graziussi G, Avella F, Cacace R, Bracale C, Longhi P. Pizotifene treatment of Sluder's syndrome. A report of three cases. Acta Neurol (Napoli) 1979 Feb; 1(1): 73-5.
6. Wolff HG. Headache and other head pain. 2nd Ed. New York: Oxford University Press; 1963.
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10. Abu-Bakra M, Jones NS. Does stimulation of nasal mucosa cause referred pain to the face? Clin Otolaryngol 2001 Oct; 26(5): 430-2.
11. McAuliffe GW, Gooddell H, Wolff HG. Experimental studies on headache: pain from the nasal and paranasal structures. Research Publication. Association for Research in Nervous and Mental Disease. New York 1942; 23:185-208.
12. Ryan RE, Facer GW. Sphenopalatine ganglion neuralgia and cluster headache: comparisons, contrasts and treatment. Headache 1977 mar; 17(1): 7-8.
13. Ryan RE, Kern EB. Rhinologic causes of facial pain and headache. Headache 1978 Mar; 18(1): 44-50.
14. Sluder G. Etiology, diagnosis, prognosis and the treatment of sphenopalatine ganglion neuralgia. JAMA 1913; 61: 1201-6.
1 Mestrado e Doutorado em otorrinolaringologia pela Unifesp-EPM, Coordenador do estágio de Aperfeiçoamento em Otorrinolaringologia da
PROMUR/SP (reconhecido pela Sociedade Brasileira de Otorrinolaringologia-SBORL).
2 Médico residente do 3º ano do estágio de aperfeiçoamento em otorrinolaringologia da Promur/SP.
3 Médico residente do 1º ano do estágio de aperfeiçoamento em otorrinolaringologia da Promur/SP.
4 Médico residente do 1º ano do estágio de aperfeiçoamento em otorrinolaringologia da Promur/SP.
PROMUR
Endereço para correspondência: Avenida Leôncio de Magalhães 750 Jardim São Paulo 02042-000 São Paulo SP.
Tel/Fax: (0xx11) 6950-2339/ 6950-2339 - E-mail: gustavoalcantara@pop.com.br
Trabalho aceito no III Congresso Triológico de Otorrinolaringologia, realizado de 8 a 11 de outubro de 2003 no Rio de Janeiro/RJ.
Artigo recebido em 27 de abril de 2004. Artigo aceito em 30 de maio de 2004.